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Seis meses atribulados a caminho de uma “Tunísia para todos”

Faz seis meses que Lina Ben Mhenni chorou. A jovem de 27 anos, licenciada em Linguística, blogger tornada activista pela censura, acordou triste, convencida que a revolução estava perdida. Mas saiu do hotel onde se refugiara para dividir o tempo entre as manifestações e o computador e caminhou até à Avenida Bourguiba, no centro de Tunes. Aí percebeu que, apesar da repressão da noite anterior, “de todas as ruas vinham pessoas”. “Em Sidi Bouzid tinha chorado de tristeza, mas nesse dia chorei de alegria”, contou ao PÚBLICO dias depois.

Sidi Bouzid foi onde Mohamed Bouazizi se imolou pelo fogo a 17 de Dezembro, sem poder adivinhar tudo o que o seu acto desencadearia. Lina, ou TunisianGirl, começou por filmar a repressão nessa cidade.

Fez o périplo do país dos protestos e voltou a Tunes antes de 14 de Janeiro, quando 29 dias de contestação derrubaram 23 anos de ditadura e levaram muitos árabes a acreditar que os seus ditadores podiam ser os próximos.

“Nestes seis meses muito mudou para mim. Estou feliz porque o meu blogue já não é censurado. Mais tunisinos podem lê-lo. Mas tornei-me numa figura pública e não gosto. Sou insultada por tunisinos que pensam que estou a ganhar dinheiro com a revolução”, diz, numa troca de emails.

O pós-revolução tem sido atribulado na Tunísia. As eleições para a Assembleia Constituinte foram adiadas de Julho para Outubro. O comité que tem como objectivo garantir que os objectivos da revolução são cumpridos já perdeu alguns membros, incluindo islamistas importantes.

E islamistas menos representativos lançaram campanhas contra artistas, chegando a impedir pela força a exibição de Ni Allah, ni maître, um documentário sobre a laicidade da cineasta Nadia El Fani.

Sem varinha de condão

O actual Governo interino “faz o seu melhor”, disse ontem o primeiro-ministro, Béji Caid Essebsi, numa intervenção perante a Alta Instância para as Reformas Políticas.

“A situação económica é muito má. Greves repetidas impediram o trabalho de empresas importantes. Encontramos o país com 700 mil desempregados. Fazemos o nosso melhor, mas não temos uma varinha de condão”, justificou-se.

Em cima de todos os problemas tunisinos, entraram no país mais de 700 mil refugiados vindos da Líbia e isso “também pesa”, afirmou Essebsi.

Mas o processo de transição continua. Ben Ali já foi julgado à revelia (está exilado na Arábia Saudita) e condenado a 35 anos de prisão por desvio de fundos. Esta semana começou a inscrição nos novos cadernos eleitorais. E a alta-comissária da ONU para os Direitos Humanos, Navi Pillay, chegou ontem a Tunes, onde hoje vai inaugurar a primeira delegação do Alto-Comissariado no Norte de África.

“A transição democrática está a andar devagar. As forças de contra-revolução tentam empurrar-nos para o passado, mas nós resistimos. A polícia política ainda funciona. Sentimos que os media continuam a ser manipulados e a justiça não é independente”, enumera Lina Ben Mhenni.

Mas a maior preocupação da blogger são os islamistas. “Manipulam as pessoas, com dinheiro e ajuda. Mas também são violentos. O meu pai foi uma das vítimas no cinema [quando um grupo ameaçou os espectadores na estreia do filme de Nadia El Fani]. O que aconteceu é perigoso. Eles interferiram nas nossas liberdades pessoais.”

Para Lina Ben Mhenni, a receita é simples: É preciso “continuarmos atentos” e “sermos muito cuidadosos para evitar uma regressão”. “A Tunísia é para todos os tunisinos.”

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