Rosa António vive com os seus dois filhos menores numa casa com paredes de adobe e coberta por capim no bairro de Namicopo, na periferia da capital Norte de Moçambique, com a chuva que tem caído receia juntar-se às mais de sete mil pessoas afectadas na província de Nampula. A jovem ainda chora a morte recente do seu irmão, “numa noite começou a vomitar e tinha muita diarreia, como não tenho condições pedi ajuda dos vizinhos para leva-lo ao hospital mas não conseguimos transporte e acabou por perder a vida aqui em casa”. Desde o início do ano foram registados mais de dois mil doentes com diarreias agudas e existem seis casos suspeitos de cólera. Não é por falta de conhecimento, e vontade, que Rosa não cuida melhor da sua higiene pessoal, e a dos seus filhos, é por falta de acesso à acesso água canalizada e a uma latrina melhorada ou quiçá uma retrete.
Na província mais populosa do nosso país apenas 14%, dos cerca de cinco milhões de habitantes, tem acesso à água canalizada, a mesma percentagem de cidadãos com acesso desde 2009. Rosa faz parte dos mais de 60% que consomem água de fontes não seguras, todos os dias tem que caminhar alguns quilómetros para tirar água em alguns poços existentes nas proximidades contudo, quando o dinheiro escasseia, a solução é ir buscar água ao rio Namicopo.
Algum tempo antes do falecimento do seu irmão, um dos filhos menores de Rosa foi hospitalizado também com diarreia aguda. Felizmente recebeu cuidados médicos e está bem de saúde. “No hospital fui aconselhada a consumir água tratada com cloro ou certeza, tenho tentado cumprir porque não gostaria que o mal tornasse a acontecer”, porém nem sempre tem meios financeiros para isso pois sobrevive a vender produtos no mercado local.
Drama idêntico é vivido por Mauro Ernesto, esposa e os seus seis filhos, que também não têm acesso a água canalizada na sua casa de construção precária, no bairro de Natikiri, e nem encontram próximo nenhuma fonte segura de água potável. Todos os dias a dona de casa tem de caminhar mais de dois quilómetros para comprar o precioso líquido através de esquemas com guardas de algumas residência privilegiadas no bairro de expansão.
“Eu e os meus filhos tivemos diarreias agudas e por pouco perdíamos a vida”
Um bidão de 20 litros custa cinco meticais, quando o bolso permite compra até cinco bidões. “Quando não disponho de dinheiro fervemos a água que tiramos dos riachos e tratamos com certeza que recebemos gratuitamente através dos técnicos e activistas de saúde”, explica Mauro que também sobrevive como vendedor informal no mercado grossista de Waresta.
Há duas semanas o jovem pai chefe de família, assim como três dos seus petizes, estiveram internados no centro de tratamento de doenças diarreicas. “Eu e os meus filhos tivemos diarreias agudas e por pouco perdíamos a vida” desabafa o jovem que desconfia que a qualidade da água que consomem é que originou a doença.
Só nas primeiras duas semanas de 2016 as autoridades sanitárias tinham registado 2.024 casos de diarreias agudas, a maioria dos pacientes eram crianças e apenas 554 adultos. Munira Abubacar, a directora provincial de saúde, afirmou esta semana que já existem seis casos suspeitos de cólera, porém aguardam-se resultados dos testes que estão a ser feitos na capital do país.
Rosa António e Mauro Ernesto podem até ser chamados de empreendedores mas na realidade não passam de trabalhadores informais, uma maioria nas zonas urbanas da província de Nampula, e de Moçambique, que só é ultrapassada pelos 67,9% de moçambicanos que trabalha na agricultura, silvicultura e pesca. De acordo com o Inquérito sobre o Orçamento Familiar(IOF) de 2014/2015, realizado pelo Instituto Nacional de Estatística(INE), só cerca de 12% dos nampulenses têm um emprego formal e digno e a média dos rendimentos é de apenas 4.123 meticais por mês, a segunda mais baixa de Moçambique.
Com poucos rendimentos 65,2% dos cidadãos em Nampula continuam a construir as suas casas com parede de adobe e cobertas por capim e assim que as chuva vem com algum intensidade lava as paredes e as casas ficam danificados ou mesmo destruídas. Informação do início desta semana, fornecida pelo Centro Nacional Operativo de Emergência (CENOE), indica que embora ainda estejamos numa situação normal da época chuvosa, sem cheias, existiam 820 casas parcialmente destruídas e 630 totalmente danificadas, o que deixou ao relento 7.095 pessoas.
É dramático notar no IOF que em 2008/2009 somente 5% dos nampulenses tinham a habitações convencionais, com paredes de blocos, e cinco anos depois somente mais 4% melhoraram as suas casas, continuando os restantes vulneráveis às calamidades naturais que todos anos fustigam a província.
FIPAG engana os nampulenses
Contudo o drama do acesso à água potável na cidade de Nampula não se circunscreve aos bairros periféricos mais pobres. A zona urbana, onde residem os mais de meio milhão de habitantes da chamada capital Norte de Moçambique, só tem 29 mil ligações domésticas de água canalizada.
Há duas semanas o Fundo de Investimento e Patrocínio de Abastecimento de Água (FIPAG), que gere o sistema de abastecimento de água da cidade, divulgou que os níveis do precioso líquido na fonte, a albufeira do rio Monapo, e por isso a distribuição seria alargada para 20 horas por dia.
Entretanto o @Verdade constatou que a água não estava a jorrar nos bairros de Mutauanha, Muhala Expansão, Murrapaniua e Natikiri. Em alguns destes bairros existem clientes do FIPAG que não recebem água canalizada há mais de três meses.
“Assisti numa das televisões a notícia que dava conta de que já havia água. Perguntei para a minha esposa e ela disse que ainda não estava a sair. Apercebi-me que o FIPAG em Nampula, com aquela publicidade, tratou de prestar conta aos seus superiores sem saber que estava a entreter-nos”, afirmou Jorgito Momade, residente no bairro da Muhala Expansão, que há mais de três meses não recebe água potável canalizada na sua residência.
O @Verdade procurou o FIPAG para apurar as razões da contínua falta de água mas o delegado regional, Elídio Cossa, mostrou-se indisponível.
Sem água milhares de citadinos de Nampula acabam por recorrer a poços artesanais não protegidos, e mesmo aos riachos próximos, para se abastecerem de água imprópria para o consumo humano. Não é por mera coincidência que as autoridades sanitárias apontam estes bairros, que sofrem com a falta do precioso líquido, como os locais de residência da maioria dos doentes de diarreias agudas, nas últimas 24 horas deram entrada 25 novos doentes.
* com Recolha de Júlio Paulino/ Leonardo Gasolina