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SELO: Sobre o acordo entre o Governo de Moçambique e os detentores do Título EMATUM – Por Roberto Tibana

Em suma, é difícil perceber o que o governo pretende com este acordo. Falta uma estratégia global a solução do problema da dívida moçambicana. Estamos ainda no “daqui não saio, daqui ninguém me tira”, e de vez em quando a “fazer de conta”. Não há coragem para “agarrar a besta pelos chifres.”

1. Antes de se ajuizar se este é um acordo vantajoso para as partes, e em que medida, há que ter em conta pelo menos três aspetos preliminares.

• Primeiro, que o acordo de que se fala hoje diz respeito somente ao título EMATUM, deixando-se em aberto ainda as dívidas da MAM e da ProIndicus. Isto se nos situarmos somente aquelas que começaram por ser dívidas ocultas e ilegais. Porém a insustentabilidade da dívida moçambicana, que é o problema principal que tem que ser resolvido, não é causada somente pela dívida consubstanciada no título EMATUM., nem tão-somente pelas dívidas originalmente ilegais e secretas. Toda a dívida (incluindo a interna) deve ser considerada. Sem isso o exercício em curso é de pouca significância e na realidade constitui um dreno de recursos públicos sem eficácia (recorde-se que isto tudo é feito com assistência de conselheiros legais e financeiros eu custam muito dinheiro ao contribuinte nacional).

• Segundo, que este é um acordo de princípios atingido com os detentores de 60% do título EMATUM, contra os 75% necessários. Portanto, do lado dos credores ainda falta obter a concordância dos detentores de pelo menos mais 15% do valor desse título.

• Terceiro, da parte moçambicano ainda falta obter todas as autorizações necessárias de outras instâncias do poder como a Assembleia da República, e outras entidades do executivo e judiciário como a Procuradoria-Geral da República e o Tribunal Administrativo. Note-se no entanto que o Comunicado do MEF diz que o primeiro pagamento de juros do título, se o acordo vier a ganhar efetividade, deverá acontecer em Março de 2019. Para isso, é necessário que as devidas autorizações internas sejam efetuadas, os cálculos todos sejam finalizados e os valores respetivos incorporados no OGE 2019 que deverá ser aprovado até 31 de Dezembro de 2018. Portanto, os credores e o governo estão a correr contra o tempo nisto. Sendo assim, parece que o anúncio feito agora visa também pressionar tanto a parte em falta para completar o “quórum” de credores, bem como as entidades moçambicanas que devem dar as autorizações necessárias para que o acordo ganhe efetividade. Eu espero que a Assembleia da República ao ser chamada a discutir isto não ceda a este método de “torcer o braço”, e que se debruce sobre o assunto com a exaustão necessária. E se isso vier a acontecer, haverá muito que questionar se realmente vale a pena passar este acordo.

2. O acordo é certamente muito bom para os credores detentores do título EMATUM:

• Primeiro, porque a efetivar-se vai reafirmar o compromisso do governo de Moçambique com essa dívida.

• Segundo, ao começar a pagar os juros (em Março de 2019), o governo Moçambicano iria insuflar vida a um instrumento presentemente moribundo, fortalecendo assim os balanços dos detentores desse ativo.

• Terceiro, e isto é talvez o mais importante de todos os ganhos dos credores: vai amarrar o instrumento às receitas de gás e petróleo, realizando-se assim o objectivo fundamental de desde o início que foi a extorsão especulativa dos rendimentos dos recursos naturais do país pelo capital financeiro internacional. Nesta perspectiva, a afirmação de que as obrigações que substituirão o título EMATUM são “não garantidas” pelo Estado moçambicano é um eufemismo pois de acordo com o comunicado do MEF o acordo reza que os instrumentos de valorização dos tais títulos (VRIs) ficarão associados às receitas fiscais dos projetos de gás da Área 1 e Área 4 em Moçambique. Ora na implementação prática isto ira requerer o estabelecimento de algum tipo de ‘Veículo Especial para o Propósito’ (Special Purpose Vehicle – SPV, do qual não se fala no comunicado mas que será necessário), que servirá para capturar as ditas receitas diretamente dos exportadores e canalizá-las aos credores. Ora esta é uma garantia efetiva mais valiosa do que uma simples assinatura num papel que o Estado possa depois renegar, como o governo de Moçambique já mostrou ser capaz de fazer. Com efeito, a única maneira de não honrar este acordo, caso se venha consumar, seria deixar de exportar o gás e o petróleo, o que obviamente não será possível pois a operação está nas mãos das multinacionais. Assim, tal como o dinheiro mobilizado por estas dívidas que saiu dos banco originadores para o suposto fornecedor de bens e serviços no estrangeiro, o dinheiro do gás e petróleo que irá pagá-las nunca chegará a entrar nas contas do governo de Moçambique (mesmo aquelas domiciliadas no estrangeiro). Ele irá diretamente das contas das multinacionais de petróleo e gás para as contas dos credores via um SPV que terá que ser estabelecido.

• Quarto, os detentores do Título EMATUM conseguem que o governo Moçambicano lhes conceda um tratamento diferenciado e privilegiado relativamente aos detentores das notas de dívida da MAM e Proindicus. A par com a associação do serviço das dívidas as receitas do gás e petróleo, esta é uma das exigências que os credores detentores do título EMATUM sempre mantiveram desde que foram reveladas as dívidas contraídas através daquelas outras duas empresas. Neste sentido este acordo de princípios aparentemente resolve um diferendo com um grupo de credores ao mesmo tempo que potencialmente abre ou aprofunda o diferendo com os credores detentores das dívidas da MAM e Proindicus. Este procedimento discriminatório vai contra um dos princípios básicos de resolução de dívida, nomeadamente o princípio de tratamento igual e justo de todos os credores

• Finalmente, e não menos importante, os detentores do título EMATUM conseguem tudo isto sem que haja responsabilização criminal dos moçambicanos que criaram as dívidas ocultas e ilegais. Aqui vale sublinhar que nunca se deve perder de vista que independentemente das metamorfose ou “lavagens” legalistas que tenha sofrido, a dívida da EMATUM em Moçambique foi também originalmente ilegal e oculta, e que o valor dos USD $500 milhões da divida ilegal e oculta cujo destino ainda tem que ser esclarecido é associado a esta divida da EMATUM. A não responsabilização criminar dos moçambicanos envolvidos é assim também uma vitória para os credores, pois a acontecer poria em causa também a legitimidade dos seus benefícios em virtude de terem comprador uma dívida que tinham a obrigação de com um mínimo de investigação (“due diligence) saberem ser ilegal.

3. O acordo não apresenta vantagens evidentes para Moçambique:

• Primeiro, uma parte das (magras) receitas do Estado que se esperam da exploração dos recursos naturais do país vai ser destinada o pagamento de a uma dívida que não trouxe benefícios absolutamente nenhuns ao país, antes pelo contrário. Sabe-se que a EMATUM não rende nada, e é um dreno de recursos públicos, por muita massagem que se faça as suas contas. E o país perdeu assistência internacional que levou a uma crise financeira e económica.

• Segundo, o reinício do serviço desta dívida em 2019 vai aumentar a pressão ao orçamento numa fase em que o país tem uma capacidade fiscal reduzida precisamente em resultado da crise provocada pela contratação ilegal e secreta dessas dívidas. Em 2019 essa pressão vai se acrescentar aquela que o país vai sofrer com os custos da descentralização, da implementação dos acordos de paz, e as despesas extraordinárias das eleições gerais. Em suma, 2019 é um ano difícil para se arcar com os custos de uma resolução duvidosa de dívidas duvidosas cujo impacto na sustentabilidade da divida é também duvidoso. O que vai muito certamente acontecer é que o endividamento interno vai continuar a aumentar para facilitar o serviço dessa dívida externa. Seria necessário uma recuperação estupenda do crescimento da economia para que a base tributária e a administração dos impostos internos pudessem responder a tamanha pressão. Um continuado aumento do endividamento interno vai resultar no agravamento das taxas de juros resultando em maiores pressões financeiras sobre o sector privado interno. Uma incapacidade dos sectores privados e público de gerar poupanças vai pressionar a conta corrente com exterior (excluindo os megaprojetos)

• Terceiro, o impacto da resolução desta dívida na sustentabilidade da dívida pública total do Estado Moçambicano é muito insignificante financeiramente, e sem outras medidas complementares nos próximos 10 anos Moçambique continuará com um rácio de dívida sobre o PIB de mais de 100%, claramente insustentável.

4. Na área fiscal o que o país precisa de fazer no curto e médio são duas coisas, de preferência simultaneamente:

• Uma, estancar as necessidades de financiamento do governo. Isso requer ter um OGE que gere um saldo primário positivo. Isto significa operar a um nível despesas que possa ser coberto pelas receitas regulares, e ainda deixar algum valor para fazer face a pelo menos uma parte do serviço da dívida. E isto deve ser feito a um ritmo muito mais acelerado do que o governo pensa. Isto é o que daria sinal convincente do engajamento das autoridades na solução do seu problema financeiro, interna e externamente.

• Outra, o governo precisa de dar um esclarecimento cabal de como foram utilizados os dinheiros mobilizados pelas dívidas secretas e ilegais da EMATUM, MAM e ProIndicus. Sem fazer estas duas coisas, não vejo como se possa chegar a ter um programa com o FMI de modo a abrir caminho para a restauração da confiança com credores actuais e potenciais investidores.

Por Roberto Tibana

Analítica-RJT

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