Samora Machel, primeiro Presidente de Moçambique, ficou desiludido com o apoio da União Soviética, o que o levou a assinar o Acordo de Nkomati com a África do Sul em 1984, revelam documentos dos arquivos soviéticos.
Segundo documentos do Arquivo da Política Externa da Rússia, Machel convenceu-se da ineficácia da ajuda soviética durante a sua visita à URSS em meados de 1983.
Numa reunião com Nikolai Tikhonov, primeiro-ministro soviético, o dirigente moçambicano criticou a URSS por, durante sete anos de independência, não ter acabado nenhuma das obras iniciadas em Moçambique, propondo que fosse estabelecido o controlo dos comités centrais do Partido Comunista da União Soviética e da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) sobre elas.
Tikhonov recebeu bem as críticas, respondeu-lhe que, quando a URSS começou a construir o socialismo, os soviéticos estavam sozinhos e que vários países libertados, incluindo Moçambique, tinham possibilidade de receber ajuda de Moscovo.
O primeiro-ministro soviético aconselhou-o a partir das possibilidades reais de Moçambique e a desenvolver as áreas económicas que dessem efeito económico rápido: indústria mineira, exportação de espécies raras de madeira e pescas.
Piotr Evsiiukov, na altura embaixador soviético em Maputo, escreveu nas suas memórias: “Samora Machel, durante essa visita, ficou convencido do fracasso económico da União Soviética”.
Samora tenta convencer José Eduardo dos Santos
Documentos do Arquivo da Política Externa da Rússia revelam também que Machel, numa reunião de países africanos de expressão portuguesa, realizada em Luanda no mês de Abril de 1986, tentou convencer o seu homólogo angolano, José Eduardo dos Santos, a não apostar apenas na URSS e em Cuba na sua política externa e a ser flexível na continuação de contactos com os Estados Unidos.
Essa desilusão foi um dos motivos fundamentais para Machel assinar o Acordo de Nkomati com a África do Sul, em 1984.
A fúria de Kundi Paihama
Esse documento previa que a África do Sul deixaria de apoiar a RENAMO, movimento que combatia o regime de Samora Machel em Moçambique, e este retiraria o apoio ao Congresso Nacional Africano (ANC), que lutava contra o apartheid. Esse passo de Moçambique foi mal recebido pela URSS e por alguns dirigentes africanos.
Segundo um documento existente no Arquivo Estatal de História Contemporânea da Rússia (RGANI), Kundi Paihama, então membro do Bureau Político do MPLA, fez um paralelo entre essa iniciativa e a traição dos interesses da Unidade de África, na luta contra o imperialismo e o racismo, por parte do Egipto e da Somália, e frisou que Angola jamais faria um acordo desse tipo com a África do Sul.