Os jovens manifestantes que percorreram as ruas de Londres, Manchester e outras cidades britânicas esperavam que as suas fotos fossem examinadas em detalhe por usuários de Internet enfurecidos, ansiosos por identificar os infractores?
Logo depois dos protestos, muitos vigias do mundo cibernético recorreram ao Facebook, Flickr e outras redes sociais para estudar as fotografi as da violência. Alguns especialistas em informática até se voluntariaram para automatizar o processo usando um software para comparar os rostos dos manifestantes com outros disponíveis na Internet.
Os jovens que participaram nos protestos também não eram exactamente novatos da tecnologia. Eles usaram aparelhos BlackBerry para enviar mensagens, evitando plataformas mais visíveis como o Facebook e o Twitter. Dizem que eles saquearam várias lojas que vendem produtos electrónicos caros. Ao que parece, o caminho entre os “nativos digitais” e os “inquietos digitais” é curto.
A tecnologia deu poder a todos os envolvidos nesta briga: aos manifestantes, aos vigias, ao governo e até mesmo ao cidadão comum com vontade de ajudar. Mas esse poder foi distribuído em graus diferentes.
A polícia britânica, por exemplo, armada com a tecnologia de reconhecimento facial mais moderna, analisa as imagens capturadas pelos seus numerosos circuitos de TV fechados e estuda as transcrições dos chats e dos dados de localização, provavelmente irá identifi – car muitos dos culpados.
Estados autoritários estão a monitorar esses acontecimentos de perto. Os media estatais chineses, por exemplo, atribuíram os protestos à falta de controlo sobre as redes sociais, ao estilo chinês.
Tais regimes têm curiosidade em saber que tipo de precedentes serão estabelecidos por autoridades ocidentais à medida que os governos se debatem com tecnologias cada vez mais desenvolvidas. Eles esperam pelo menos uma justifi cação parcial para suas próprias políticas repressoras.
Alguns políticos britânicos apressaram-se a pedir que a Research in Motion, fabricante do BlackBerry, suspendesse o seu serviço de mensagens para evitar uma escalada dos protestos. Na quinta-feira, o primeiro- ministro David Cameron disse que o governo deveria considerar o bloqueio do acesso às redes sociais por pessoas que organizam actos violentos ou desordem.
Depois do recente massacre na Noruega, muitos políticos europeus expressaram o receio de que comentários anónimos anti-imigração estariam a incitar extremismo. Agora eles estão a debater formas de limitar o anonimato online.
A Internet realmente precisa de um conjunto de normas, leis e tecnologias que oferecem mais controlo aos governos? Quando a polícia secreta do Egipto pode comprar tecnologias ocidentais que permitem a escuta de ligações no Skype entre opositores, parece improvável que as agências de inteligência americanas e europeias não tenham meios de escutar os telefonemas de um solitário na Noruega.
Toleramos propostas drásticas como essas apenas porque actos de terror privam-nos de pensar correctamente por um momento. Também nos distraímos pela tendência universal de imaginar a tecnologia como uma força libertadora; não damos conta de que os governos já têm mais poder do que é considerado saudável.
Os desafi os domésticos apresentados pela Internet exigem uma resposta cautelosa e cuidadosamente avaliada do Ocidente. Líderes em Pequim, Teerão e de outros lugares estão à espera das nossas medidas equivocadas, o que lhes permitiria pedir uma licença internacional para lidar com os seus próprios protestos. Eles também estão à procura de ferramentas e estratégias que possam melhorar os seus próprios sistemas de vigilância digital.
Depois das violentas manifestações em 2009, as autoridades chinesas não tiveram nenhum escrúpulo em cortar o acesso à Internet da região de Xinjiang por dez meses. Ainda assim, eles claramente receberiam bem uma desculpa formal para tais medidas drásticas se o Ocidente decidisse adoptar medidas semelhantes ao lidar com a desordem.
Da mesma forma, qualquer plano nos Estados Unidos e na Europa para investigar as pessoas on-line – tentando identifi car futuros terroristas através das suas mensagens no Twitter, hábitos de jogos ou actividades nas redes sociais – provavelmente irá impulsionar a indústria já aquecida de busca de dados. Não demoraria muito para que ferramentas como essas chegassem a estados repressores.
Mas algo muito mais importante está em jogo. Para o resto do mundo, os esforços das nações ocidentais, e especialmente dos EUA, para promover a democracia noutros países têm esbarrado na hipocrisia.
Até que ponto o Ocidente pode passar um sermão e ao mesmo tempo debater-se com as suas próprias contradições sociais internas? Outros países poderiam viver com essa hipocrisia enquanto o Oeste se mantivesse firme ao promover os seus ideais pelo resto do mundo. Mas esse jogo duplo é difícil de se manter na era da Internet.
Com a preocupação de combater não só a violência da máfi a, mas também crimes comerciais como a pirataria e a partilha de arquivos, os políticos do Ocidente propuseram novas ferramentas para examinar o tráfego na web e mudanças na arquitectura básica da Internet para simplificar a vigilância.
O que eles não conseguem ver é que tais medidas também podem afectar o destino de opositores em lugares como a China e o Irão. Da mesma forma, a maneira como os políticos europeus lidam com o anonimato on-line irá influenciar as políticas de sites como o Facebook que, por sua vez, vai afectar o comportamento daqueles que usam os media sociais no Oriente Médio.
Os Estados Unidos e a Europa devem então abandonar qualquer pretensão de querer promover a democracia noutros países? Ou eles devem procurar uma forma de aumentar a resistência das suas instituições políticas na era da Internet?
Mesmo com os nossos líderes a gabarem-se por apoiar o potencial revolucionário dessas novas tecnologias, eles mostraram pouca evidência de ser capazes de pensá-las de uma maneira equilibrada e com princípios.
* Morozov é académico visitante da Universidade de Stanford e autor do livro “The Net Delusion: The Dark Side of Internet Freedom”