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Réus voltam a comprometer ex-PCA do FDA, acusando-a de ser mentora do roubo de dinheiro

O sobrinho, os colegas e as amigas da ex-Presidente do Conselho de Administração do Fundo de Desenvolvimento Agrário (FDA), Setina Titosse, assumiram, na sexta-feira (15), no tribunal, o seu envolvimento no saque de 170 milhões de meticais naquela instituição do Estado. Todavia, acusaram Setina Titosse de ter preparado e materializado o plano usando pessoas mais próximas de si e alheias à entidada lesada, incluído o seu ex-marido.

O réu Abdul Rassul, 37 anos de idade, é técnico industrial e sobrinho da tinga dirigente do FDA. Ele confirmou que recebeu daquela entidade, por transferência bancária, 6.100.000 meticais supostamente para a implementação de um projecto agro-pecuário.

Ele não tinha e nunca teve espaço para a criação de gado, mas foi orientado no sentido de se fazer passar por uma pessoa interessada em desenvolver projecto agro-pecuário, e soube da existência fundos para o efeito através de uma conversa com a sua familiar Setina Titosse.

Na verdade, o réu nunca chegou a submeter projecto algum, mas um dia, na residência da antiga PCA do FDA, ele assinou um contrato para concessão de crédito. O programa não foi implementado por motivos que não foram avançados.

As declarações do acusado não só incriminam-se, sobremaneira, a sua tia, como também dão azo para que se pense que o valor não tinha em vista a criação de gado, mas sim, ser repartido entre os membros do esquema de desfalque orquestrado pela visada. Abdul Rassul é marido da sobrinha de Setina Titosse.

Ele assegurou ainda ao tribunal que, após receber a confirmação da disponibilidade do dinheiro na sua conta bancária, transferiu 2.300.000 meticais para a sua tia, a pedido da mesma. Ele ficou na posse de 3.800.000 meticais. Deste montante, o co-arguido no processo que está a ser julgado no Tribunal Judicial da Cidade de Maputo (TJCM), desde a semana finda, efectuou duas transferência bancária, sendo uma, no valor de 3.000.000 de meticais para um indivíduo identificado pelo nome de Cardoso Abrão e outra, num montante de 380 mil, para uma cidadã de nome Isabel António.

Segundo Abdul Rassul, Cardoso Abrão é ex-marido de Setina Titosse, enquanto Isabel António é cunhada da mesma. Neste contexto, o réu disse, durante a audiência, que a canalização dos fundos em questão para indivíduos estranhos ao FDA foi ordenada por Setina Titosse.

Durante o interrogatório conduzido pelo juiz Alexandre Samuel, da sétima secção do TJCM, Rassul disse que ficou com um remanescente de 400 mil, dos quais 200 mil comprou uma viatura e o restante despendeu na reabilitação da casa e em gastos individuais. Estranhamente, o arguido contradisse-se, quando respondia a algumas perguntas dos advogados e do Ministério Público (MP), e optou em omitir a real quantia com que ficou ao cabo das transferência bancárias.

A uma pergunta feita pelo advogado de Setina Titosse, Rassul reiterou que não elaborou projecto algum, nunca esteve nas instalações do FDA e a informação de que o seu pretenso projecto já tinha sido aprovado e o respectivo crédito na sua conta recebeu por telefone.

Na insistência, os causídicos questionaram ao réu se sabia ler e escrever, tendo ele respondido positivamente. Os causídicos procuram saber por que motivo Rassul assinou um documento sem antes ler o seu conteúdo.

O acusado remeteu-se ao silêncio, mas depois garantiu que não foi coagido, o que deixou os advogados estupefactos e impelidos a procurar saber se, nalguma vez, o réu sofreu de determinada perturbação mental.

Elaborou um projecto em benefício próprio

Brasilino Salvador, de 38 anos de idade, é chefe do Departamento Agro-pecuário no FDA. Ele é incriminado de forjar 13 projecto para financiamento mas tentou convencer o tribunal de que ele é inocente.

“Eu nunca forjei algum projecto”. Na qualidade de chefe daquele departamento, ele recebia projectos já despachados pela direcção do FDA, isto é, pelo Conselho de Administração – na altura representado por Setina Titosse – ou pela directora adjunta, para emitir um parecer técnico: se reuniam ou não requisitos e podiam ser custeados.

Um dos requisitos para a concessão de financiamento é DUAT. Porém, pelo menos 90% dos projectos dos que recebem crédito daquela instituição não têm este documento porque a sua obtenção é muito morosa, de acordo com o réu.

“Sim ajudava na elaboração de projectos”, mas só “àqueles de mostravam dificuldades”. As pessoas eram encaminhadas ao nosso departamento para serem explicadas também sobre os requisitos a reunir.

Apesar de negar o seu envolvimento na fabricação de programas usados para drenar fundos daquela instituição, Brasilino Salvador confirmou que já submeteu um projecto para o seu próprio benefício e, por via disse, recebeu um crédito de 3.950.000 meticais.

“Implementei o projecto e ainda está em curso”. Inicialmente era desenvolvido no distrito de Boane, província de Maputo, mas devido às condições climatéricas desfavoráveis transferiu a criação para a localidade de Bunhiça, em Moamba, onde tem 67 animais.

Por outras palavras, Brasilino está a dizer o seguinte: na qualidade de chefe do Departamento Agro-pecuário no FDA, ele elaborou o seu próprio projecto, outorgou-se um parecer técnico favorável e precisou apenas de persuadir Setina Titosse para subscrevê-lo.

João Nhane, do Ministério Público (MP), confrontou o arguido com o facto de ele ter arquitectado uma visita a alguns projectos financiados pelo FDA, mas, na verdade, os nunca existiram.

“Já procedi a visita de mais de 100 projectos no âmbito da monitoria”, por isso, “não é fácil me lembrar”, alegou Brasilino.

Também quis favorecer a si próprio

Joaquim Mazive, de 34 anos de idade, agrónomo e técnico de crédito, é igualmente acusado de forjar nove pareceres para a obtenção de financiamento no FDA. “Não constitui à verdade”, mas teve um.

Para obter “empréstimo”, ele elaborou um programa para criação de gado e teve um financiamento de 3.000.000 de meticais, devolvíeis a partir de Junho de 2018.

A par de Brasilino, Joaquim disse que começou a criar o seu gado no distrito de Boane, mas por causa da estiagem passou para Moamba.

De acordo com a interpretação do MP, Joaquim também elaborou o seu próprio projecto, outorgou-se um parecer técnico favorável e submeteu-o à aprovação de Setina Titosse.

Motorista aparentemente imaculado

Jorge Tembe, de 37 anos de idade, auxiliar administrativo [motorista], é acusado de apoiar Setina Titosse e a sua assistente pessoal, Milda Cossa, a movimentarem, ilicitamente, dinheiro do FDA, num valor estimado em 3.600.000 meticais.

“Confirmo. Como auxiliar administrativo fazia o expediente. Eu era motorista da instituição, afecto à direcção, e tudo o que fazia era na hora normal do expediente”, disse o réu.

Durante o interrogatório feito pelo juiz Alexandre Samuel, o arguido não poupou acusações à sua antiga chefe.

Quem é que mandava movimentar valores? – “A senhora Setina Titosse. A senhora Milda só me mandou uma vez”.

Chegou a receber valores em numerário para entregar à senhora Setina? – “Não se sei era dinheiro, mas eu recebia envelopes. Não sei o que continham”. Recorda-se ter feito um depósito de 160 mil meticais para a Ronil Auto? “Sim, lembro-me”. Recorda-se de quem mandou fazer o deposito? – “Foi a chefe, dona Setina”. Chegou a beneficiar-se de algum financiamento do FDA? – “Não”.

Por sua vez, o MP questionou se, alguma vez, Jorge Tembe recebeu dinheiro na sua conta bancária, enviada por Setina Titosse e Milda Cossa. A resposta foi negativa e o arguido declarou que, de há tempo a esta parte, está afecto ao Ministério da Agricultura e Segurança Alimentar.

“Eu faço expediente e continuo a efectuar os depósitos [em bancos] quando alguns me mandam”, seja a título individual e não propriamente da instituição, disse Jorge, argumentado que nunca questionou o facto de ser mandado movimentar dinheiro ou efectuar depósitos bancários porque não pode contrariar os seus superiores hierárquicos.

Cabeleireira envolvida no saque

Felicidade Massugueja, amiga e cabeleireira de Setina Titosse, é incriminada de ter submetido um projecto ao FDA a pedir financiamento, 17 de Junho de 2014.

De tudo quanto foi dito por esta senhora, o relevante é que os seus tentáculos no desfalque àquela instituição do Estado são, de longe, notórios quanto parecem as de Setina Titosse. Porém, o seu grau de envolvimento só o tribunal é capaz de aferir e aplicar, quiçá, as devidas penalizações, se for o caso.

A 15 de Dezembro de 2014, ela recebeu mais de 4.307.000 meticais do montante que solicitou e devia começar a reembolsar de Dezembro de 2017 a Dezembro de 2022, a taxa anual de um milhão e cinco mil meticais. Contudo, tal parece que não vai acontecer porque o dinheiro não foi aplicado no negócio a que se destinava.

O projecto que devia ter sido desenvolvido em Catuane, no distrito de Matutuine, província de Maputo, colapsou por causa da seca, colocando em causa a continuidade do empreendimento.

Segundo alegou a ré, tal situação registou-se quando ela engravidou, em Setembro de 2016 – altura em que esteve presa – e deu à luz em Junho de 2017.

A arguida disse ainda que tinhas 75 bovinos e três touros, no distrito de Bobole (Maputo). Os animais foram adquiridos na empresa de Setina Titosse, através de uma transferência bancária para Milda Cossa, no valor de mais de 2.307.500 meticais.

Todavia, facto curioso é que Felicidade Massugueja disse ao tribunal que não sabe se ainda tem ou não gado.

Do fundo que ela recebeu do FDA, fez um depósito a prazo de 800 mil meticais, supostamente para conservá-los. Ao seu marido, de nome Paulino Manhiça, transferiu 500.981 meticais para supostamente ajudá-la gerir de modo a não fizer gastos supérfluos.

Tomás Xerinda, 38 anos de idade, é irmã de Neide Xerinda. Esta é directora executiva do FDA e funcionária do Estado há 26 anos. Aquando da sua audiência, na quinta-feira (14), disse que muitas das infracções que cometeu foi por desconhecimento de que estava a incorrer em ilegalidades, por isso, até comprometeu-se a devolver tudo o que supostamente roubou até ao fim do julgamento.

Os dois irmãos são acusados de terem envolvido a empresa deles no rombo financeiro àquela entidade, em conspiração com Setina Titosse. Tomás não respondeu a muitas perguntas colocadas pelo juiz, tendo remetido as respostas àquelas que proferiu durante a fase da instrução contraditória.

Empréstimo de milhões de meticais sem se assinar compromisso algum

Natália Matuca, de 40 anos de idade, assistente de contabilidade, é indiciada de receber, das mãos de Milda Cossa – à data dos factos assistente de Setina Titosse – um cheque no valor de 3.020.420 meticais, para pagamento de um imóvel no Intaka.

De acordo com a beneficiária e amiga da ex-número um do FDA, tratou-se de um empréstimo entre camaradas, por isso, o compromisso não foi reduzido a escrito.

A arguida contou que, na altura, tinha problemas sociais relacionados com o divórcio do seu marido. “Recebi uma carta que dizia que devia efectuar os pagamentos em atraso [da residência que estava a comprar] num prazo de oito dias”. Caso contrário, tinha de abandonar a casa, mas, na ocasião, ela “não tinha onde deixar os filhos”, pois o marido levara tudo.

Foi daí que recorreu a Setina Titosse para pedir emprestado o dinheiro acima referido. E habitação em causa, no Projecto Intaka, devia ser paga na totalidade num prazo de um ano e oito meses.

Todavia, Natália alegou, em sede do tribunal, que não podia sabia quanto é pagava por mês. Porém, sabe que o dinheiro relativo à dívida contraído à Setina Titosse devia ser reembolsado em 10 anos, a razão de 30 mil meticais por mês.

O julgamento prossegue esta segunda-feira (18), em que serão ouvidos mais réus, dos 24 que arrolados no processo sobre o desfalque de 170 milhões de meticais do FDA.

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