I. Introdução
O presente artigo pretende iniciar um debate modesto, que se pretende sem preconceitos, sobre as relações entre Mocambique e o Reino Unido. No mesmo argumentamos que o actual estágio de relações diplomáticas e de cooperação entre Moçambique e o Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte (doravante Grã-Bretanha e ou Reino Unido) é resultado de uma evolução histórica bem contextualizada e estruturada.
A Grã-Bretanha foi uma potência colonizadora (século XV). Esse estatuto, decorrente da sua prosperidade económica, militar e intelectual, provocou a necessidade de expansão. A expansão dos ‘ingleses’ visava encontrar novas esferas de influência, mão de obra (escravatura), novos fornecedores de matéria-prima e busca de mercados.África estava no palco dos destinos dos países expansionistas da época. Fora destino dos árabes, persas, etc, e mais tarde, dos europeus, com destaque à Franca, Belgica, Espanha, Alemanha e Portugal, especialmente depois da Conferência de Berlim em 1884/5, que determinou como critério de legitimidade territorial a ‘ocupação efectiva’. A moda de expansão como forma de afirmação de poder também motivou a expansão dos ‘ingleses’.
Argumentamos também que as relações entre os dois países são assimétricas. A assimetria em termos de fontes de poder entre os dois países caracterizam e determinam sobremaneira o carácter dependente, subserviente e reactivo das relações Mocambique-Reino Unido. De facto de Mocambique possui cerca de 20.5 milhões de habitantes (INE, 2008) enquanto que o Reino Unido tem três vezes mais, cerca de 60 milhões de habitantes.
Enquanto que a expectativa de vida em Mocambique é de 42 anos (INE, 2008), a do Reino Unido e de 78 anos (2007, UN Statistics), quase o dobro. A média do Produto Interno Bruto per capita para Moçambique é de $343 enquanto que a da Reino Unido é de ($33,800 PPP, WDI, 2007). O total de ajuda no biénio 2007/2008 foi de $67.8 milhões (Statistics for International Development).
As relações assimétricas são também produto dos alinhamentos internacionais de cada um dos países: enquanto a Grã-Bretanha e membro da NATO, do G5, G20, União Europeia, Moçambique e membro e intituições receptoras e dependentes de ajuda como a SADC, União Africana, Organização da Conferência Islámica, Movimento dos Não-Alinhados, Comunidade dos Países Falantes da Língua Portuguesa, Comunidade Francofona, Associação dos Países do Oceano Indico. Ambos são membros da Commonwealth e das Nações Unidas.
Por último defendemos a controversa tese de que a entrada de Moçambique na Commonwealth, não foi nada mais e nada menos do que a correcção de uma ‘anomalia’ registada durante o processo de colonização británica, cuja premissa basica residia no sonho do explorador Britânico Cecil Rhodes de criar um império do ‘Cabo ao Cairo’.
II. Os Británicos na África Austral
Apesar de os portugueses terem sido os primeiros a chegarem a região da África Austral, e a Costa Mocambicana (Vasco da Gama em 1436), foram os Britânicos que ficaram com a maior parte dos territórios da regiao, como resultado do seu potencial bélico e económico. Os ‘ingleses’ tomaram a cidade do Cabo dos Holandeses, em 1795, fazendo com que os Holandeses, ‘boers’ se engajassem no famoso ‘Great-trek’. A ocupação do importante entreposto comercial do Cabo, visava o controle de rotas comerciais com a Ásia.
Anos depois, os ingleses se implantaram na Rodésia do Norte (actual Zâmbia), Rodésia do Sul (actual Zimbábwe), Niassalândia (actual Malawi), Botswana, Lesotho e Botswana. A Inglaterra implantou-se em toda a África Austral, com excepção à Angola e Moçambique.
Recorde-se que o projecto inglês De Cabo ao Cairo, de Cecil Rhodes, sobrepôs-se ao projecto ‘Mapa Cor de Rosa’ dos portugueses que pretendiam ocupar os espaços entre a costa Moçambicana no Índico e a costa Angolana no Atlântico, ocupando vastas zonas do que mais tarde passou a ser conhecido como Rhodesia do Norte e hoje Zâmbia. O papel do explorador Escocês Dr. Livingstone na ‘descoberta’ da regiao, não deve ser menosprezado.
No concernente à Moçambique, dada a escassez de capital por parte dos portugueses, a Inglaterra ‘alugou’ várias extensões do território ‘Mocambicano’, implementando aquilo a que chamariamos de ‘colonização indirecta’, através da injecção do seu capital nas Companhias Majestáticas de Moçambique, do Niassa, Madal, Boror, da Zambézia, Sena Sugar States (óbvio pelo nome inglês), e o Caminhos de ferro de Moçambique (Corredor da Beira e do Limpopo) entre outras.
III. A luta pelas Independências
Os ideais iluministas da Revolução Inglesa (glorious revolution) e o fim das guerras mundiais (sobretudo a participação de africanos na II Guera Mundial) contribuíram bastante para o advento do sentimento nacionalista africano, no século XX. O Segundo, Terceiro e Quinto Congressos Pan-Africanos foram realizados na Inglaterra. Estes congressos visavam a eliminação do colonialismo e seus derivados em África. O Moçambicano Kamba Simango, participou num desses Congressos (Para mais detalhes ver obra de Mario Pinto de Andrade- Nacionalismo Africano).
Não foi obra do acaso que os primeiros ventos nacionalistas surgiram das colónias Britânicas da África Ocidental, tendo culminado com a independência do Gana em 1947, e de outras colónias a partir dos anos 1950-1960. Outros Estados juntaram-se à causa das independências e pouco a pouco se libertaram do jugo colonial europeu, sob inspiração do processo de descolonização Britânico.
IV. O Contexto da Guerra Fria e o Apartheid na África do Sul
A Guerra Fria acomodou o interesse das superpotências que eram os Estados Unidos da América (EUA) e a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). Outras potências, como a Inglaterra, Franca, e o Alemanha tiveram muito pouca margem de manobra no processo.
No concernente à África Austral, o contexto político era controverso devido a existência do Apartheid (desenvolvimento separado) na África do Sul e Namíbia. As duas super-potências tomaram posições diametralmente opostas, tendo a União Soviética se posicionado ao lado dos movimentos de libertação da Africa Austra, enquanto que os EUA e a Grã-Bretanha se colocavam ao lado do regime do Apartheid. Os EUA durante a Adimistração Reagan definiram a política do Engajamento Constructivo, que tinha elementos coincidentes com a ‘Estrategia Total’ baseada no conceito de ‘Total Onslaught’ de Peter Botha.
Em 1980, formou-se a Conferência da Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral (SADCC) com o objectivo de eliminar a dependência económica dos Estados da região em relação à Àfrica do Sul. Houve guerras civis em Angola e Moçambique, algumas delas patrocinadas pelo regime do Apartheid. Há a assinalar aqui a emergência do Movement de Boicote e apoio as sanções contra o regime do Apartheid , um Movimento surgido na Inglaterra, em 1959, a fim de protestar contra o Apartheid.
Outro aspecto interessante e que merece atenção e maior pesquisa, foi o facto de paradoxalmente, e ao contrário do que acontecia em Angola, ter sido Margaret Thatcher que abriu as portas ao Governo de Machel nas suas relações com Ronald Reagan e os EUA.
II. A década de 90 e as Actuais Relações Entre a Corte de St. James e a Ponta Vermelha
Terminada a Guerra Fria, o Reino Unido tem tentado se reafirmar no sistema internacional, tendo a prerrogativa de ter o inglês como a língua do sistema internacional. Actualmente, a língua inglesa é falada em todos os hemisférios do Mundo.
Ao contrário do que acontece com os EUA, a Gra-Bretanha redefiniu a sua política externa para a África em geral, e para a África Austral em particular. Por exemplo, durante a campanha eleitoral de Tony Blair, a África e uma política externa ética eram os principais eixos do seu manifesto eleitoral no que se refere as relações internacionais.
Os EUA não priorizam a África como foco da sua política externa, fazendo-o para o Médio Oriente, o Próximo Oriente, e outras regiões. Na sua procura de novas esferas de influência e na reconquista de palcos que ora haviam pertencido à sua esfera de influência, a Gra Betanha acaba prestando um pouco mais atenção ao continente africano.
A África Austral não é excepção, e vários factores condicionam essa atenção. Dentre eles, destaque vai para a existência de seus descendentes em países como a África do Sul, Zimbábwe; busca de novos interesses estratégicos e económicos em todos os países da região (a British Petroleum, a British Council, a British Military Advisory Training Team, etc), a busca de novas esferas de influência com destaque à Angola e Moçambique, por terem sido colonizadas por uma outra potência.
O Reino Unido, de uma forma hábil e astuta, conseguiu formalizar a ‘incorporação’ de Moçambique na sua ‘esfera de influência’ em 1997, quando Moçambique foi formalmente admitido como membro de pleno direito na Commonwealth, fazendo com que, a rainha passasse a ser ‘o Chefe de Estado’ de Moçambique para irá da diplomacia portuguesa!
Entretanto as relações com Angola tem sido mais ásperas! Contribuiram para a ‘aceitação’ de Moçambique na Commonwealth o enorme prejuízo que Moçambique sofreu ao fechar as suas fronteiras com a Rodésia do Sul (Zimbabwe), em ‘cumprimento’ das sanções decretadas pelas Nações Unidas em relação ao regime de Ian Smith. Para compensar Moçambique dessas perdas, a Commonwealth criou um fundo de compensação a favor de Moçambique, o que habilitou Moçambique a ter um estatuto de observador na organização. De observador a membro de pleno direito foram dois passos!
No que se refere a outra ex-colonia portuguesa, Angola, a história não parece ter sido tao facilitada. A Grã-Bretanha teve e tem estado a ‘esforçar-ser para conquistar Angola como seu parceiro, visto que Angola tem muscultura suficiente para escolher seu parceiros ao contrário de Moçambique, que tem uma politica externa dependente, subservente e reactiva!
Angola e Moçambique são países que detinham posições estratégicas importantes no seio da ex-Linha da Frente e as mantém na SADC tendo ambos desempenhdo um papel útil e crucial no apoio das lutas de libertação no Zimbábwe, Namíbia e na África do Sul, considerados últimos bastiões da colonização em África e quiça no mundo.
Aliás foi o papel que Fernando Honwana e sua equipa de negociadores, a mando de Samora Machel e quiçá de Moçambique desempenhou na solução da ‘Questão Zimbabweana’ que se iniciou o ‘namoro’ diplomático que terminou com a passagem de Moçambique para a esfera da Grã-Bretanha.
Sem Machel, Mugabe não teria aceite assinar os acordos de Lancaster House nos termos em que assinou, adiando resolução da questão de terras. Angola e Moçambique, são vizinhos de países falantes da língua inglesa, antigas colónias britânicas, e membros da mesma organização económica regional, a Southern African Community Development (SADC).
“Falando a mesma língua” com estes Estados, a comunicação se torna fácil, a convergência de interesses torna-se também fácil, e a Gra-Bretnha se torna mais “amiga” da região, um ganho em todos os sentidos, mas com destaque à questão de esferas de influência.
Se bem que, segundo Joaquim Chissano, Moçambique tem como um dos seus princípios orientadores, a “busca de novos amigos, sem perder velhos amigos” e “ a tentativa de expansão de interesses pelo aprofundamento mútuo (…), bem como a aliança na base desses interesses (…)” , a Grã-Bretanha seria sempre bem vinda!
E foi o que aconteceu! O “casamento” entre estes Estados se celebrou formalmente em 1995, com a entrada de Moçambique na Commonwealth. A partir deste “casamento”, Moçambique tem beneficiado de apoio ao seu desenvolvimento e, em contrapartida, a Grã-Bretanha tem este país como fazendo parte da sua ‘esfera de influência’. A língua inglesa já se aprende desde o ensino primário.
Mas as relações entre os dois países nem sempre foram cordiais. Momentos houve em que as duas partes se ‘degladiram’, como o foi quando o então embaixador Britânico em Maputo sugriu a mudança de nome da Avenida que passa em frente da Chancelaria Britânica em Maputo (Avenida Vladimir Lenine) alegando inter alia (e citamos de memória) ‘que Lenine nunca estivera em Moçambique, enquanto que Churchill havia se refugiado naquelas intalações (quando fugia da guerra Anglo-Boer).
Por outro lado, importa salientar que a Grã-Bretanha tem ainda muitos interesses económicos salvaguardados e muitas possibilidades futuras.
A consistente permanência deste país como o número dois (tendo recentemente sido ultrapassado pela China) ou três na lista dos maiores investidores bem como o papel de liderança na lista dos parceiros de cooperação económica, e fazendo parte dos G19, (Grupo de Países de Apoio ao Orçamento) e a posição cimeira de companhias com capital britânico na lista das 100 maiores empresas de Moçambique (editada pela KPMG), como são os casos da (Mozal, BP Amoco, Shell, Crown Agents, PWC, KPMG, P&O, Land Rover, Uniliver, Port of Liverpool, CDC, Intertek, WSP, Lonhro, Aquifer, Barlows, British American Tobacco, Scott Wilson, Rio Tionto, Roughtons, ED&F Man, British Geological Survey, Bactec and Turner and Townsend entre outras), a visita do Primeiro Ministro Britânico a Moçambique, Tony Blair (2002) e do então Chancellor do Exchequer (Ministro das Financas 2004) e actual Primeiro Ministro Gordon Brown, Baronesa Amos, Ministro Kim Howels, Hilarry Benn (DFID 2003 e 2006) as várias visitas de membros da Coroa Britânica a Moçambique, incluíndo da Rainha (1999), da Princesa Anne (Patrona da Save Children) e os príncipes herdeiros, Harry (nos seus vai-e-vens ao Lesotho) e William e a actual visita do Ministro para África, mostram o interesse estratégico, político, simbólico e económico que Moçambique tem para a Grã-Betanha.
Do lado Mocambicano há a salientar as visitas do presidente Chissano no ano 2000 e 2001 (Chequers), Ministro dos Negócios Estrangeiros Leonardo Simao (Wilton Park 2003), Primero Ministro Pascoal Mocumbi (2003), Presidente Guebuza (2007).
De acordo com dados disponíveis no ‘Official Development Assistance to Mozambique Database’ (http://www.odamoz.org.mz/reports/indexsub.asp) o total de apoio a ser desembolsado pelo Reino Unido a Mocambique no periodo 2005-2011 equivale a ($772.461.818) montante apenas superado pelos ($845.761.779) da USAID, fazendo do Reino Unido o segundo doador bilateral mais importante de Moçambique, depois dos EUA.
Em 2005, o Reino Unido com ($78.395.833) aparece em segundo lugar, sendo superado apenas pela Suécia ($78.971.158), enquanto que nos seguintes anos (2006-2007) volta a liderar a tabela com ($171.597.169 e $122.271.496) respectivamente. No bienio 2008-2009 regista-se uma redução acentuada da ajuda britanica a Moçambique, sendo superada tanto pelos EUA ($191.836.674) como pela Suécia ($113.847.787). Entretanto preve-se que a Grã-Bretanha volte a liderar a tabela no bienio (2010-2011).
Esta incursão permite-nos afirmar com alguma solidez que Moçambique e um parceiro importante da Grã-Bretanha, e também que a Grã-Bretanha e o parceiro mais consistente de Moçambique (tirando o bienio 2008-2009).
Ademais, muitos quadros séniores do Governo, incluindo a Primeira Ministra, o ex- bem como o actual Governador do Banco de Mocambique (incluindo vários membros do actual Conselho de Administração do Banco de Moçambique), membros do parlamento das duas bancadas, bem como membros da oposição e da sociedade civil, empresários, docentes, foram formados no Reino Unido. E outros tantos estão se formando, sem falar dos que acalentam o sonho de se formar naquele país. Um fenómeno interessante é o facto de uma parte considerável dos formados no Reino Unido terem-no feito com bolsas Suecas e ou Americanas!
Conclusão
Neste artigo argumentamos que as relações entre Moçambique e o Reino Unido partem dum quadro histórico bem definido. Foi fácil Moçambique aderir à commonwealth, mesmo não tendo sido colónia da Inglaterra, nem tendo a língua inglesa como oficial, pois a aliança era do interesse de ambos. Países como o Ruanda têm feito lobbies nesse sentido, sem sucesso. Moçambique (e de alguma forma os Camarões) é o único país que não foi colónia britânica mas faz parte da commonwealth.
Os laços entre Moçambique e a Gra-Bretanha têm crescido e se fortificado. Prova disso é a escala a Moçambique do Ministro Britânico para a África, Lord Mark Malloch-Brown, a ter lugar a 9 de Junho do ano corrente (2009) bem como os lugares cimeiros que a Grã-Bretanha ostenta quer como investidor quer como parceiro de cooperação para além das inúmeras visitas de membros da Casa Real e do governo britânico.
Argumentamos também que as relações entre os dois países são assimétricas. A assimetria em termos de fontes de poder entre os dois países caracterizam e determinam sobremaneira o caracter dependente, subserviente e reactivo das relações Moçambique- Reino Unido.
Por último defendemos a controversa tese de que a entrada de Moçambique na Commonwealth, não foi nada mais e nada menos do que a correcção de uma ‘anomalia’ registada durante o processo de colonização Britânica, cuja premissa básica residia no sonho do explorador Britânico Cecil Rhodes de criar um império do ‘Cabo ao Cairo’.
Se bem que “nas relações internacionais não há amizades permanentes, mas interesses”, os males se dissipam quando os ganhos têm sido visivelmente recíprocos.
Será que neste caso os ganhos têm sido recíprocos? Será que Moçambique tem uma estratégia coerente de cooperação com a Grã-Bretanha, com vista a maximizar sua integração na esfera de influência da Grã-Bretanha? Estas e outras, são perguntas que deixamos no ar para reflexão daqueles que se interessam em perceber os contornos que envolvem as relações entre os dois governos, Estados, e povos.
Numa altura em que o Departamento para o Desenvolvimento Internacional prepara um novo White Paper (Livro Branco), a troca de ideias sobre as relações entre o Reino Unido e Moçambique não pode ser adiado nem evitado. Bem hajam as boas relações diplomáticas de cooperação entre Moçambique e o Reino Unido!