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Repressão a acampamentos pró-Mursi deixa mais de 200 mortos no Egito

As forças de segurança do Egito dissolveram nesta quarta-feira os acampamentos dos partidários do presidente deposto Mohamed Mursi, matando quase 200 deles no dia mais sangrento das últimas décadas e agravando a polarização no mais populoso país árabe. Ao todo, 235 pessoas morreram, sendo pelo menos 43 policiais, e 2 mil ficaram feridas, segundo uma fonte hospitalar, em confrontos em muitas cidades do país.

A Irmandade Muçulmana, grupo político de Mursi, disse que houve um “massacre”, com um número bem superior de vítimas. Enquanto corpos envoltos em tapetes eram levados para um necrotério improvisado perto da mesquita de Rabaa al-Adawiya, o governo provisório declarava estado de emergência por um mês, devolvendo aos militares o poder irrestrito que eles exerceram durante décadas, até que uma rebelião derrubasse o ditador Hosni Mubarak, em 2011.

Partidários de Mursi estavam acampados em dois lugares do Cairo desde 3 de julho, quando militares derrubaram o primeiro presidente democraticamente eleito na história egípcia, após enormes manifestações pedindo a renúncia dele. O ministro do Interior, Mohamed Ibrahim, disse que os dois acampamentos foram totalmente dissolvidos e que novas concentrações não serão toleradas.

O primeiro-ministro, Hazem el-Beblawi, declarou que o uso da força era a única opção do governo diante da “difusão da anarquia”. “Achamos que as coisas haviam chegado a um ponto que nenhum Estado que se dê ao respeito poderia aceitar”, disse ele pela TV.

As autoridades impuseram toque de recolher do anoitecer ao amanhecer no Cairo, em Alexandria e em várias outras cidades. O uso da força levou o vice-presidente Mohamed ElBaradei, mais conhecido representante liberal do governo provisório, a renunciar, argumentando que o conflito poderia ser resolvido de forma pacífica. “Os beneficiários do que aconteceu hoje são os que defendem a violência, o terrorismo e os grupos mais extremistas”, disse ElBaradei, que ganhou o Prêmio Nobel da Paz em 2005 por seu trabalho na agência nuclear da Organização das Nações Unidas (ONU).

A ofensiva, encerrando seis semanas de impasse, ocorreu após repetidos apelos internacionais por moderação. No fim da semana passada, o governo provisório já havia anunciado o fim dos esforços internacionais de mediação e ameaçado usar a força para dissolver os protestos da Irmandade.

O secretário de Estado norte-americano, John Kerry, a chefe da diplomacia da União Europeia, Catherine Ashton, e o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, deploraram o uso da força no Egito. Uma fonte oficial norte-americana disse que Washington cogita cancelar o exercício militar conjunto “Estrela Brilhante”, que ocorre a cada dois anos, no que seria um recado direto contra os militares egípcios, beneficiários de uma bilionária ajuda anual dos EUA.

IRMANDADE REPRIMIDA

O ataque aos acampamentos também encerra um período de atividade política aberta da Irmandade, principal grupo organizado do país, que passou 85 anos na clandestinidade e emergiu em 2011 para vencer todas as eleições disputadas desde então. Autoridades disseram inicialmente que os membros da Irmandade Mohamed El-Beltagi e Essam El-Erian haviam sido presos, se juntando a Mursi e outros líderes do grupo, porém mais tarde afirmaram que eles não haviam sido capturados.

Uma filha de El-Beltagi, de 17 anos, está entre os mortos. El-Beltagi alertou para um conflito mais amplo e conclamou a população a ir às ruas contra o comandante militar que derrubou Mursi. “Juro por Deus que, se vocês ficarem nas suas casas, Abdel Fattah al-Sisi vai tumultuar este país até ele virar a Síria. Abdel Fattah al-Sisi vai empurrar esta nação para uma guerra civil a fim de que ele escape da forca”, afirmou El-Beltagi.

O grupo anti-islâmico Frente de Salvação Nacional, de ElBaradei, não compartilhou das críticas feitas por ele e declarou que “o Egito se manteve de cabeça erguida para o céu, anunciando a vitória sobre grupos políticos que abusam da religião”.

Desde o derrube de Mursi, em duas ocasiões anteriores as forças de segurança já haviam realizado ações que resultaram na morte de dezenas de manifestantes. Mas até agora elas vinham respeitando a integridade dos acampamentos fortificados onde muitos seguidores de Mursi e as suas famílias estavam instalados.

“DEUS NOS ACUDA!”

Depois do início do ataque aos acampamentos, ocupantes desesperados recitavam versos do Alcorão e gritavam “Deus nos acuda, Deus nos acuda!”, enquanto helicópteros sobrevoavam o local e escavadoras blindadas colocavam abaixo as barricadas improvisadas. Jornalistas da Reuters no local viram policiais mascarados, com fardas escuras, saindo de veículos policiais com cassetetes e bombas de gás lacrimogéneo. Eles rasgavam e incendiavam barracas.

“Eles esmagaram nossos muros. Policiais e soldados atiraram gás lacrimogéneo nos nossos filhos”, disse o professor Saleh Abdulaziz, de 39 anos, com a cabeça sangrando. Depois que as forças de segurança começaram a usar munição real, mortos e feridos ficaram estendidos pelas ruas, em meio a poças de sangue. Uma área do acampamento que era usada como playground e para exposições artísticas das crianças foi transformada em hospital de campanha.

Vários corpos ficaram enfileirados nas ruas. Um deles era o de um adolescente que teve o crânio esmagado e que sangrava pela nuca. Em outro local do Cairo, um repórter da Reuters estava no meio de um grupo pró-Mursi quando ouviu tiros passando zunindo e atingindo paredes. Os manifestantes se atiraram no chão e um homem foi morto com um tiro na cabeça.

O governo insiste que as pessoas acampadas estavam armadas. TVs controladas pelo governo ou por seus simpatizantes mostraram supostos manifestantes pró-Mursi disparando rifles detrás de barricadas com sacos de areia, na direção de policiais. Jornalistas da Reuters e outros repórteres estrangeiros não testemunharam esse tipo de incidente.

A multidão parecia estar armada principalmente com paus, pedras e pedaços de concreto, contra policiais e soldados munidos de rifles. Pelo menos dois jornalistas foram mortos nos incidentes no Cairo. Um fotógrafo da Reuters foi baleado no pé.

Este foi o dia mais violento no Egito desde a guerra de 1973 contra Israel, o que exigirá uma posição de aliados ocidentais do país, especialmente Washington, que se recusa a qualificar como “golpe” o derrube de Mursi, já que isso obrigaria a uma revisão da ajuda militar de 1,5 bilhão de dólares por ano ao Egito.

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