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Sem saúde… estamos mal

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O MISAU diz que há medicamentos para dois meses, mas a realidade no terreno é indesmentível: faltam medicamentos básicos em todo o país. As farmácias privadas lucram como nunca enquanto, diante da incapacidade estatal ou de um eventual atraso na distribuição de fármacos, a saúde dos moçambicanos se desfaz como um baralho de cartas.

Não há dúvidas de que a indisponibilidade de utensílios adequados para pequenas cirurgias, no país real (modo de designar o Moçambique distante dos grandes centros urbanos), é mais do que uma realidade que coloca em risco a vida dos utentes dos postos e centros de saúde espalhados um pouco por todo o país.

E não há dúvidas de que o esforço de enfermeiros e outro pessoal de saúde teve e tem um efeito transformador na estatística de seres humanos que morrem de doenças curáveis. Uma pesquisa feita pelo Jornal @Verdade, à boca das farmácias, postos de saúde e hospitais de referência constatou o que todo o mundo diz, mas o MISAU não confirma e nem esclarece: o país enfrenta uma crise de medicamentos de primeira necessidade.

Durante duas semanas, a equipa do @Verdade colheu evidências sobre a falta de medicamentos em locais tão distantes como Cuamba e tão próximos como a farmácia do Hospital Central da Cidade de Maputo. Uma série de receitas esbarrou nos guichés das farmácias estatais. Até agora não há grandes soluções disponíveis – recentemente, os fármacos para combater a malária chegaram mesmo a esgotar em grandes zonas densamente povoadas de Moçambique –, o que reflecte a realidade largamente aceite de que “é possível morrer com uma receita na mão”. Falta cotrimoxazol, amoxicilina, metrodinazol em compridos e suspensão, ciprofloxacina, fluconazol, clavamox, docixicilina, cápsulas de amoxicilina e azitromicina. O que quer dizer, na verdade, que falta tudo.

Essa falta de medicamentos já fez mais do que abalar simplesmente a ideia segundo a qual os hospitais, centros e postos de saúde representam um porto seguro. Na província do Niassa o cenário é desolador. A ronda do @ Verdade pelas principais unidades sanitárias do distrito de Cuamba encontrou vários pacientes oriundos de outros pontos daquela extensa província que desesperados rumaram para aquele ponto à procura de medicamentos. Mário Yassine, de 36 anos de idade, conta que percorreu 80 quilómetros de Mandimba até Cuamba com uma receita na mão. Disseram-lhe, depois de constatar que a única farmácia do seu local de residência não tinha sequer paracetamol, que só poderia ter acesso aos medicamentos para dores de ouvido em Cuamba, capital económica de Niassa. Debalde.

Laura Ernesto, de 46 anos de idade, tronco curvado e ar de poucos amigos, não esconde a sua insatisfação. “Isso está mal”, diz indignada com a situação. Encontrámo-la no Hospital Rural de Cuamba sentada num banco e, não se fazendo de rogada, começou logo a desfiar o seu rosário. “Já ando nisso há duas semanas. É a minha rotina diária. Venho todos os dias à procura de medicamentos receitados aqui”, afirma enquanto aponta para o interior do recinto.

Sofre de dores frequentes na coluna e sabe que precisa dos medicamentos para as mitigar. A caligrafia não permite detectar o nome do fármaco, mas, diz, o mais frustrante é saber que não existe. O problema de Laura Ernesto é pequeno quando comparado com o de Esmeralda Jaime que sofre duma malária que não pode ser debelada. A rapariga, de 24 anos de idade, exibe a receita onde é possível ler quartem e paracetamol.

A resposta dos funcionários da farmácia, que devia ser gravada num disco, repete a velha canção: “não temos.” Curiosamente, a explicação para as mortes causadas pela malária, avançada pela directora do Programa Nacional de Controlo de Malária, Graça Matsinhe, aponta para a falta de pulverização como a responsável pela perca de vidas humanas.

Sabe-se, contudo, que a malária ceifou a vida de 2800 pessoas num período de um ano, o que significa uma subida de 10 porcento, se comparado com os números registados no ano de 2010/2011. Joaquim Chaúque é outro paciente que voltou com a receita na mão. Os medicamentos que procurava são mebendazol, fenoximetil e hibuprofeno. “As pessoas pernoitam aqui, mas não conseguem encontrar medicamentos. Estamos a morrer”, alerta Chaúque.

Quelimane

@Verdade visitou três unidades sanitárias na cidade de Quelimane e verificou que o problema é de proporções oceânicas. Os pacientes com diarreias, malária e/ou simples dor de cabeça passam maus bocados.

No posto de saúde de Coalane, na periferia da urbe, vários pacientes disseram à nossa equipa de reportagem que a situação de falta de fármacos parece não ter fim à vista. A prescrição de medicamentos para a malária não encontra resposta nas farmácias estatais. Rosa Sabonete, de 21 anos de idade, conta que depois de lhe ter sido detectado plasmódio, a bactéria que causa a malária, saiu de posto de saúde com uma receita onde constava quartem, mas, chegada à farmácia, só encontrou paracetamol.

O cenário repete-se no Posto de Saúde 17 de Setembro onde falta diclofinac, amoxiciclina, fenoximetil e amoxaciclina com ácido clavulánico. No Hospital Provincial de Quelimane, a unidade sanitária de referência daquele ponto do país, a situação é relativamente melhor, mas a falta de medicamentos é uma realidade gritante. Os pacientes recorrem, quando podem, às farmácias privadas onde é frequente deparar com filas enormes. Até 21 horas ainda é possível encontrar munícipes de Quelimane à procura de medicamentos. As autoridades sanitárias justificam a falta de fármacos alegando morosidade dos técnicos encarregues da gestão dos medicamentos e também por causa da demora verificada na requisição junto à Direcção Provincial do pelouro.

Nampula

A farmácia da maior unidade hospitalar da cidade de Nampula e a do Centro de Saúde 25 de Setembro, na mesma urbe, estão sem alguns medicamentos básicos, tais como paracetamol, quartem para adultos e complexo B. No Centro de Saúde 25 de Setembro, por sinal, uma das unidades sanitárias que recebe mais pacientes a nível da cidade, a situação, já demasiado recorrente, volta a preocupar os residentes da capital do norte, que inundam a farmácias privadas para obter os referidos fármacos.

“A falta de medicamentos vem acontecendo sistematicamente e sem qualquer explicação de quem de direito”, reclamam dois pacientes carenciados que foram aviar receitas na farmácia do hospital e saíram de lá de mãos a abanar. “Sempre falta tudo, desde antibióticos a materiais de suporte: ligaduras, adesivos, seringas, dentre outros”, acrescentaram.

Já na farmácia do Hospital Central de Nampula, a situação é similar à que se vive no Centro de Saúde 25 de Setembro: quando a reportagem do @Verdade se fez ao local não estavam disponíveis os fármacos acima citados. Mas aconselhava-se aos pacientes e acompanhantes a dirigirem-se às farmácias circunvizinhas para poderem comprar os medicamentos prescritos. Entretanto, o mesmo ambiente está a ser vivido pelos moradores dos bairros de Namicopo, Carrupeia e Namutequeliua que têm sido assistidos na sua maior parte pelo Centro de Saúde 1 de Maio.

Napipine ao deus-dará

O centro de saúde de Napipine, localizado no bairro com o mesmo nome, nos arredores da cidade de Nampula, depara-se com uma crise de medicamentos devido à ruptura do stock no armazém da farmácia daquela unidade sanitária. A situação ganhou contornos alarmantes no princípio deste mês. Só é possível encontrar paracetamol e cotrimoxazol.

Cifa Eciaca, de 42 anos de idade, que estava na companhia do seu filho na última quinta-feira de Outubro (29), disse que não conseguiu comprar os medicamentos que lhe foram prescritos pelo técnico de saúde. Sem condições financeiras para adquiri-los numa farmácia privada, aquela mãe viu-se obrigada a administrar ao seu rebento apenas os medicamentos a que teve acesso na farmácia pública.

Ancha Raúl, de 16 anos de idade e estudante da escola Secundária de Napipine, afirmou, sem revelar a doença de que padecia, que se sentiu mal e foi acompanhada pelos colegas ao referido centro de saúde. O atendimento foi igual ao que tiveram Cifa Eciaca e o seu filho, pois o médico havia prescrito paracetamol e cotrimoxazol mas não foi possível obtê-los.

Por seu turno, Angelina Valentim, directora do Centro de Saúde de Napipine, desmentiu o facto sustentando que aquele hospital nunca deparou com a situação de insuficiência de medicamentos. Acrescentou que na sua instituição tem sempre fármacos para o atendimento dos doentes de malária, diarreia, etc. Segundo disse a fonte, o Centro de Saúde de Napipine atende em média 150 pacientes pelo facto de não contar com um banco de socorros, o que faz com que encerre as suas portas às 15h30.

Posto de saúde abandonado

Numa visita de trabalho, o jornal @Verdade, no distrito de Báruè, encontrou um posto de saúde abandonado. Trata-se de uma unidade sanitária localizada no bairro Sabão, na Vila de Catandica, na província de Manica. Naquele posto, pelas 08 horas do dia 24 de Setembro do ano em curso, a nossa reportagem viu a porta principal e as janelas abertas e bancos vazios sem utentes. Também na sala de consultas havia apenas cadeiras e livros.

Felizmente, ao lado da porta principal, estava afixado um papel com os seguintes dizeres: “Horário de trabalho: das 7:30h até 15:30 N.B. Salvo em alguns casos de urgência fora de hora normal poderá contactar pelos números: 828440477 ou 864682006…”

Através desta informação conseguimos estabelecer contacto com Tomás Samo, responsável daquele posto de saúde, que nos informou que estava no Hospital Distrital à procura de medicamentos (4 quilómetros): “Estou aqui sempre na Vila à procura de medicamentos desde o mês passado, mas ainda não há despacho e a resposta é que a província ainda não enviou os medicamentos”, referiu.

Instado a pronunciar-se sobre o facto de o centro estar com as portas e janelas abertas sem a presença de um profissional de saúde, Samo explicou que tal acontecia para que os utentes esperassem até ao seu regresso. O director distrital dos Serviços de Saúde, Mulher e Acção Social em Báruè, (SDSMAS), Armando Castigo, disse em meados de Outubro que no distrito não há falta de medicamentos e que o atendimento é adequado.

A ginástica dos doentes

A falta de medicamentos nas farmácias estatais implica, para os pacientes, um hercúleo exercício económico. Os gastos são enormes para cidadãos, cuja renda deriva da actividade agrícola ou de pequenos negócios onde o lucro não tem data e nem hora para chegar. Os doentes que encontrámos no Hospital Rural de Cuamba são o rosto desse problema. É que, como em tudo na vida, a desgraça de uns pode significar a prosperidade de outros. Se nas grandes urbes a fragilidade do sistema estatal de saúde significa um ganho para o sector privado, no país real o sector informal é que esfrega as mãos de contentamento com o caos.

Márcia Madope, de 34 anos de idade, falou na primeira pessoa do seu dilema: “Eu comprei paracetamol e quartem, no mercado, por 300 meticais. Foi o que me receitaram”. Engana- -se, porém, quem julga que o caso de Márcia é o único. Nos dias que correm só é possível encontrar medicamentos no mercado negro. Uma ronda feita pela equipa do @Verdade constatou que os medicamentos que fazem falta ao Hospital Rural de Cuamba podem ser encontrados com facilidade em residências de particulares e no mercado local. Trata-se, na verdade, de um negócio que acontece com a complacência das autoridades.

O custo dos medicamentos, nas farmácias adjacentes aos postos de saúde e hospitais, é de cinco meticais. Não cabe, por isso, na cabeça de Madope que tenha de comprar comprimidos com o valor que arrecada na sua banca num mês. “Eu fico doente, normalmente, umas três vezes por ano. Nunca gastei, com excepção do transporte, mais de 30 meticais a comprar medicamentos”, refere.

Cotrimoxazol, amoxicilina, metrodinazol em compridos e suspensão, ciprofloxacina, fluconazol, clavamox, docixicilina, cápsulas de amoxicilina e azitromicina fazem parte da extensa lista de medicamentos que rareiam nas farmácias estatais. Até no Hospital Central de Maputo também se regista alguma escassez. O @Verdade posicionou-se à frente do banco de socorros e indagou, durante cinco dias, os pacientes que saíam com uma receita. Dos 99 inquiridos, apenas 13 encontraram os medicamentos que procuravam na farmácia local.

“Há medicamentos para dois meses”

@Verdade conversou com Paulo Nhaducue, director da Central de Medicamentos e Artigos Médicos, em relação ao problema de escassez de medicamentos nas unidades sanitárias um pouco por todo o país. O nosso entrevistado desdramatizou a situação e garantiu que “há medicamentos essenciais para dois meses”. A situação que se verifica resulta, provavelmente, “de algum atraso na distribuição”…

(@Verdade) – Alguns cidadãos têm estado a reportar ao @Verdade situações de crise de medicamentos ao longo do país. O que realmente está a acontecer?

(Paulo Nhaducue) – No que diz respeito aos medicamentos essenciais básicos não registámos nenhuma situação de falta. Pode ocorrer algum atraso, mas situações momentâneas. Há um esforço muito grande que está a ser feito para assegurar que tenhamos disponíveis medicamentos essenciais.

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(@V) – O que pode estar por trás desta escassez?

(PN) – É preciso perceber que o nosso sistema funciona de uma determinada forma. Nós respondemos pelos armazéns centrais, os quais distribuem aos depósitos provinciais e destes para os distritais. Esse processo pode levar algum tempo, como também é possível que possa ter ocorrido um atrasado na chegada. Não coloco de parte essa hipótese. Quando os medicamentos chegam ao armazém central nós somos flexíveis. A distribuição é feita por empresas subcontratadas. Pode haver algum atraso quando se fala de unidades sanitárias muito distantes dos depósitos provinciais.

(@V) – Alguns centros de saúde registaram falta de medicamentos na Zambézia. Um dos motivos elencados para o efeito foi o atraso na requisição. O que queríamos perceber é se temos realmente medicamentos…

(PN) – Temos dois sistemas de distribuição. Um incide sobre os kit’s de medicamentos essenciais que são destinados aos centros de saúde. É, na verdade, uma distribuição ao nível primário. Temos outra distribuição que carece de requisição, o que não acontece no que diz respeito aos kit’s. Fornecemos de acordo com as necessidades de cada centro de saúde. A outra distribuição é destinada aos hospitais, mas também complementa a que é feita nos centros de saúde. Nesta segundo meio de distribuição é necessária uma requisição trimestral. As requisições dão entrada no dia 15. Nós fazemos a preparação da distribuição e a partir do dia 25 até 30 deste mês nós fazemos a entrega.

(@V) – Quanto tempo leva esse processo?

(PN) – Esse processo pode durar um mês e meio no máximo. A requisição pode ter cerca de 300 itens por cada província. A preparação é feita por cada requisição.

(@V) – Houve falta de antirretrovirais durante quatro dias em Nampula?

(PN) – Isso é um pouco estranho porque os depósitos provinciais têm stock para três meses. Normalmente tem de ter medicamentos para um trimestre. Quando fornecemos estamos a assegurar fármacos suficientes para esse intervalo de tempo. Portanto, é muito estranho.

(@V) – Como é que explica essa situação de escassez? Se os depósitos servem para três meses como é que as pessoas recorrem ao sector privado e ao mercado negro?

(PN) – Isso pode ser um facto. Há procedimentos de gestão de medicamentos. No ano passado nós treinámos mais de 2000 funcionários de saúde em gestão e controlo de medicamentos. Esperamos que as pessoas estejam a seguir os procedimentos. Este ano iniciámos uma série de auditorias que consiste na verificação dos registos. Essa é a nossa obrigação: controlar se aquilo que recebem chega aos pacientes. É esse o controlo que fazemos. Mas existe a Inspecção Geral de Saúde que fiscaliza as farmácias das unidades sanitárias e os depósitos. O nosso trabalho de auditoria é mais educativo, mas a inspecção penaliza.

(@V) – O que está a ocorrer, nas duas últimas semanas, é que há escassez de medicamentos em alguns postos de saúde ao longo do país e até na cidade de Quelimane. O que pode estar por detrás desta situação atendendo e considerando que existem medicamentos em “stock”?

(PN) – Nós estabelecemos critérios de controlo. A nossa responsabilidade é assegurar que na unidade sanitária exista um controlo interno. Pensamos que fora das unidades sanitárias deve haver apoio de outras áreas. Nós como Ministério da Saúde a nossa responsabilidade é fiscalizar dentro da nossa área de intervenção e assegurar mecanismos de controlo. É claro que se trata de um processo para o qual é necessário apelar para as consciências das pessoas e apertar na fiscalização. Em algum momento esse nosso sistema de controlo pode romper. O medicamento passa por vários sítios nos quais há controlo, mas é um canal muito grande.

(@V) – É facto que o país dispõe de medicamentos?

(PN) – Tem medicamentos essenciais. Essas situações esporádicas podem resultar de algum atraso na distribuição, principalmente dos depósitos provinciais para as unidades sanitárias.

(@V) – Há algum tempo o ministro da Saúde assumiu que estávamos a enfrentar alguma crise no que diz respeito aos medicamentos. Essa crise está ultrapassada?

(PN) – Se ele assumiu foi porque tinham faltado os kit’s. Houve um atraso na chegada dos kit’s. Esses medicamentos destinam- -se aos centros de saúde, que representam o nível primária no que diz respeito a assistência médica. A maior parte da população é atendida neste nível. 85 porcento da população que entra nas unidades sanitárias e que é atendida nas unidades sanitárias vai para este nível.

(@V) – Neste momento temos os medicamentos essenciais?

(PN) – Temos.

(@V) – Para quanto tempo?

(PN) – O que temos em stock dá para dois meses enquanto outros estão em processo de importação.

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