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SELO: Estado da Nação: quem governa deve saber o que se deseja ou se tem de alcançar * – Por Ricardo Santos

Quem quiser almejar uma posição de liderança duradoura deve-se abster de comandar directamente os seus peões. O que parece fácil gerir numa taberna ou quiosque de esquina, torna-se um pesadelo numa grande organização como o Estado. Por isso, quem governa deve saber o que se deseja ou se tem de alcançar. E como vai ser feito. E deve também, clarificar os objectivos macro e micro a alcançar. Para que o mais baixo escalão dos executantes esteja sintonizado mental e emocionalmente com os objectivos e elementos básicos do plano e da política do líder. E isto, não se limita a um memorando de intenções dirigido às suas bases partidárias.

Aqui está a primeira questão do Estado da Nação, mas que ficou sem resposta do PR.

Em segundo lugar, um Estado deve mostrar que possui cultura suficiente para adoptar os valores da mudança ou quaisquer outros que relevam a acção do seu líder, para que assim se estimule os executantes a atingirem os seus ideais e objectivos. Para esta segunda questão, no discurso do PR, houve uma semi- -resposta. Que é a seguinte:

Existe um ideal de excelência. Mas o Estado ainda é bastante inculto para reconhecê-lo como necessário, e porque não dizer, decisivo para a sua própria existência.

Consequentemente, estes dois grandes desafios tem sido tratados pessoalmente pelo líder, quando se esperaria o inverso, mas cujo o sucesso ou insucesso; alcance ou limitação, dependem unicamente da arte de se envolver o staff directo do líder na sua materialização.

E aqui se respondeu implicitamente a terceira questão, ao se constatar que o líder ainda não afinou o motor do seu autocarro, como desejaria, mas que, pelo menos, dá para ir à casa da sogra todos os fins de semana, cumprir um velho ritual. Prometendo contudo, caso as peças essenciais arribem na oficina, a felicidade será para todos.

Mas esta é, e sempre foi, uma responsabilidade decisiva e exclusiva de qualquer líder. Para quem, a coragem da decisão, é tudo o que dele se espera nos momentos capitais.

A quarta questão relembrada pelo Estado da Nação é a que o marketing político, mesmo sem pão para se comer em casa, nunca é de se descurar. Ao invés de se falar sempre em “problemas” Deve-se apostar antes em mimetizá-los de “desafios”.

Imaginemos a hipotética situação. A direcção das «surucucus comuns» tem problemas com as suas viaturas. 70 por cento delas estão parqueadas há meses. E o problema com a direcção das «hienas penteadas » é não conseguir baixar taxa de 5 por cento de absentismo laboral. Num Estado da Nação em marketing isto seria transformado certamente no seguinte:

“Temos enfrentado alguns desafios. O primeiro é garantir que o nosso parque de viaturas tenha uma disponibilidade de quase 80 por cento. E que o absentismo laboral caia para abaixo dos 1 por cento e se mantenha lá.”

Como se pode ver, isto não diverge do muito que se tem ouvido no salão nobre da AR.

Porque afinal, liderar em paz, não é o mesmo que liderar em guerra. Em guerra personaliza – se tudo num inimigo comum para se justificar qualquer fracasso. Para se simplificar a gestão das consequências.

Mas em paz, tende-se a colectivizar o fracasso, para melhor se distribuir a culpa pelos vivos. E pelos mortos. Contudo, há momentos em que o Estado da Nação deveria ser a sua mensagem de esperança, sobretudo, quando se está mergulhado numa crise sócio-económica, cuja origem e dimensão muito se desconhecem.

Em suma, quando o PR nos transmitiu intermitentemente a expressão «desafiante e encorajador» foi para nos sinalizar que a sua governação teve novamente um honroso “suficiente mais”, mas que espera, um dia, subir para “bom” e se manter por lá.

Mas para isso, ele próprio, terá de nos clarificar como é que nos pretende convencer a entrar no seu autocarro e chegar até lá.

E daqui se problematiza a última e mais importante questão, que se aplica ao caso de Angola hoje. Mas também ao de Moçambique, daí as inevitáveis comparações, nem que seja por proximidade ideológica dos seus governos.

Há coisa de um lustro, foi publicado um estudo sobre grandes fortunas em África, onde se ficou a saber que Angola, na onda dos 100 usd/barril de crude, já inscrevia mais de 3 mil almas na lista de milionários do continente. O estudo assumia como “milionário” todo o indivíduo que dispusesse no mínimo 1 milhão de dólares de rendimentos devidamente contabilizados. No mesmo estudo Moçambique entrava no top 10 africano, com cerca de 700 milionários. Verdade ou mentira, ninguém rebateu aquelas estatísticas. O que nos leva presumir que se tratava de algo concreto. Algo mensurável pelo regulador financeiro de qualquer país.

É da mesma época também, o discurso doméstico da «moçambicanidade de gema». Onde cidadãos que muito deram – e ainda dão – a este país, foram retirados, em muitos outros Estados da Nação, da lista de compatriotas resolutos e engajados na causa. Esta discussão aliás, não é nova, nem confinada ao contexto moçambicano. Ela acompanha a génese do nacionalismo africano. E, por certo, perdurará, enquanto o analfabetismo político tiver lugar de honra nas mesas do líderes.

Em Angola hoje, “estamos a falar de mais ou menos 30 mil milhões de dólares, de acordo com os dados da balança de pagamentos que são compilados pelo banco nacional”, nas mãos de angolanos ou seus associados estrangeiros, nos quais certamente pontificam os três milhares ou mais de milionários de há 5 anos. Angolanos, a quem se apela ao patriotismo de repatriarem depósitos em bancos comerciais e instituições financeiras junto dos seus correspondentes e não necessariamente valores de cidadãos, mas valores que os bancos comerciais detêm no exterior.

Patriotas angolanos, a quem também se apela que retornem em forma de investimentos para levantar a sua economia, depósitos de entidades não financeiras, onde estão incluídas, o Tesouro, que detém conta para financiamentos, o Fundo Soberano de Angola, que não capta depósitos, empresas públicas e alguns particulares.

A alternativa mais fácil a isto, seria despachar uma embaixada itinerante de engravatados «angolanos de gema» pelo mundo, para que, com a sua coluna espinal flexível, pedissem mais empréstimos a troco de juros e compromissos hipotecáveis por séculos. Ou então, camuflar a dimensão do buraco negro financeiro e fiscal num mal-amanhado esquema Ponzi doméstico, a by-pass com a mesma especulação financeira internacional. Mas não é isso o que está a acontecer em Luanda.

Razão para se perguntar se as sete centenas de milionários moçambicanos serão tão «patriotas de gema» como os angolanos. Ou até…se os que ainda se assumem como «patriotas de gema» moçambicanos estariam dispostos a aplicar o seu próprio dinheirito cá dentro.

Por Ricardo Santos

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