Se perguntar a um trabalhador sobre a Organização dos Trabalhadores Moçambicanos – Central Sindical (OTM-CS), é provável que lhe responda: “É o que não existe neste país”. Várias são as razões que fazem com que, cada vez mais, haja trabalhadores cépticos no que respeita ao papel dos sindicatos. Um dos aspectos tem a ver com o seu fraco poder negocial em relação ao patronato e ao Governo relativamente às actualizações salariais.
Os trabalhadores sempre olharam para os sindicatos como sendo braços direitos dos patronatos. As recorrentes greves em algumas empresas é sintomático do descrédito em que tais organismos que supostamente defendem os interesses da classe operária caíram. Esta situação não se verifica apenas em relação aos sindicatos nas empresas, mas também a nível central.
A OTM-CS é vista, por grande parte dos trabalhadores, como sendo um órgão ligado ao Governo e ao partido no poder. Esta percepção deve-se, sobretudo, à incapacidade de impor melhores condições de trabalho e, acima de tudo, salariais aos parceiros sociais, além do próprio contexto de formação ou surgimento do movimento sindical no país.
A agremiação tem vindo a exigir que se ajuste o vencimento do empregado ao valor do cabaz mínimo de uma família-tipo em Moçambique (com cinco pessoas). Mas este grupo tem como oposição uma “muralha” constituída pelo Governo e o empresariado nacional, que acredita que o aumento proposto pelos sindicalistas irá tirar a economia nacional dos trilhos.
É, por esta razão que, nas Concertações Sociais, os parceiros chegam sempre a um consenso desfavorável aos trabalhadores, uma vez que a maior parte dos salários aprovados se situa abaixo de metade da proposta.
Sem em diversos países do mundo as marchas de protesto contra os baixos salários e péssimas condições de trabalhos são organizadas pelos sindicalistas, o mesmo não se pode dizer em Moçambique.
Herculano Guilamba, trabalhador do sector da construção, não acredita no trabalho dos sindicatos e diz desconhecer o verdadeiro papel dos mesmos. “Os sindicatos não se preocupam com a situação laboral dos trabalhadores, eles apenas defendem os interesses dos patrões”.
Silvestre Mapamo, do ramo da indústria transformadora, apesar de reconhecer que houve melhorias na vida dos trabalhadores, resultantes das actividades sindicais, comenta que os sindicatos pouco ou quase nada têm feito para que os trabalhadores aufiram salários que lhes permitam levar um vida digna. “Os sindicatos agem em conluio com as entidades empregadoras, razão pela qual não se tem verificado ajustes salariais significativos”, acusa.
Já Tiago Rufino, afecto ao sector de segurança privada, afirma que a voz dos sindicatos não se faz sentir no Conselho Consultivo de Trabalho e, por esta razão, o valor final do salário mínimo aprovado pelo Governo está sempre abaixo da proposta dos sindicalistas.
Movimento sindical
O surgimento do movimento sindical, no país, está relacionado com a situação política, económica e social emergente em 1974. Primeiramente, surge como Conselho de Produção e, mais tarde, concretamente em 1983, transforma-se em Organização dos Trabalhadores Moçambicanos (OTM) que com o desenvolvimento do sistema político nacional do monopartidarismo para o pluripartidarismo teve de se adequar à situação transformando-se em Central Sindical, criando sindicatos nacionais com base nos então denominados Núcleos de Actividades.
Desde então, o movimento sindical nunca deixou de ser conotado como aliado do Governo. A OTM-CS, como uma central sindical, é o órgão que regula e define as políticas gerais e, de acordo com as suas políticas e programas desenhados pelo congresso, tem realizado as suas actividades em prol do bem-estar do trabalhador. As políticas são definidas em consonância com os sindicatos membros. Tem estado a mobilizar os trabalhadores, mas, também, devido à situação económica do país, tem vindo a perder outros.
O estágio actual do movimento sindical é razoável, segundo José Titos Zunguza, secretário da OTM-CS para a área de Organização e Formação de Quadros a nível da cidade de Maputo. “Estamos numa fase em que, em cada ano que passa, temos vindo a assistir a situações de mudanças e estas mudanças fazem com que sempre haja um desfasamento no processo da adequação da vida laboral dos trabalhadores sobretudo no que diz respeito à situação económica”, explica.
Para Francisco José Chamane, assistente para a área de Organização do Sindicato dos Trabalhadores da Indústria Química e Afins – organismo que resultou da fusão de dois sindicatos, o dos trabalhadores da indústria química e telegráfica e os da indústria de calçados –, o estado deste movimento é estável e a situação dos trabalhadores é razoável, embora ainda enfrentem dificuldades no que respeita à fixação de um salário que considera ideal. O desafio do sindicato tem sido consolidar-se, tornar-se actuante e representativo. Neste momento, a prioridade é a massificação do sindicato através da sindicalização dos trabalhadores não membros e é por esta razão que defende que todos os assalariados do ramo industrial independentemente do nível de instrução se devem filiar em defesa dos direitos da classe.
Das 140 empresas do ramo industrial e afins existentes a nível da cidade de Maputo, onde há condições para a criação de uma estrutura, foram criados 49 comités centrais sindicais. A lei só permite a criação de estruturas sindicais onde haja um mínimo de dez trabalhadores, o que significa que existem empresas sem esta condição.
OTM-CS tem a palavra
“O nosso projecto é defender o bem-estar do trabalhador e lutar contra as injustiças no meio laboral. Esta é a razão da nossa existência”, disse José Zunguza. Os responsáveis sindicais garantem que o papel do movimento sindical tem sido positivo na vida profissional e social dos trabalhadores filiados naquelas agremiações que os representam.
Segundo os sindicalistas, os assalariados filiados nos seus respectivos sindicatos sentem o seu papel, aliás, só não sente quem não está filiado. “Todos sentem o papel OTM-CS embora não seja o desejável, pois a actividade sindical deve ser acompanhada pelo desenvolvimento da economia do país. Não pode haver solidez enquanto o desenvolvimento económico for fraco”, disse Zunguza adiantando que se não houvesse sindicatos, “não sei o que seria de nós”.
Direitos laborais
Em Moçambique, os direitos laborais e sociais são um património de todos os trabalhadores moçambicanos, conquistados durante anos, e, anualmente, no dia 1º de Maio, os assalariados saem à rua unidos numa luta em defesa de uma vida condigna, trabalho seguro e salários justos. A história reza que a 1 de Maio de 1886, em Chicago, nos Estados Unidos da América, quinhentos mil trabalhadores saíram às ruas numa manifestação pacífica por uma jornada de trabalho com oito horas diárias e foram reprimidos pela polícia. A luta não parou por aí e a conquista do dia 1 de Maio passou a ser vista como um desafio que deve ser assumido pelos trabalhadores de todo o mundo no exercício da liberdade.
Os assalariados aproveitam este dia para alertar as entidades empregadoras e o Governo para algumas das suas necessidades, nomeadamente o aumento do salário, melhores condições de trabalho e respeito pelos direitos laborais. Esta é uma batalha que se trava em diversos países e, embora nuns haja mais progresso do que noutros, também se assiste a violações dos direitos dos trabalhadores.
Direitos conquistados não são direitos adquiridos
Ter assegurado um posto de trabalho; ser remunerado; ser tratado com correcção e respeito; e ter assegurado o descanso diário, semanal e férias anuais remuneradas são alguns dos direitos dos trabalhadores moçambicanos consagrados na Lei do Trabalho em Moçambique. Entretanto, no país, os direitos laborais, apesar de previstos e consagrados na legislação, são apontados pelos trabalhadores como “não sendo direitos definitivamente adquiridos”.
A experiência mostra que há necessidade de se passar da legislação à prática, visto que se verificam situações em que o trabalhador, depois de vender a sua força de trabalho em troca de uma remuneração, depara com casos em que a entidade empregadora não demonstra interesse em pagar o salário, como ilustra o recente caso dos trabalhadores da empresa G4S. Muitas vezes, o desrespeito à lei é propositado, uma vez que os empregadores estão em condições de dominar os dispositivos legais.
A OTM – Central Sindical tem recebido denúncias diversas de empresas onde há estruturas sindicais de base, sobre a violação dos direitos dos trabalhadores maioritariamente ligadas a reivindicações pelo pagamento de salários, respeito ao horário normal de trabalho e a observância das regras de higiene e segurança. Existem entidades patronais tendenciosas que criam barreiras para que as representações sindicais não possam funcionar devidamente, o que resulta claramente numa forma de intimidação para os trabalhadores. Porém, os sindicatos dizem ter pautado pela aproximação e aconselhamento das entidades empregadoras, mostrando-lhes que este facto não só prejudica o trabalhador, como também provoca um mau ambiente dentro da empresa, o que traz inevitavelmente repercussões na produtividade.
1 de Maio e as exigências de sempre
1 de Maio é um dia importante para o movimento sindical moçambicano, assim como para os trabalhadores que representa, uma vez que os operários reafirmam os valores sindicais e a necessidade do desenvolvimento socioeconómico. Todos os anos este feriado é comemorado com a realização de algumas actividades, a destacar as manifestações pacíficas demonstrando algumas inquietações e também alguma alegria por causa do sucesso do trabalho que se vem obtendo ao longo da jornada. Este ano não fugirá à regra: os trabalhadores sairão às ruas contestando determinadas situações.
No presente ano, para comemoração da data, a OTM – Central Sindical definiu que os sindicatos estão engajados na luta pelo emprego digno para todos. Ou seja, os protestos poderão ser contra os contratos precários que a maior parte das empresas celebra com os trabalhadores. Ultimamente, os empregos são inseguros sendo que o trabalhador não sabe se continua ou não por muito tempo. O patronato, para não ter um funcionário a tempo indeterminado, opta por celebrar um contrato precário.
Outra preocupação prende-se com o facto de as empresas observarem mudanças constantes no seu ramo de actividades, o que deixa o trabalhador numa situação desconfortável. Além da precariedade dos empregos, poderão reivindicar a observância da lei laboral e a criação de condições para que o trabalhador usufrua dos seus direitos no que diz respeito à reforma, às indemnizações e aos subsídios.
Dirigentes da OTM-CS
Desde a sua criação até o presente, a Organização dos Trabalhadores Moçambicanos – Central Sindical (OTM-CS) teve cinco secretários-gerais. O primeiro foi Augusto Macamo, membro fundador da agremiação (hoje aposentado), tendo sido substituído por Soares Nhaca. O então sindicalista destacou-se por ter convocado uma greve geral para um dia de descanso (Sábado), e dirigiu a organização até 1999, tendo chegado logo de seguida a governador da província de Manica. Em 2005, Nhaca foi nomeado vice-ministro do Trabalho e, mais tarde, é indicado para ministro de Agricultura, acabando por ser exonerado.
Na OTM-CS Soares Nhaca foi substituído por Joaquim Fanheiro. Além de secretário-geral da Organização dos Trabalhadores Moçambicanos, Fanheiro foi eleito presidente das Centrais Sindicais dos Países de Língua Portuguesa (CSPLP). Defendia que a implantação dos Tribunais de Trabalho não devia depender da construção de edifícios de raiz para o seu funcionamento. Joaquim Fanheiro faleceu após ter sofrido um derrame cerebral e permanecido 11 dias em coma.
Seguiu-se Amos Júnior Matsinhe, que presentemente é vice- -presidente. Matsinhe foi indicado pelo Conselho de Administração do Instituto Nacional de Segurança Social para representar os trabalhadores. Actualmente, a OTM-CS tem como secretário-geral Alexandre Cândido Munguambe.
O que os trabalhadores dizem sobre as medidas do governo e a OTM – CS
Salez Alberto, de 42 anos, professor da Escola Primaria completa do Benfica-9: “A ideia da cesta básica não é bem-vinda porque há muita gente desempregada. E, em princípio, os desempregados não terão acesso porque se fala de cartão para o trabalhador. É preferível continuar a subsidiar os panificadores a subsidiar as pessoas com dinheiro, porque os panificadores atingem a maior parte da população, ou seja, as pessoas querem comida. No que tange ao desconto para a Segurança Social, acho que vale a pena descontar porque isso ajudará a pessoa no futuro ou quando lhe acontecer algo como acidente ou morte. O único problema, senão o principal, é o facto de o dinheiro recebido ser muito pouco. As medidas do Governo no combate à pobreza deveriam centrar-se na Agricultura, a base da nossa economia. Em relação às outras áreas, como são os casos de Educação (construção de escolas) e Saúde (construção de mais hospitais) está tudo bem. Mas as pessoas agora querem comida. Não há incentivo em relação à Agricultura. É preciso dar mais financiamento a esta área. Mesmo em termos de salário, os agricultores recebem menos. A banca não dá empréstimos aos agricultores. Como é que podemos desenvolver deste modo?
O Sindicato de Trabalhadores Moçambicanos não está a cumprir cabalmente com a sua função. Ainda deve fazer muita coisa, mas não faz porque não é independente. Defende ou fica muito aliado ao Governo. Não resolve os problemas do trabalhador de forma imparcial. Para resolver o problema dos trabalhadores o Governo deve incentivar a produção. O problema é que o trabalhador moçambicano com o pouco que ganha, gasta todo o dinheiro na compra de alimentos. E os alimentos estão muito caros porque os produtores não têm incentivos por parte do Governo em toda a cadeia de produção”
António Kelemente, de 30 anos, contabilista: “Já ouvi falar da cesta básica. A ideia é boa mas tenho dúvidas em relação à sua efectivação. O desconto para a Segurança Social é uma espécie de imposição do Governo, e não há outra saída. Se me perguntasse se aceito ou não, eu diria que não e preferia receber o meu dinheiro sem nenhum desconto. Mas como é um esquema montado para nos retirar mais dinheiro, passa a ser vinculado.
Em termos de benefícios, não há nada porque não conheço ninguém que esteja a beneficiar na sua plenitude. Prometem muita coisa para que a pessoa pague, mas na hora da verdade, não pagam. Os sindicatos não ajudam o trabalhador. Por exemplo, em relação ao caso da G4S se o sindicato, de facto, funcionasse, os trabalhadores não teriam primeiro feito a manifestação e, muito menos, parariam na cadeia. O sindicato só se preocupa com o salário e mais nada. Mesmo em relação ao salário, as suas propostas não são boas. Não sabem negociar com o Governo.
Para o Governo resolver o problema dos trabalhadores, primeiro, o próprio Governo tem de perceber que faz parte dos trabalhadores. Eles é que montaram o sistema para beneficiar a eles próprios e prejudicar a maioria. Seria interessante que algum governante aceitasse por um mês receber o salário mínimo para perceber o que a maioria da população tem passado”.
Judite Siquela, de 24 anos, é residente do bairro T3 e vendedora de verduras e frutas: “Já ouvi falar da cesta básica, medida a ser introduzida pelo Governo a partir de Junho deste ano. Mas desconheço os mecanismos através dos quais o cidadão terá acesso ao mesmo.
O Governo deve explicar as suas decisões a quem o elegeu. Eu só sei que existe cesta básica. Na minha opinião, o salário mínimo tinha de ser fixado entre os 6 e 8 mil meticais porque os preços estão altos e Governo não consegue garantir ao cidadão os serviços básicos tais como o transporte.
Eu gasto, em média, 60 meticais por dia, só em transporte, mas se o Governo alocasse mais autocarros dos TPM, o gasto seria de 10 meticais. Não estou filiada a nenhum sindicato e não desconto nenhum valor para o Instituto Nacional de Segurança Social, não por negligência, mas por desconhecimento”.
Carlos Nhantumbo, agente de segurança: “Não tenho informação sobre as recentes decisões do Governo mas ouvi dizer que é só para os que moram nas cidades capitais, o que não é justo porque todos somos moçambicanos, daí a necessidade de serem incluídos os que se encontram fora destes locais.
Sou descontado mensalmente 50 meticais para o INSS embora não tenha usufruído, ainda, das suas vantagens. Sou membro do Sindicato Nacional dos Trabalhadores de Empresas de Segurança Privada.
Não acredito que este resolva os problemas dos membros, tendo em conta a minha experiência. Várias vezes, o sindicato mostrou ser incapaz de resolver problemas que envolvam os seus membros”.