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Reina uma anarquia na exploração da madeira em Moçambique

A delapidação de madeira na ordem do dia em Nampula

Um estudo feito pela Universidade Eduardo Mondlane, a maior e mais antiga instituição de ensino superior do país, em parceria com a Agência de Investigação Ambiental, revela que mais de dois terços de toda a exploração madeireira actual é ilegal, para além de exceder os níveis de corte sustentável. Por outro lado, mostra que a actividade tende a crescer a cada ano, tendo aumentado 88 porcento desde 2007.

Por exemplo, o relatório estima em 320 mil metros cúbicos a quantidade de madeira cortada para consumo doméstico e para os mercados internacionais em 2012, excedendo os 90 mil licenciados para o mesmo ano.

Os dados oficiais recolhidos para o relatório também indiciam a existência de exportação ilegal generalizada da madeira, o que pode ser provado recorrendo-se à discrepância entre as quantidades que as autoridades moçambicanas regista(ra)m como tendo sido levadas para o exterior e os registos dos países exportadores.

Por outro lado, o documento acusa o Governo moçambicano de não estar a fazer nada para resolver estes problemas e refere que o país consegue apenas apreender três porcento da madeira ilegal, o que significa que 97 porcento consegue sair dos portos nacionais de forma ilícita.

Saw Lawson, especialista florestal independente que apoiou a UEM na elaboração do estudo, diz que “enquanto os outros países com problemas de exploração ilegal da madeira tomaram medidas nos últimos anos, Moçambique nada fez. Isso é o mesmo que reorganizar cadeiras num navio que está a afundar”.

Receitas

Mais do que dizimar as nossas florestas, a exploração desenfreada e ilegal da madeira está a privar o país de receitas, que Lawson estima em mais de 250 milhões de dólares norte-americanos, que seriam úteis a diversos sectores tais como os da saúde e da educação.

Recomendações

Diante desta situação, as organizações da sociedade civil exigem que o Governo tome medidas urgentes para resolver o problema. Por outro lado, a Universidade Eduardo Mondlane e a Agência de Investigação Ambiental, autoras do estudo, recomendam que o Executivo avance com uma moratória sobre as novas licenças de corte.

Instam ainda que haja transparência, que as informações governamentais relativas ao sector florestal sejam de fácil acesso, que se crie uma agência que fiscalize a aplicação da lei florestal e que a sociedade civil monitore o processo.

“O Governo não pode continuar a negar ou a ignorar o problema, muito menos a dimensão assustadora do mesmo. Há anos que a sociedade civil vem pedindo uma acção urgente, antes que as florestas de Moçambique deixem de existir. Vários estudos foram produzidos, e todos, tanto nacionais como internacionais, chegam às mesmas conclusões, pelo não conseguimos compreender a falta de acção do nosso Executivo”, diz Anabela Lemos, da Justiça Ambiental

China maior exportador

Estudos indicam que a China é o maior consumidor de madeira ilegal cuja exportação é feita por redes criminosas, que agem em conluio com pessoas com forte influência nos países onde ela é explorada, sendo em Moçambique que a maior parte daquele recurso é extraído.

O domínio da China no negócio de madeiras no nosso país vem aumentando desde os anos 90, sendo que em 2001 destronou a África do Sul na lista dos maiores importadores de produtos florestais de Moçambique. De 2000 a 2005, o mercado chinês absorveu 85% dos 430 mil metros cúbicos de toros de madeira que saíram do país.

Entre 2001 e 2010, o valor das exportações deste recurso para a China aumentou de oito para 100 milhões de dólares norte-americanos, sendo que o pau-ferro, mondzo, pau-preto, chanate, jambire e a umbila figuram como as espécies mais procuradas, e são exportadas em toros para aquele país.

Legislação “rica” não impede a exploração ilegal

Com cerca de 41 milhões de hectares de florestas contendo madeira, Moçambique é descrito como um país com legislação florestal rica e que procura, entre outras coisas, proporcionar renda a cidadãos nacionais através da atribuição de licenças simples.

Pesquisadores destacam também a existência de planos de maneio para a exploração sustentável de madeira em concessões florestais e da proibição de exportação de madeira de alto valor comercial em toros.

Por exemplo, o Regulamento de Exportação de Madeira de Primeira Qualidade proíbe a exportação de sete espécies sem processamento, nomeadamente chanfuta, jambirre, umbila, pau-ferro, mecrusse (cimbirre), tanga-tanga e mondzo.

Embora façam parte da mesma categoria, as espécies de madeira sândalo, pau-preto, chacate preto, ébano, inhamarre e pau-rosa podem ser exportadas em toro. O regulamento fixa em 20 porcento a taxa de exportação a aplicar sobre o preço de venda da madeira em bruto e estacas, havendo depois uma graduação das taxas até zero porcento em função da complexidade do seu processamento. Entretanto, “as regras são rotineiramente desrespeitadas”e a exploração ilegal de madeira torna-se comum.

O relatório do sector de actividades florestais da Zambézia, de 2006 ,revela que a quantidade de toros de madeira exportada para a China a partir desta província foi quatro vezes acima do que é permitido anualmente. Sem indicar números, o relatório faz notar que metade da quantidade exportada em 2006 resultou de corte ilegal.

“A intenção de criar uma indústria florestal sustentável em Moçambique está a ser subvertida por comerciantes chineses de madeira e empresas madeireiras, competentemente assistidos por patronos políticos e funcionários corruptos”, acusa um relatório da Agência de Investigação Ambiental, que indica que a china é o maior consumidor da madeira nacional.

Redes fragilizam as instituições do sector da madeira

Quase todas as apreensões de madeira que estava a ser contrabandeada para a China a partir dos portos de Pemba e de Nacala, de 2007 a 2012, foram feitas depois de as empresas terem obtido vistos de exportação, quer dos serviços florestais, quer das autoridades aduaneiras. Alguns carregamentos incluíam madeira cujas espécies são proibidas de serem exportadas em bruto. Depois de pagarem as coimas impostas, as empresas (todas de origem chinesa) foram autorizadas a exportar para a China toda a carga apreendida.

As apreensões documentam o esforço das autoridades moçambicanas de controlar o comércio de madeira no país. Mas o modo informal como actuam alguns intervenientes no processo de exploração e exportação de madeira fragiliza as instituições do sector e cria uma situação de corrupção generalizada.

Por exemplo, as alfândegas chinesas contabilizaram em 2011 a importação de 230 mil metros cúbicos de madeira moçambicana, contra 36 mil metros cúbicos registados pelos serviços aduaneiros nacionais como tendo sido exportados para aquele país.

Ou seja, a quantidade de madeira moçambicana que entrou na China é seis vezes maior do que a declarada junto às Alfândegas de Moçambique. A discrepância nos números resulta da subdeclaração de quantidades de madeira nos portos moçambicanos e da existência de carga falsamente descrita como madeira processada.

Os pesquisadores da EIA dizem ter dados reveladores da forma como a fraude é realizada. Um dos exemplos citados refere-se à dupla declaração de carga. Em Janeiro de 2011 a exportadora Oceanique Lda. declarou às autoridades moçambicanas afectas ao Porto de Nacala que transportava para a China 40 contentores de madeira serrada.

Porém, na declaração apresentada no porto de Shatian, sul da China, a exportadora registou que estava a importar de Moçambique 40 contentores de madeira em bruto, cujas espécies eram pau-ferro, umbila e jambire.

Em Moçambique é proibido exportar em bruto aquele tipo de madeira considerada de primeira qualidade. Isso explica a necessidade que os contrabandistas têm de fazer duas declarações diferentes sobre a mesma carga, sendo uma para o ponto de partida e outra para o de chegada.

Os 40 contentores pertenciam à empresa estatal China Meheco Import & Export Corporation. A exportadora Oceanique Lda. é tida como tendo ligações com a firma moçambicana Madeiras Verde, que tem sido acusada de uma série de violações da legislação florestal em Moçambique.

José Pacheco e Tomás Mandlate apontados como facilitadores

As empresas madeireiras chinesas que operam no país não poderiam desrespeitar as leis moçambicanas tão facilmente sem a conivência de funcionários florestais, alfandegários e dos “poderosos patrões políticos” na teia dos “facilitadores”.

Nomes de José Pacheco, actual ministro da Agricultura e pré-candidato da Frelimo às eleições presidenciais de 15 de Outubro próximo, e de Tomás Mandlate, deputado da Assembleia da República pela bancada da Frelimo e antigo titular da pasta de Agricultura, são apontados como “facilitadores” de negócios de madeira entre as empresas chinesas e as autoridades moçambicanas.

Disfarçados de compradores de madeira, os investigadores da EIA visitaram e conversaram com operadores chineses na Beira e em Pemba, em Setembro de 2012. O objectivo das visitas no terreno era verificar o nível actual de exportações ilegais de madeira para a China, e procurar aproximar-se de algumas empresas envolvidas no negócio ilícito.

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