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Sequestros: penas pesadas só com a aprovação da proposta de revisão do Código Penal

O vazio legal existente e a aplicação de penas leves na questão dos raptos e sequestros, um fenómeno que tem vindo a tomar contornos alarmantes no país, poderá continuar por mais tempo caso a Assembleia da República não aprove a Proposta de Revisão do Código Penal ainda nesta VIII Sessão Ordinária, que iniciou na última segunda-feira.

É que muitos círculos de opinião têm afirmado que o aumento de casos de raptos e sequestros se deve à fraca actuação da Polícia da República de Moçambique, à qual acusam de só reagir, e à falta de uma legislação específica sobre a matéria. A questão é tão preocupante que até o Procurador-Geral da República, Augusto Paulino, recomendou a revisão dos actuais (pois prevêem penalizações que não se enquadram com os moldes em que os sequestros são feitos) e a concepção de novos instrumentos legais.

Parlamento “trava” Código Penal desde 2011

Embora a sua aprovação não vá significar taxativa e automaticamente o fim do fenómeno, o Projecto de Revisão do Código Penal, que está na Comissão dos Assuntos Constitucionais, Direitos Humanos e de Legalidade, liderada por Teodoro Waty, aborda (de forma paliativa) esta questão e prevê as respectivas sanções.

Porém, o mais alto órgão legislativo do país tem preterido o debate deste instrumento legal desde 2011, alegadamente devido à escassez de tempo e à sua complexidade e extensão. Invocou-se ainda a necessidade da realização de consultas públicas, o que já foi feito. Entretanto, espera-se que a discussão do Projecto de Revisão do Código Penal venha a acontecer até 20 de Dezembro, data prevista para o término dos trabalhos da VIII Sessão, uma vez que o mesmo faz parte dos 30 pontos da agenda, embora não seja a primeira vez que tal ocorre.

Penas previstas

No seu Artigo 349º do Capítulo I, relativo a crimes contra a liberdade das pessoas, o Projecto de Revisão do Código Penal determina que “aquele que, por meio de violência, ameaça ou qualquer fraude, raptar uma pessoa, deslocando-a do seu meio normal com o fim de submeter a vítima à extorsão, obter resgate ou recompensa ou constranger autoridade pública, a uma acção ou omissão, será punido com pena de prisão maior de dois a oito anos”.

Já no Artigo 350º, referente ao cárcere privado, o PRCP prevê que todo o indivíduo que fizer cárcere privado, retendo, por si ou por outrem, até doze horas, alguém como preso em alguma casa (…) ainda que não se verifique qualquer meio que o prenda será condenado com a prisão de um mês a um ano. Se a retenção durar mais de 24 horas, será condenado o criminoso a prisão de três meses a dois anos. Porém, se durar mais de vinte dias a pena a aplicar será de prisão maior de dois a oito anos.

Rapto de menores

Os dois últimos sequestros que aconteceram na cidade de Maputo, capital do país, tiveram como alvo duas crianças, ambas de nove anos de idade. Uma é filha do antigo director-geral da Ernest & Young, uma empresa de consultoria e auditoria, e a outra de um empresário e funcionário sénior da Petromoc.

O Projecto de Revisão do Código Penal, ora engavetado no Parlamento e cuja aprovação (célere) depende única e exclusivamente dos 250 deputados, é duro quando se trata de rapto de menores. Por exemplo, aquele que raptar, ocultar ou fizer ocultar, trocar ou fizer troca por outro, ou descaminhar ou fizer descaminhar um menor de sete anos, o Artigo 364º prevê uma pena de prisão maior de dezasseis a vinte anos. Se for maior de sete anos e menor de dezoito, a pena prevista é de prisão maior de dois a oito anos.

Igualmente, será condenado a pena de prisão maior de dois a oito anos aquele que por violência ou fraude tirar ou levar um menor de sete anos da casa ou lugar em que, com a autorização de pessoas encarregadas da sua guarda, ele se encontrar. Mais: aquele que não mostrar onde se encontra o menor será condenado a pena de prisão maior de dezasseis a vinte anos.

Penas para quem não “colaborar”

Uma das questões de se tem queixado a Polícia da República de Moçambique tem a ver com o facto de, em alguns casos, ao familiares das vítimas não colaborarem. Ou seja, por vezes, e principalmente depois de serem contactados pelos criminosos, eles não participam a ocorrência às autoridades.

Se o fazem, é apenas para cumprir uma formalidade pois negoceiam e pagam o valor do resgate à revelia da Polícia em cumprimento das exigências dos sequestradores e como forma de salvaguardar a integridade física do seu parente. Se o sequestrado for um menor, a pessoa que assim proceder, ou seja, o encarregado que não o apresentar aos que têm direito de o reclamar, nem justificar o seu desaparecimento, será condenado a prisão maior de dois a oito anos.

O rapto como crime contra a segurança do Estado

Recentemente, um grupo de homens armados pertencentes à organização terrorista islâmica Al-Shabab invadiu um centro comercial na cidade de Nairobi, capital do Quénia, e manteve reféns as pessoas que lá estavam. Por isso, o caso deixou de constituir apenas preocupação dos familiares, e passou a ser tratado como assunto ligado à segurança de Estado. Aliás, havia de o ser por mais que o ataque não tivesse sido protagonizado por homens armados.

Este tipo de crime está previsto no projecto, que no seu Artigo 177º, no Capítulo III (crimes contra a segurança interior do Estado), pune com pena de dois a oito anos de prisão maior e multa até um ano a quem raptar ou mantiver como refém uma ou várias pessoas com a intenção de obrigar o Estado a realizar qualquer acção ou omissão.

Dados de 2013

De Janeiro a esta parte, foram raptadas em todo o país 19 pessoas e, segundo o porta-voz da Polícia da Repúblicas de Moçambique, Pedro Cossa, destes 15 foram esclarecidos, tendo sido encaminhados os respectivos casos à Justiça. Em conexão com estes actos, foram detidos 22 indivíduos, dos quais cinco foram soltos pelo tribunal por insuficiência de provas do seu envolvimento e os restantes estão em julgamento.

Iniciados em meados de 2011, os sequestros tinham como vítimas preferenciais cidadãos de origem asiática nas cidades de Maputo, Matola, Beira e Nampula, porém, alastram-se agora a outros estratos da sociedade ante a inoperância das autoridades policiais, que vêem alguns dos seus membros acusados de participação nos crimes, e a impotência dos tribunais que, no Código Penal vigente, não encontram penas que sejam dissuasoras destes crimes. Aliás, é de lembrar que a Polícia nunca efectuou uma operação de resgate. As vítimas regressam ao convívio familiar porque os seus parentes efectuaram pagamentos aos sequestradores.

Opiniões sobre o fenómeno

“Trata-se de um crime transfronteiriço”, PGR Para além de reclamar da falta de uma legislação específica sobre os sequestros, o Procurador-Geral da República, Augusto Paulino, chegou a dizer que este tipo de crime era cometido por redes estrangeiras ou tem ligações com elas.

“Estas práticas criminais são perpetradas por grupos transnacionais de crime organizado, que representam uma verdadeira ameaça à paz, ao desenvolvimento e até à soberania do Estado”, referiu Paulino, para quem os sequestros assemelham-se ao narcotráfico, à corrupção, à fraude, ao contrabando, ao tráfico de armas, e a outros crimes cometidos por grupos transnacionais.

“Ajuste de contas ou luta pelo monopólio de negócios”, presidente da LDH

A opinião de Augusto Paulino é sustentada pela presidente da Liga dos Direitos Humanos, Alice Mabota, que considera que o fenómeno exige uma resposta urgente, sob pena de se hipotecar a existência do Estado moçambicano.

Numa entrevista concedida ao semanário Savana, em 2012, Mabota referiu-se a dois possíveis motivos que podem estar por detrás deste tipo de crime, nomeadamente a guerra pelo controlo do espaço em vários negócios onde as vítimas operam e o ajuste de contas. “Esta não é uma realidade nossa. O moçambicano bate, rouba mas não sequestra. Ou é ajuste de contas, ou então, são pessoas que estão a confrontar-se pelo controlo de certos negócios”. Por outro lado, Mabota critica a actuação da Polícia, que tem a responsabilidade sobre a ordem e tranquilidade públicas, à qual acusa de inoperância.

“Raptos fazem parte do desenvolvimento”, ministro do Turismo

Por seu turno, quando indagado sobre se o fenómeno dos raptos poderia retrair o investimento estrangeiro no país, o ministro do Turismo foi um tanto ou quanto infeliz, pois deu uma resposta inesperada. Considera ele que “os raptos fazem parte do desenvolvimento”.

Para justificar a sua tese, Muária diz que “há um trabalho que está a ser feito, mas o crime vai continuar pois onde há desenvolvimento, há crime”, esquecendo-se de que o desenvolvimento de que fala é ou devia ser acompanhado de investimento em meios humanos e materiais e melhoria das condições de trabalho e de salário de quem combate o crime: a Polícia.

“Em todo o mundo há crime, é por isso que em cada país há polícias e forças armadas exactamente para conter estas situações, existem países piores que Moçambique, onde a cada 30 minutos são assassinadas pessoas”, concluiu.

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