Sentindo-se oprimidas e, socialmente, marginalizadas por um sistema político em que o homem explora o homem, prejudicando-o, durante o colonialismo português, as populações da província de Nampula edifi caram o Ntemua, revoltando-se face à precariedade social em que se encontravam. Nos dias actuais, na mesma região do país, o grupo tornou-se secular e, através das suas obras, expressa a angústia popular contra a miséria. Será que eles estão cansados?
A história reza que, devido às humilhações perpetradas pelo sistema colonial português, chegou uma fase em que o povo ficou, totalmente, fatigado e enfurecido. O problema é que ele não podia manifestar esse sentimento de forma mecânica. Inspirando-se numa palavra de origem bantu, da língua macua, Ntemua – que significa Cansado – as populações começaram a criar manifestações culturais, sobretudo o canto e a dança, em que expressavam que precisavam de liberdade.
Autóctones que são, eles queriam sentir-se donos da terra em que nasceram, podendo dirigir os seus destinos. Dessa forma, criaram o Grupo Cultural Ntemua, para transformar a sociedade. De acordo com o responsável do grupo, João Amade, por definição, o Ntemua foi uma forma pacífica de lutar contra o colonialismo português através da dança.
Por isso, na altura, as mensagens cantadas, em macua, não eram percebidas pelos colonos, o mesmo não acontecia com a população que afluía, em massa, aos eventos aliando-se, assim, na luta contra a dominação. Pelo facto de as danças tradicionais terem muita popularidade e arrastarem as massas, os colonos apreciavam as manifestações, permitindo, assim, que acontecessem publicamente e de modo desinibido.
Instrumentos como enxada, catana, livros, armas de fogo entre outros – para simbolizar a urgência de libertar o povo – eram utilizados nas suas actuações. A sensibilização e a mobilização do povo para a transformação social, com base no combate ao sistema de opressão, crescia continuamente.
Cada instrumento utilizado tinha uma função específica, bem esclarecida para o povo. A enxada era para capinar e produzir comida para a família. As armas de fogo representavam um meio, alternativo, a partir do qual se devia expulsar o inimigo se as manifestações pacíficas não gerassem resultados favoráveis. O livro significava que o povo devia estudar para ampliar a sua visão sobre a realidade e o mundo.
Assim, a partir destas manifestações culturais, criaram-se as bases para a edificação da unidade nacional que, a par da luta armada de libertação nacional, conduziu o país à independência, em 1975. Os moçambicanos, que aprenderam a língua portuguesa, expressavam-se no mesmo idioma em todo o país, a fim de conquistarem a liberdade. O país foi libertado e o povo ganhou consciência em relação à importância da instrução, da necessidade de se transformar a terra, produzindo bens a fim de se garantir o sustento das famílias moçambicanas.
Os problemas do nosso tempo
João Amade congratula-se pelos feitos alcançados na luta pelo bem-estar do povo. No entanto, quando olha para o espaço em sua volta, deparando com a situação de extrema pobreza que afecta as populações, sobretudo nas regiões rurais, revolta-se. O artista está inconformado com o subdesenvolvimento do país, havendo a necessidade de se trabalhar, arduamente, para transformar os recursos existentes em bens que possam reduzir a miséria.
Num outro desenvolvimento, João Amade louvou o empenho do Governo moçambicano na construção de novas infra-estruturas sociais – unidades sanitárias, escolas e estradas – mas defende que se deve acelerar a melhoria da qualidade de ensino, expandindo-se os serviços públicos da saúde.
É deste modo que o Grupo Cultural Ntemua realiza eventos culturais em que expõem canções cujas temáticas têm o objectivo de mobilizar o povo para lutar contra a pobreza a fim de desenvolver o país.
Por outro lado, a crescente onda de criminalidade no país – que, nalguns casos, se caracteriza por agressões, na via pública, durante o dia – constituem outros temas abordados pela colectividade. A relevância do trabalho do grupo pode ser avaliada com base no elevado número de convites que tem para actuar em vários lugares.
O líder do Grupo Cultural Ntemua explica que, em Nampula, a pobreza prevalece porque enquanto o povo precisa da terra para produzir, o Governo não o cede, privilegiando os grandes empreendimentos estrangeiros que desenvolvem projectos que põem em causa a actividade agrícola. Assim, as poucas terras aráveis que existem são disputadas pelas populações locais, gerando-se conflitos.
Uma fonte de renda
Ao certo, não se sabe quando é que o Grupo Cultural Ntemua foi fundado. Porém, que os actuais integrantes trabalham há mais de 20 anos. No início, o grupo praticava, exclusivamente, a dança. Actualmente, existe uma associação cultural com o mesmo nome. Por causa da popularidade que a dança Ntemua possui em Nampula, em quase todos os eventos culturais ela é exibida.
Segundo o responsável do grupo, normalmente, os valores cobrados num evento variam entre 10 e 15 mil meticais. E o pagamento pelos serviços prestados é feito antes por via bancária. É assim que a dança Ntemua se impõe como uma fonte de renda para os artistas. Depois da actuação, a distribuição do dinheiro tem sido equitativa entre todos os membros.
Mensalmente, a prática da dança rende-lhes algum dinheiro a partir do qual se sustentam as famílias. As bailarinas, que são adolescentes, aplicam o dinheiro, comprando material escolar bem como noutras despesas. O valor remanescente satisfaz necessidades do grupo ou é investido em acções filantrópicas que beneficiam os familiares dos membros da colectividade.