No Planalto dos Macondes, em Cabo Delgado
O Governo, através do sector das Obras Públicas e Habitação, está a levar a cabo um programa de emergência que consiste na reabilitação de quatro sistemas de abastecimento de água no chamado Planalto dos Macondes. Esta obra abrange os distritos de Mueda, Muidumbe e Nangade. na província nortenha de Cabo Delgado que possui 77.867 quilómetros quadrados e tem uma população, de acordo com o último censo, estimada em 1.688.203 habitantes.
As obras de reabilitação consistem na substituição da tubagem da conduta adutora e de moto-bombas, entre outras componentes. As mesmas, previstas para estarem concluídas no final do ano, vão absorver 41 milhões de meticais do Governo moçambicano, apurou o nosso Jornal do técnico da Direcção Nacional de Águas, Julião Nguenha. Segundo Nguenha, os quatros sistemas de abastecimentos de água, agora em reabilitação, são Muambula, N’tamba, Chude e Chomba.
O ministro das Obras Públicas e Habitação, Felício Zacarias, trabalhou recentemente no Planalto dos Macondes, para avaliar de perto o que efectivamente está sendo feito para minimizar o crónico problema de água naquela região de Moçambique.
A Reportagem deste Jornal, que fez a cobertura da visita de Felício, constatou que os habitantes desta zona têm uma vida muito complicada, devido à crise de água que é conseguida gota a gota, envolvendo crianças, velhos e adultos, que diariamente descem e sobem elevações, percorrendo distâncias entre dois e oito quilómetros.
Felício Zacarias reconheceu que “realmente, a população enfrenta problemas sérios para obter água”, por isso , para atenuar esse sofrimento, segundo Felício, o Governo concebeu um programa de emergência, reabilitando os sistemas de abastecimento do precioso líquido. “Entendemos que neste planalto a falta de água constitui um problema sério. Enquanto desenvolvemos esforços para grandes projectos, resolvemos fazer o programa de emergência, de modo a dar solução a esta crise, pois os nossos concidadãos não devem continuar a viver desta maneira” – sublinhou o ministro das Obras Públicas e Habitação.
Conforme constatámos, para as pessoas descerem não é problema, mas o regresso, ou seja, subir é que é difícil, como comprovaram os elementos da comitiva de Felício, tendo mesmo alguns deles de ser puxados nas bicicletas dos habitantes locais.
“Se eu soubesse que isto era assim, não me atrevia a descer aqui …ufa”, suspirou um dos quadros do sector das Obras Públicas e Habitação, no momento em que Felício Zacarias subia a elevação normalmente, embora com algumas paragens.
Todavia os habitantes percorrem aquela distância como se estivessem a dar a volta pelos seus quintais, conforme constatou a nossa Reportagem. O nosso Jornal observou ainda que as bicicletas são um meio imprescindível para o transporte de água, carregando 40 a 60 litros em bidões. O caminho poeirento na terra vermelha, “pinta” os pés dos caminhantes. “Não temos nenhuma fonte de água, que seja furo ou mesmo poço, a não ser o sistema que está sendo reabilitado”, frisou Rodrigo Puruque administrador local, que vê a crise da falta do precioso líquido como um grande desafio e preocupação principal para o seu Governo. As avarias das moto-bombas fazem com que as pessoas desçam até onde estão instaladas, o que constitui grande ginástica dos habitantes para se abastecerem da água potável, disse o administrador de Muidumbe. Explicou depois que os habitantes são aconselhados a cobrir as suas casas com chapas e fazer caldeiras para que no tempo chuvoso possam reservar água em tanques que constroem.
“O sofrimento habitua-nos a coisas difíceis.” Este é o pronunciamento de alguns cidadãos entrevistados pelo nosso Jornal, tanto em Muidumbe, como em Mueda.
Ernestina Muinongo, de Muidumbe, afirmou que para além da falta de comida, unidades sanitárias e médico, bem como a degradação acentuada das vias de acesso, o problema fulcral que os habitantes daquele distrito enfrentam é o da água. De acordo com ela, as pessoas disputam com os animais selvagens as fontes de água. “Por isso apelamos o Governo para que dê prioridade ao problema da água, porque, como devem saber, sem a água não há vida e nós as mulheres é que sofremos mais, porque temos que garantir todos os dias o seu abastecimento nas casas”. Em Muidumbe, interceptámos algumas crianças que estavam a descer para o sistema de água de Muambula. “Titio, nada podemos fazer senão ajudar os nossos pais, porque a água está difícil no nosso distrito. Ela devia subir até ao distrito, para nos facilitar a vida”, observaram os nossos entrevistados. Alguns jovens aproveitam a crise de água para o negócio, pois vendem um recipiente de 20 litros a dez meticais, valor considerado elevado pelos residentes, justificando que para conseguir quantidade suficiente para as despesas da casa é preciso que as pessoas reúnam diariamente no mínimo 60 meticais.
De acordo com o administrador Leôncio Julai, o distrito de Mueda possui 120.065 habitantes, 36 mil dos quais residem na vila-sede. Em Chude, a quatro quilómetros da vila sede de Mueda, observámos que mulheres e homens tomam banho juntos, normalmente nus.
“As pessoas não têm tempo de reparar em ninguém, porque o que querem é tomar banho e transportar água para as casas”, disse Jaime Constâncio Nhoca, acrescentando que “de facto, aqui há problemas sérios para obtenção de água.”
Fernando José Bolacha, pastor de uma das igrejas, disse que a situação preocupa-o muito, visto que não é ético as mulheres e homens tomarem banho juntos nus à vontade. “É vergonhoso e estamos a ensinar mal as crianças, porque vão crescendo com este hábito. Portanto, é uma situação que nós, como dirigentes da igreja, rejeitamos, só que não temos como, porque as pessoas infelizmente são empurradas para esse cenário”, observou.
A nossa Reportagem soube ainda que há crianças que desistem das aulas devido à falta de água no distrito de Mueda. Entrevistamos, a propósito, o director do Serviço Distrital da Educação Juventude e Tecnologia de Mueda, Sebastião Simba. Este disse que algumas crianças têm faltado à escola, mas que, na sequência da sensibilização junto dos pais e/ ou encarregados de educação, acabam por voltar para os estudos.
Instalado mercado em Chude
Para facilitar a vida dos habitantes que vão buscar água ao sistema de abastecimento de Chude, alguns residentes da vila de Mueda acharam por bem instalar um pequeno mercado, onde se vende um pouco de tudo, já que as pessoas que vão buscar água permanecem várias horas, daí que necessitem de comer algo, para enganar o estômago. A nossa Reportagem viu mulheres a confeccionar carne de cabrito, cujos pedaços são vendidos entre um e cinco meticais cada. Bolinhos, mandioca, bananas, batatadoce, bolachas e rebuçados contram-se entre os produtos comercializados naquele local.