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SELO: Denúncia da parceria entre WWF e Prosavana *

Há mais de 3 anos que movimentos sociais, famílias camponesas, organizações da sociedade civil, organizações religiosas, académicos e pessoas de bem, articulados na Campanha Não ao Prosavana, resistem ao avanço da implementação do Prosavana no Corredor de Nacala. Trata-se de um programa que resulta de uma parceria triangular entre os governos de Moçambique, Brasil e Japão, que visa o desenvolvimento do agronegócio no Corredor de Nacala cujos impactos são negativos para a agricultura camponesa, ambiente e violação de direitos humanos.

A articulação entre a sociedade civil moçambicana, brasileira e japonesa, entre outros, forçou o adiamento da componente II do ProSavana (Plano Director), bem como a realização de auscultações públicas às comunidades abrangidas pelo ProSavana entre os meses de Abril e Junho de 2015, No entanto, tais auscultações foram marcadas por atropelo à legislação nacional e internacional, incluindo a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que defende o direito à consulta livre, prévia e informada.

Nós, organizações da sociedade civil e movimentos sociais articulados na Campanha Não ao Prosavana, denunciamos o actual envolvimento da WWF no Prosavana. Verificamos o estabelecimento de uma aliança entre a WWF e a empresa de consultoria Majol, contratada pelos proponentes do Prosavana (no caso a JICA), para intermediar o diálogo entre o ProSAVANA e a Sociedade Civil.

É estranho o facto do principal mediador do diálogo, o Sr. Peter Betchel, que hoje se apresenta como consultor da Majol, ter sido Gestor da WWF para a Região Norte, onde foi responsável pela gestão das áreas de conservação do arquipélago das Quirimbas, Lago Niassa e Arquipélago das Primeiras e Segundas. Durante esse período, Peter Betchel e a WWF financiou e trabalhou directamente com as plataformas e com alguns representantes das organizações da sociedade civil, actualmente envolvidos nesta parceria com o Prosavana.

Como organizações da Campanha Não ao Prosavana, denunciamos o uso da posição de doador pela WWF para induzir e envolver representantes de organizações da sociedade civil a estabelecer parcerias com o Prosavana e o sector empresarial, mesmo que isso resulte no atropelo da legislação nacional e internacional de protecção dos direitos das comunidades. Denunciamos igualmente o uso de plataformas, que em muito tem vindo a contribuir para o exercício de cidadania, para fazer passar interesses e agendas individuais e colectivas de organizações internacionais. Ora vejamos:

Primeiro, é estranho que o Senhor Peter Betchel, ex-funcionário da WWF e hoje principal mediador de diálogo entre o Prosavana e a Sociedade Civil, tenha ligações directas com o desenvolvimento do agronegócio em Moçambique quer através do Banco Mundial, assim como através da USAID. Estas ligações violam princípios universais da mediação tais como a imparcialidade do mediador e a autonomia da vontade das partes, que o colocam em situação de conflito de interesse.

Segundo, depois de tentativas de criação de várias plataformas da sociedade civil pela WWF com propósitos pouco claros, na maioria das vezes contestadas pela sociedade civil, e nunca se ter engajado ao longo dos últimos 3 anos na advocacia ao Prosavana, estranhamente em dois meses colocou à disposição recursos financeiros para o estabelecimento da arquitetura do diálogo do Prosavana. Igualmente, estabeleceu alianças questionáveis com alguns representantes das plataformas e tornou-se coordenador do referido mecanismo de diálogo, como pode ser visto no comunicado final da criação do mesmo ignorando completamente o trabalho das organizações nacionais envolvidas na contestação ao ProSavana.

Terceiro, os recursos financeiros para o funcionamento do referido mecanismo serão alocados pela JICA (um dos proponentes do Prosavana), incluindo os recursos referentes ao pagamento de honorários de especialistas a serem contratados pelo Observatório do Meio Rural (OMR) para a revisão do Plano Director. Apesar de várias pesquisas independentes referirem que o actual Plano Director não dá vazão às necessidades dos sistemas produtivos e pluriactivos camponeses, exigindo-se a sua reconstrução, é estranho que hoje o OMR pretenda fazer uma revisão (não estrutural e não funcional como definido nos TDR) ao documento, eventualmente propondo uma abordagem de coexistência entre a agricultura camponesa e o agronegócio.

Quarto, ao receber os recursos financeiros da JICA, quer o Mecanismo ora criado, assim como o OMR estão sujeitos a prestação de contas e responsabilização junto da JICA. Esta situação torna impossível a garantia da imparcialidade e independência das entidades referidas por ter a JICA como “patrão”.

Ao longo dos últimos anos temos acompanhado a actuação ambígua e camuflada da WWF em Moçambique. No que se refere à relação com organizações nacionais da sociedade civil moçambicana, a WWF tem pautado pela “imposição” de processos e “usurpação” de espaços de debate, como a Plataforma de Agro combustíveis e mais recentemente a Aliança das Plataformas e finalmente o Mecanismo de Diálogo para o Prosavana.

A UNAC e a JA! publicaram em 2009 um estudo sobre a Jatropha e os agro-combustíveis em Moçambique abrindo espaço para um debate alargado da sociedade civil, que culminou num documento de “posição” das várias organizações que se propunham a trabalhar na matéria, focando os aspectos comuns. Passados alguns meses a WWF apoderou-se do processo de discussão, organizou um encontro onde se propôs a apoiar o estabelecimento da plataforma de agro-combustíveis e ao mesmo tempo hospedar e coordenar as actividades da mesma. Na altura, a WWF tomou várias decisões unilateralmente sem consultar as demais organizações integrantes da plataforma, incluindo a decisão do envolvimento do Governo nas discussões e deliberações internas de assuntos candentes, o que fez com a maior parte dos membros, incluindo a JA!, se afastassem da referida plataforma e da luta colectiva contra o avanço dos biocombustíveis.

Em 2014 a WWF propôs-se criar a Aliança das Plataformas, grande parte das organizações da sociedade civil presentes no encontro, concordaram com a ideia de uma aliança mas julgavam que não deveria ser coordenada por uma organização estrangeira, mas sim por uma organização moçambicana. Uma vez mais a WWF ignorou e prosseguiu. A plataforma foi estabelecida e é coordenada pela WWF, na sua forma característica de tomada de decisões, muitas das vezes usando o poder de ser financiador de muitas das organizações que compõem a referida plataforma.

Não concordamos nem aceitamos esta forma de actuar, as plataformas só devem existir se forem de facto representativas das organizações que destas fazem parte, com base em processos abertos, transparentes e democráticos, caso contrário não há qualquer razão para existirem, nem tão pouco podem pretender substituir as demais organizações da sociedade civil que por algum motivo não façam parte das mesmas.

A WWF é uma organização internacional, actua tanto como organização implementadora de projectos próprios, assim como doador, “usurpa” espaços de debates e utiliza a sua influência e poder para manipular processos de discussão de questões de interesse nacional, como é o caso do Prosavana, exacerbando divergências de opinião entre organizações nacionais e curiosamente a Campanha Não ao Prosavana é que tem sido acusada de defender interesses externos. É caso para questionar que interesses defende a WWF?

* Por UNAC (União Nacional de Camponeses), ADECRU (Acção Académica para o Desenvolvimento das Comunidades Rurais), Justiça Ambiental, Friends of the Earth Mozambique, LIVANINGO, Liga Moçambicana dos Direitos Humanos, Marcha Mundial das Mulheres e Fórum Mulher.

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