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SELO: Dos constantes cortes de energia pela EDM à oportuna réplica da experiência do Senegal, por Francelino Zeúte

Em Janeiro de 2011, no Senegal, um grupo de cidadãos constituiu um movimento que chamou Y’en a Marre (trad – BASTA). Este movimento é fruto, dentre várias questões, de frustrações dos jovens relativamente às altas taxas de desemprego e subemprego e à ausência de perspectivas de futuro entre outras questões candentes. Contudo, apesar, infelizmente, das questões acima arroladas serem também uma realidade em Moçambique, estas não são a razão do texto. O movimento constituído no Senegal, – Y’en a Marre, não ganhou notoriedade devido às razões acima enumeradas, ganhou, sim, pelos protestos realizados em função dos constantes cortes de energia que paralisavam a cidade capital, Dacar, e outras regiões do país.

Entretanto, apesar de um ano mais tarde este mesmo movimento ter mobilizado e liderado a juventude que fez coro e engrossou as manifestações no contexto da corrida às presidenciais de 2012, que ditaram a queda do Governo de Abdoulaye Wade, isso, depois de este ter ensaiado a revisão da Constituição para se manter no poder, para um terceiro mandato, o movimento sempre declarou e assume-se como não político, ma sim um guardião da democracia, que defende o respeito pelas instituições e pelos direitos civis.

Em Moçambique, vivemos hoje uma experiência literalmente semelhante à vivenciada pelos senegaleses, pois, nos últimos anos, de sul a norte, dentre várias questões críticas que dão lugar à insatisfação e consequente baixa qualidade de vida dos moçambicanos, está sem dúvida no pico das estatísticas o péssimo serviço prestado pela EDM no que respeita ao fornecimento de energia, que já se tornou hino de todos e, sem justificação possível, porque de acordo com o relatório do CIP – Centro de Integridade Pública – edição nº 339, com o título – Electricidade de Moçambique (EDM): mau serviço, não transparente e politizada”, a HCB – Hidroelétrica de Cahora Bassa é a segunda maior barragem do continente africano e uma das 10 maiores do mundo e o país é o segundo maior produtor de energia na região austral, estando apenas depois da África do Sul. Não é preciso ter um canudo para interpretar estes dados, devia traduzir-se num fornecimento de energia de qualidade para as famílias moçambicanas, e, quiçá, com tarifas mais acessíveis para as famílias de baixa renda, mas paradoxalmente, para a vergonha e espanto de tudo e todos, encontramo-nos entre os piores da região no acesso a este recurso indispensável ao desenvolvimento. Neste, o CIP partilha com os leitores um documento original relativo ao plano de cortes no fornecimento de energia para a região norte do país. Não se constrói futuro coisíssima nenhuma com os actuais moldes de gestão e fornecimento de energia eléctrica.

Cahora Bassa é nossa ou deles? Deles que tiram avultados benefícios desta situação, porque se efectivamente é nossa, dos moçambicanos, como disse Guebuza em 2007, que argumento lógico, coerente e despido de qualquer fanatismo pode justificar este fornecimento de energia aos púcaros? Só mesmo quem tem consciência de que a autorização para a entrada no mercado nacional de operadores privados na área do fornecimento de energia signifique automaticamente falência da EDM, pode insistir com a malvada e selvática decisão de manter esta entidade sem concorrência neste país.

Como moçambicanos, temos que ter a capacidade de aprender com os erros dos outros, não nos faltam exemplos pelo continente e mundo a fora, porque se esperamos apenas aprender dos nossos, pode ser tarde e catastrófico. O grau de insatisfação das populações relativamente ao mau fornecimento de energia pela EDM atingiu nos últimos tempos um nível que mais ou menos tempo nem as forças policiais estarão à altura de parar a fúria das populações. Quem provoca merda tem que aguentar com o cheiro.

No Senegal ainda, o movimento Y’en a Marre iniciou uma interessante campanha de consciencialização pública para criar o que designa por “o novo tipo de senegalês”, que se recusa a entrar num autocarro superlotado, que não atira lixo para o chão, que não corrompe os agentes policiais, (e) que tem consciência dos seus direitos e deveres.

Em Moçambique, devido à gestão danosa, ausência e inoperância da EDM, assistimos recentemente pela televisão a uma reportagem que dava conta da morte por descarga eléctrica de um jovem na província de Nampula por ter estado a tentar reestabelecer o fornecimento de energia, isso depois de mais um corte de energia dos vários que acontecem ao dia. Este macabro incidente não teria tido lugar se os cortes de energia não fossem constantes ou se a EDM respondesse atempadamente ao chamado das populações para a resolução deste tipo de problemas. Ademais, não nos podemos esquecer que num passado menos recente, esta mesma EDM brindou os cidadãos das províncias de Manica e Sofala com um apagão durante mais de duas semanas, e como terminou o caso? Alguém assumiu as responsabilidades? As populações afectadas foram ressarcidas pelos avultados danos acumulados? Foram-nos explicadas as razões de o mesmo ter acontecido? Definitivamente, são razões mais do que suficientes para não continuarmos a aceitar este racionamento sistemático (…) no fornecimento de energia.

Em Maputo, num espaço de uma semana já se verificaram dois cortes de energia, sendo que o último acontece um dia depois da realização da reunião de alto nível entre o Presidente da República e antigos e actuais gestores públicos do sector da energia onde o pano de fundo foi a necessidade de garantir energia para o consumo e para exploração como também a gestão transparente e sustentável deste recurso.

Na deixa do movimento Y’en a Marre, de criar um novo tipo de senegalês, nós cá devemos também criar, não descurando da genial ideia de criar um novo tipo de moçambicano, criar o “novo tipo de instituições”, que não pautem por um modus operandi semelhante ao da EDM, instituições preocupadas, comprometidas e que cumprem com as suas obrigações, que assumem as responsabilidades dos problemas que advierem da sua inoperância e ou da falta de capacidade de resposta.

A referência à juventude senegalesa não é fruto do acaso, esta é detentora de uma longa história de activismo contra o establishment, em 1989, os jovens senegaleses começaram uma campanha de limpeza nos arredores de Dacar e nos subúrbios, que ficou conhecida como Set-Setal – (Limpar de novo). Mudaram drasticamente a imagem da capital. Na preparação para as eleições de Fevereiro de 2012, o movimento Y’en a Marre lançou em 2011 uma campanha nacional a que chamou Daas Fanaanal (protege-te a ti próprio), com o objectivo de encorajar os jovens a exercerem livremente o seu direito de voto. Criaram um slogan para a juventude. Ma Carte d’Electeur, Mon Arme (o meu cartão de eleitor é a minha arma), uma declaração que constituiu uma mudança radical na tradição senegalesa de Ndigel, através da qual os líderes religiosos muçulmanos (marabouts) influenciavam o voto dos seus seguidores. Uma tradição que o movimento combateu com veemência. Estas acções do movimento confirmaram que a juventude senegalesa tem confiança na sua força e no poder do voto eleitoral, pois nas eleições de Fevereiro de 2012, não foram meros espectadores, foram às urnas e votaram em massa forçando Abdoulaye Wade a deixar o poder elegendo Macky Sal para Presidente da República.

Portanto, se a 30 de Outubro de 2013 fomos no país inteiro capazes de sair à rua de forma organizada e cívica manifestar contra o crime organizado – os raptos em particular, temos que ter a mesma energia e cometimento de abandonar imediatamente as lamúrias no sofá (…) e sair à rua para dizer a quem de direito que a situação atingiu níveis inadmissíveis, que não vamos tolerar mais estes cortes sistemáticos de energia.

Moçambique é um país do futuro, apregoam os discursos do dia essa grande mentira, é preciso com urgência abandonarmos essa ideia maquiavélica e barata que visa distrair-nos e afastar-nos cada vez mais do foco ancorando-nos na vã expectativa de que o futuro será melhor que o presente, não somos nem seremos país do futuro coisa nenhuma, se as pessoas que têm por responsabilidade gerir os bens públicos continuarem a fazê-lo como o têm até então, não seremos país do futuro patavina se não formos capazes de ser um país do presente, um país onde as coisas são feitas com rigor e responsabilidade. De outra forma, torna-se urgente e oportuno replicar a experiência do Senegal.

Por Francelino Zeúte

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