Para continuarmos  a fazer jornalismo independente dos políticos e da vontade dos anunciantes o @Verdade passou a ter um preço.

 
ADVERTISEMENT

Sempre a Vale Moçambique…

População aglomera-se no Corredor de Nacala para exigir indemnizações

Nas regiões onde a empresa brasileira Vale Moçambique se estabelece multiplica-se o desgosto das populações. Para além do mau encaminhamento dos processos de reassentamento para dar lugar a vários empreendimentos económicos e da falta de entendimento entre as partes no que diz respeito às indeminizações, imperam as falhas de comunicação entre a firma, o Executivo e as famílias, situação em que, não raras vezes, os governos locais saem em defesa desta multinacional. As promessas de uma vida melhor a pessoas removidas das suas terras são, nalguns casos, cumpridas depois de muitas batalhas por parte dos lesados e, na pior das hipóteses, as compensações não passam de letra-morta.

Na província de Tete, por exemplo, o desentendimento entre mais de duas centenas de oleiros, a Vale Moçambique e o governo do distrito de Moatize arrasta-se há anos e está longe de ter um desfecho. O problema começou na madrugada de 10 de Janeiro de 2011, quando mais de 700 famílias reassentadas pela mineradora para dar lugar à exploração do carvão, no bairro de Cateme, no distrito de Moatize, protestaram contra as precárias condições de vida a que estavam sujeitas desde finais de 2009.

Para além das dificuldades de acesso à água, à terra e à energia, do incumprimento de promessas feitas pela firma – com o executivo local a defender a companhia – e da infiltração de água nas casas construídas pela empresa em causa no período chuvoso, um grupo de oleiros ainda reivindica compensações justas. O caso já se encontra em tribunal.

As fragilidades ou o desleixo do Governo no acompanhamento da transferência das famílias de uma zona para outra verificam-se, também, quando se trata de construção de rodovias e ferrovias a cargo do próprio Executivo. A falta de usufruto das mesmas condições anteriores ou melhores nas regiões de reassentamento tem sido um dos principais problemas que geram conflitos e centenas de cidadãos ficam na miséria em virtude da perda dos seus meios de subsistência, tais como machambas. Com a construção de uma estação ferroviária em Muezia, a cerca de 40 quilómetros da capital provincial de Nampula, tudo parecia uma dádiva de Deus para os habitantes daquele povoado.

Porém, todas as expectativas da população caíram por terra quando a China Railway Corporation Group, empresa contratada pela Vale Moçambique para proceder à reabilitação da linha férrea que liga Moatize a Nacala-a-Velha, começou a destruir parte dos produtos agrícolas e fruteiras ao longo da via, sem aviso prévio e, muito menos, garantia de indemnização. Presentemente, a mineradora brasileira sacode a água do capote e endossa a responsabilidade à companhia chinesa, deixando os populares na incerteza.

No passado dia 25 Maio, 61 famílias dos bairros de Naculue e Manquilina, algumas das quais dependentes da actividade agrícola para sobreviverem, foram afectadas pelo projecto de reabilitação da linha férrea entre Moatize, província central de Tete, e Nacala-a-Velha, em Nampula. A situação está a gerar um conflito entre a população e a empresa Vale Moçambique, entidade responsável pelas obras. A controvérsia começa quando alguns técnicos dos patronos do projecto se deslocaram àquela região, supostamente para efectuarem o registo das pessoas abrangidas, para uma eventual indemnização.

Acontece que, na altura, havia sido acordado que o processo de destruição de propriedades e bens que se encontram ao longo da ferrovia e o pagamento aos proprietários iria ser efectuado tendo em conta um perímetro de 15 metros, com a observância dos critérios previamente estabelecidos. Perante a presença das lideranças locais, os fiscais garantiram aos camponeses que os seus campos de cultivo seriam destruídos, depois da colheita dos produtos, como forma de evitar prejuízos e eventuais focos de insegurança alimentar na zona.

Além de não terem sido efectuadas as compensações, a população continua preocupada com a invasão de outras áreas, uma vez que os operadores das máquinas estão a estender a zona de actuação para um perímetro que abrange cerca de 100 metros. Caliha Nipuitho, uma anciã de aproximadamente 70 anos de idade, detentora de um bananal e um pequeno campo de produção agrícola em Naculue, faz parte das vítimas. A visada reside numa casa de construção precária que se localiza nas imediações da linha férrea. Ela foi contemplada no processo de compensações mas, até este momento, ainda não ouviu falar de qualquer plano de pagamento.

“Estou muito aflita com a situação. Eles destruíram os meus produtos agrícolas, sem qualquer garantia de indemnização e não tenho a quem recorrer”, disse, visivelmente constrangida com a situação. Habibo Manuel Chiporro também viu o seu campo de cultivo de batata-doce, mandioca e feijões totalmente destruído. Dos cajueiros, mangueiras, bananeiras e outras árvores de fruta e de sombra, só restaram troncos. Segundo o nosso interlocutor, todos os seus sonhos foram frustrados e, por isso, exige que se faça justiça.

Reacção das lideranças

As autoridades comunitárias locais estão preocupadas com a destruição dos produtos dos camponeses e pedem a quem de direito para a tomada de medidas, o mais breve possível, uma vez que algumas famílias ameaçam fazer justiça com as próprias mãos. Américo António, chefe da zona de Muezia, falou sobre a alegada falta de transparência no processo de levantamento das famílias que seriam compensadas em virtude da destruição das suas casas, existindo alguns cidadãos cujas machambas foram pura e simplesmente excluídas pelo pessoal encarregue de efectuar o trabalho de registo de propriedades.

Compensação no CDN gera polémica

Está instalado um clima de tensão entre as famílias afectadas no processo de compensação no âmbito do reassentamento da população que se encontra num raio não acima dos 15 metros da linha férrea ao longo do Corredor de Desenvolvimento do Norte (CDN) e a empresa Vale Moçambique, concessionária da linha, devido à falta de transparência em todo um conjunto de promessas acordadas no acto do estudo. A população sente-se lesada e ameaça protagonizar actos de sabotagem das actividades em curso.

De acordo com os visados, depois do estudo feito pela empresa China Railway Corporation Group, com recurso a equipamento pesado, as suas culturas alimentares nas hortas abertas na presente campanha agrícola estão a ser destruídas sem um pré-aviso e antes das anunciadas compensações, não havendo outra alternativa para a sobrevivência das famílias afectadas. Por outro lado, os queixosos denunciaram, igualmente, que, para além do perímetro de 15 metros acordados no acto do estudo, estão a ser devastadas terras numa área de cerca de 100 metros de raio, onde algumas residências também não foram poupadas.

Armando Siveleque, um dos cidadãos abrangido pelo processo, residente no posto administrativo de Mutuali, distrito de Malema, em Nampula, disse que foi forçado pelos fiscais a aceitar o valor estimado em 19 mil meticais, alegadamente em compensação pela destruição da sua residência com dimensões de sete por cinco metros. Mas este discorda, afirmando que o montante não corresponde aos custos reais da sua edificação. “Ainda não recebi o dinheiro, só me foi dado uma senha que faz menção de que terei o valor de 19 mil meticais e não sei com que base fizeram os cálculos”, disse agastado.

O nosso entrevistado denunciou, igualmente, o facto de alguns fiscais se envolverem em esquemas fraudulentos, comprando casas nas redondezas muito antes do estudo, e, chegado o período das compensações, cujos valores rondavam 400 mil meticais, estes foram os primeiros a beneficiarem das indeminizações. Siveleque disse ainda que existem alguns fiscais que têm vindo a cobrar valores na ordem de 100 mil meticais para facilitar o acesso a compensações chorudas.

Sobre este facto, o @Verdade apurou que alguns funcionários da mineradora brasileira têm estado a vender informações sobre os locais estratégicos por onde a linha férrea, ora em construção, passará a indivíduos que, posteriormente, obrigam os habitantes a cederem os seus espaços mediante o pagamento de valores que variam entre sete mil e 20 mil meticais. O objectivo por detrás dessa iniciativa é obter indemnizações estimadas em mais de 300 mil meticais por parte da Vale Moçambique.

De acordo ainda com Siveleque, devido à morosidade no processo de compensação, a população vive num mar de incertezas e receia que todas as pessoas envolvidas no processo não venham a receber o dinheiro a que têm direito. “Tentámos por várias vezes contactar os fiscais com o intuito de nos inteirarmos do pagamento prometido, mas eles dizem que tudo depende dos chefes. Eles forneceram- nos números de telefone, mas quando os contactamos não recebemos respostas satisfatórias”, lamentou.

Os cemitérios não escapam

Paralelamente à compensação pela perda dos terrenos das populações que se encontram ao longo da linha férrea do CDN, decorre o processo de destruição de alguns cemitérios e da exumação de corpos que jazem nos locais a que nos referimos. No âmbito das obras em curso na ferrovia do CDN, foi, igualmente, contratada a Agência Funerária Deus, sediada na cidade de Nampula, para que proceda à exumação de corpos nalguns cemitérios que se encontram ao longo da linha, seguindo os mesmos trâmites relativos a compensações.

O coordenador da funerária, identificado apenas por Izidine, confirmou ao @Verdade que uma equipa da sua empresa já se encontra desde o dia 31 de Maio, na vila sede de Monapo, onde os trabalhos de exumação de corpos irão decorrer. Mas o mesmo ainda não aconteceu devido à ausência duma empresa denominada Diagonal, subcontratada pela Vale Moçambique, no âmbito da fiscalização destas obras.

Izidine não especificou o número de cemitérios até aqui identificados, tendo apenas precisado que todos os que se encontram ao longo da área abrangida serão removidos. O gestor da Agência Funerária Deus assegurou que, durante a realização destes trabalhos, serão acautelados todos os rituais tradicionais. Para o efeito, já foi criada uma equipa multissectorial constituída por líderes comunitários, pessoal da Saúde, agentes da Polícia da República de Moçambique e funcionários da administração local.

“Já foi feito um mapeamento de todos os locais a serem abrangidos. A instrução que temos é a de levar as ossadas para depositá-las num outro lugar, nas mesmas condições encontradas, o que, eventualmente, pode levar a que se construam campas num espaço já com vedação, entre outras condições a serem acordadas com os familiares”, sublinhou. O nosso interlocutor distanciou-se do processo de compensação, tendo afirmado que a sua agência só foi contratada para a exumação de corpos e transferi-los para locais seguro.

“A culpa é dos chineses”

A China Railway Corporation Group, empresa chinesa contratada pela Vale Moçambique, no âmbito da reabilitação da linha férrea no Corredor de Nacala, deverá responsabilizar- se, o mais rápido possível, pelo pagamento das compensações aos camponeses da região de Muezia, em Nampula-Rapale, cujos campos de produção foram destruídos há cerca de duas semanas.

Em comunicado enviado à nossa Redacção, a Vale Moçambique refere que, em função da execução do projecto da linha férrea, algumas famílias, dentro da faixa de segurança da ferrovia, são indemnizadas no processo de compensação antes do início das obras. No caso específico de Muezia, foram afectadas áreas fora da faixa de segurança da linha pela empresa contratada pela Vale, prejudicando campos agrícolas da população.

O comunicado sublinha que, por se tratar de uma acção indevida, as populações proprietárias dessas zonas serão devidamente compensadas pela China Railway Corporation Group num breve espaço de tempo. Refira-se que as comunidades de Naculue e Manquilina contam com cerca de 900 habitantes que, directa ou indirectamente, estão abrangidas pelo projecto de reconstrução da linha férrea e poderão enfrentar uma crise de fome, na sequência da destruição dos produtos alimentares, parte dos quais em fase de colheita.

As obras não param

Apesar do litígio que faz com que a multinacional Vale e a população de Muezia estejam de costas voltadas, as obras de reabilitação da ferrovia a cargo da empresa China Railwaiy Corporation Grupo estão a ganhar forma no terreno, onde decorrem, também, actividades de desbravamento, terraplanagem, entre outras. Mais de 70 porcento do equipamento que será utilizado na empreitada já se encontram nos respectivos locais por onde vai passar a linha, com destaque para os dormentes e as vigas que estão a ser fabricados no país.

Paralelamente a estas acções, foi reactivado o funcionamento da pedreira de Cuamba que deverá fornecer pedras ao projecto, para além da conclusão de construção de centrais de betão. No território malawiano, as obras compreendem a construção de 138 quilómetros de linha e a reabilitação de outros 99 para ligar Moatize, em Tete, à região de Lagos, no Niassa.

A edificação da linha férrea para o escoamento do carvão mineral, ligando a zona mineira de Moatize a Nacala-a-Velha, compreende uma extensão de 912 quilómetros, e espera-se que entre em funcionamento em Setembro do ano em curso. A construção desta ferrovia deve- se ao facto de a de Sena, que liga Moatize ao porto da cidade da Beira, na província de Sofala, não conseguir responder à demanda de escoamento de minerais a partir de Tete.

Com a conclusão da linha de Nacala, espera-se a circulação de 20 comboios diários de transporte e escoamento de carvão de Moatize a Nacala-a-Velha. De acordo com as projecções, com a entrada em funcionamento da nova via- -férrea, a capacidade de escoação irá aumentar dos cerca de 11 milhões de toneladas anuais para cerca de 13 milhões em 2015.

A Vale, os Caminhos-de-Ferro de Moçambique (CFM), o Corredor de Desenvolvimento do Norte e outros accionistas concessionários desta importante infra-estrutura pretendem assegurar que haja uma capacidade de escoamento superior a 11 milhões de toneladas anuais até finais de 2015. Para o efeito, serão realizados investimentos para a expansão da linha de modo que se possa atingir 13 milhões de toneladas até 2015 e chegar-se a 18 milhões em 2017.

O porto de Nacala-a-Velha, actualmente em construção, terá capacidade para manusear 18 milhões de toneladas de carvão mineral anualmente e cerca de cinco mil toneladas de embarque por hora. Refira-se que a construção da linha férrea que liga Moatize a Nacala visa criar uma alternativa de escoamento do carvão mineral produzido na província de Tete que, presentemente, é feito através da ferrovia de Sena.

 

WhatsApp
Facebook
Twitter
LinkedIn
Telegram

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

error: Content is protected !!