Em tempos, quando se falava do distrito de Chókwè, uma das coisas, senão a única, que nos ocorria era a imagem de uma zona totalmente coberta de verde, de uma área que podia ter todo o tipo de problemas, menos o da alimentação. Hoje, embora o distrito produza o suficiente para o seu consumo e para a comercialização, já não consegue fazer jus ao nome que lhe foi atribuído no passado, o de Celeiro da Nação.
Para além de ser um distrito potencialmente agrícola, Chókwè tem a vantagem de ser atravessado pelo rio Limpopo – que dá vida ao regadio –, condições que, aliadas à entrega dos seus habitantes, fizeram com que ele fosse responsável pelo abastecimento dos principais mercados do país e alguns da região.
O cenário actual é de (total) subaproveitamento. O seu regadio tem cerca de 23 mil hectares, mas, actualmente, apenas sete mil é que estão a ser explorados, correspondentes a 30,4 porcento.
Este quadro (negro) começou a desenhar-se a partir do ano 1978, quando começaram a surgir diversos problemas no sistema, desde infiltrações e erosão interna da barragem, sabotagem da barragem de Macarretane durante a guerra do Zimbabwe, falta de água no regadio até a falência do CAIL (Complexo Agro-Industrial do Limpopo) e da SIREMO (Sistema de Regadio Eduardo Mondlane). Mas o mesmo agudizou-se com as cheias do ano 2000.
Depois das cheias, que destruíram por completo o regadio, o grande desafio para as autoridades foi/é reconstrui-lo, o que não é tarefa fácil. Esta operação irá terminar, segundo o programa, nos próximos dois anos.
Na última campanha agrícola (2010/2011), houve um fracasso no que diz respeito à produção. Dos sete mil hectares previstos para o cultivo, foram explorados apenas quatro, situação atribuída à chegada tardia dos fundos e às chuvas acima do normal.
Contribuíram também para o insucesso os problemas de dragagem do regadio. Recentemente, foi lançado um concurso para a reabilitação de mais sete mil hectares. A efectivar-se, o regadio passará a contar com 14 mil hectares totalmente disponíveis.
Em relação a este aspecto (drenagem), o Governo central, através do Ministério da Agricultura, adquiriu seis escavadoras de lança comprida, um bulldozer, oito automotoras e seis tractores e respectivas alfaias. No total, o distrito possui mais de 30 tractores, incluindo os pertencentes a privados.
A aquisição das escavadoras é vista como tendo sido o principal ganho para o regadio pois a drenagem era o principal problema com que os agricultores se debatiam, e os resultados já são visíveis: boa parte do regadio já foi drenada, para além de que a mesma – a drenagem – passa(rá) a ser contínua.
Diferentemente de outros distritos da província de Gaza que registam bolsas de fome, o distrito de Chókwè é auto- -sustentável e consegue abastecer alguns mercados, nomeadamente os de Xai-Xai, Macia, em Gaza, e Zimpeto, na capital do país, em hortícolas, feijão e batata.
Previsões para a época agrária 2011/2012
Para a presente campanha agrária (2011/2012), o distrito prevê uma produção global de 286.126 toneladas de culturas diversas, o que corresponde a um crescimento de 7 porcento em relação à campanha 2010/2011, em que foram produzidas 259.027 toneladas de alimentos. O plantio destas culturas será feito numa área de 74.365 hectares, que inclui o sector familiar. Na última campanha agrária, foram produzidas 153.154 toneladas de cereais, 8.777 de culturas leguminosas, 42.960 de tubérculos e 54.136 de hortícolas.
O pico de produção do Regadio de Chókwè no período pós-independência foi atingido em 1980, quando foram colhidas mais de 46 mil toneladas de alimentos numa área de 20.000 hectares, o que corresponde a uma média de 2.3 toneladas por hectare.
No período antes da independência, o ponto mais alto foi entre os anos 1974/75, com uma produção de 80 mil toneladas, uma média de quatro toneladas por hectare.
Produtores dizem-se abandonados
Se para alguns a reabilitação do Regadio de Chókwè significa o fim dos problemas e, consequentemente, o reaparecimento do distrito como principal produtor de cereais e hortícolas do país, os agricultores vêem-na apenas como uma parte da solução. Para eles, é necessário olhar também para a questão do financiamento.
A lista das preocupações deste grupo é extensa, mas a principal dificuldade tem a ver com os preços de sementes, fertilizantes e meios de escoamento. “Deviam subsidiar o custo das sementes e criar mecanismos de fixação de preços. Quando vamos vender os nossos produtos os armazenistas é que fixam os preços”, dizem.
O processo de produção é muito complexo e oneroso. Primeiro, é preciso limpar o terreno (período da lavoura), o que os obriga a alugar tractores. Os privados cobram 2.400,00 meticais por hectare, contra os 2.000,00 meticais cobrados pela HICEP (Hidráulica de Chókwè), empresa criada pelo Estado para a gestão do regadio. Já no período da gradagem, a HICEP cobra 1000,00 meticais por cada hectare.
Quem não puder alugar um tractor pode optar por contratar pessoas para fazer a limpeza, que cobram 70,00 meticais por cada canteiro. No período da sementeira, o valor atinge os 100,00 meticais por cada hectare.
A seguir à limpeza, têm de comprar sementes, adubos e insecticidas. No mercado local, um saco de 50 quilogramas de adubo custa 1.600,00 meticais. Em relação às sementes de arroz, os produtores contam com o apoio de uma fábrica de produção e descasque de arroz, a MIA.
Só que este apoio é tido como “insustentável pois a empresa exige que, no fim da colheita, cada produtor devolva o dobro da quantidade de sementes disponibilizadas”, o que significa que, quem pedir 50 quilogramas de semente de arroz tem de devolver 100.
Mas o dilema não termina por aqui. Devido às dificuldades, há culturas que não chegam a crescer. Esta situação é atribuída à falta de adubos e pulverizadores. “Os pulverizadores são caros. Somos obrigados a preparar o adubo em recipientes tais como latas, o que coloca em risco a nossa saúde pois o adubo é um produto químico”.
“Não há meios para escoar os produtos”
Enquanto noutros pontos do país a produção é comercializada nos países vizinhos devido à falta de vias de escoamento, em Chókwè o cenário é diferente. Os produtores não se queixam das vias, mas sim dos meios.
Os poucos que existem praticam preços exorbitantes, fazendo- se valer da lei da procura e oferta segundo a qual “quanto menor for a oferta, maior é o preço”. Os camionistas cobram em média 5.000,00 meticais para levar os produtos até ao mercado de Palmeiras (distrito da Manhiça), o mais próximo.
“Só praticamos a agricultura para não morrermos à fome”
A falta de protecção e de uma política de fixação de preços levam os produtores do Regadio de Chókwè a afirmar que a actividade é insustentável e que praticam-na porque não têm alternativa.
“Vontade de trabalhar é que não nos falta, mas as circunstâncias levam-nos a pensar que dificilmente podemos olhar para esta actividade (agricultura) como arma na luta contra a pobreza, tão propalada pelo Presidente da República. Produzimos mas os preços não compensam”, afirmam.
A título de exemplo, evocaram o facto de não serem eles a fixarem o preço. Este é fixado pelos compradores. No caso do arroz, uma cultura cuja produção é dispendiosa, os armazenistas pagam 8,70 meticais, valor que está aquém do investimento que eles – os produtores – têm de fazer.
“O preço ideal – do arroz – seria, no mínimo, quase o dobro desse valor, ou seja, 15,00 (quinze) meticais. A actividade não é rentável. Se ao menos o Governo subsidiasse o custo das sementes, fertilizantes e disponibilizasse tractores ou juntas de bois, a situação podia melhorar”.
Na sua (humilde) opinião, o Governo podia, ao menos, intermediar esta relação entre o produtor e o mercado. “No fim, acabamos por vender porque, primeiro, não podemos deixar os alimentos apodrecerem no celeiro e, segundo, porque os nossos filhos precisam de ir à escola, de vestir, etc.”.
O governo distrital tem conhecimento destes problemas pois este tem mantido encontros (quase que) regulares “para auscultar as nossas inquietações e algumas têm sido resolvidas. Já temos energia, água, tractores e muito mais. Mas é necessário que o Governo preste mais atenção ao sector agrícola”.
“Temos medo dos Sete Milhões e do crédito bancário”
Chókwè, para além de ser um dos distritos beneficiários do Fundo de Desenvolvimento das Iniciativas Locais, vulgo Sete Milhões, possui cerca de uma dezena de instituições bancárias, entre comerciais e de crédito, impulsionados pelo nível de desenvolvimento que aquela parcela do país está a registar.
A presença destas instituições abre espaço para que a questão do financiamento deixe de fazer parte do rol das dificuldades dos produtores daquele distrito, mas parece estar a encontrar vários obstáculos, dentre os quais a questão da insustentabilidade dos juros.
Produtores por nós ouvidos foram unânimes em afirmar que não pedem empréstimos porque, por um lado, os juros são altos, e, por outro, porque a actividade agrícola não é rentável, devido às razões acima referidas.
Leonor Chaúque, produtora de arroz, diz que prefere não se “envolver” com os bancos porque, para além de não ser rentável, a actividade é imprevisível. “É normal, sempre que chove, os campos ficarem alagados, quando isso acontece a época é dada como perdida. Os bancos só querem que tu reembolses o valor nos prazos acordados, não querem saber se a colheita foi ou não satisfatória”, diz.
“Mas o mais preocupante é a taxa de juros praticada pelos bancos. Eu não posso pedir cem mil meticais para pagar, por exemplo, uma taxa de 20%. Prefiro sacrificar-me e se fracassar não terei de prestar contas a ninguém. Gostaria de pedir um empréstimo, mas não nestas circunstâncias. Há pessoas que contraíram dívidas junto aos bancos e não conseguiram reembolsar o valor e sofreram as consequências”, concluiu.
Leonor diz que consegue colher, no fim de cada época, cerca de 80 sacos de arroz por hectare, “mas o dinheiro proveniente da venda não cobre nem sequer metade do valor que eu gasto”.
Em relação aos Sete Milhões, os produtores afirmam que o tempo que se leva para se ter acesso ao valor é muito. “Se eu submeto o projecto em Agosto é porque preciso do dinheiro para usar no mês seguinte para poder adquirir sementes e pagar a limpeza do terreno. Mas o projecto leva mais de um ano a ser analisado e, por vezes, não é aprovado”, disse José Maridze, outro agricultor por nós interpelado.
No seu entender, a questão da demora deve-se às prioridades – pouco claras – definidas pelos responsáveis pela gestão do fundo, neste caso os conselhos consultivos, e ao que chamam de favoritismo. “Eles sabem que na agricultura o factor tempo é determinante. Não posso receber o dinheiro a meio da época”, acrescenta.
Taxa de água pode(rá) aumentar
Entretanto, os produtores do Regadio de Chókwè terão mais motivos para se queixar. É que a taxa de água que eles têm de pagar por época irá ser revista num futuro próximo.
Segundo Alberto Banguine, director técnico da HICEP, a actual taxa é subsidiada pelo Estado devido ao estado de degradação em que o regadio se encontra, “mas assim que ele estiver totalmente reabilitado, irá ser cobrada a taxa efectiva”. Para tal, irá ser contratada uma empresa de consultoria que irá determinar o valor que os produtores terão de pagar.
Actualmente, os produtores pagam 550,00 meticais na época de produção de arroz e 250,00 meticais na das hortícolas, o que totaliza 800,00 meticais por ano.
Alguns produtos ( venda em Chókwè) provêm de outros pontos do país
Numa ronda que efectuámos pela cidade de Chókwè pudemos verificar que alguns produtos que ali estão à venda provêm de outros distritos da província de Gaza e, nalguns casos, de outras províncias. São os casos do milho e do carvão.
No caso do milho, este é adquirido na cidade de Chimoio (Manica) e no distrito de Guijá (Gaza) ao preço de 150,00 meticais e comercializado em Chókwè a 180,00 meticais.
Já o carvão custa entre 300 e 500,00 meticais o saco de 50 e 100 quilogramas respectivamente, contra o preço de 750,00 meticais actualmente praticado na cidade de Maputo. Este combustível é proveniente do distrito de Massingir e chega àquele local através de camiões.
Fora o carvão e o milho, todos os produtos que são comercializados na cidade de Chókwè provêm do regadio, nomeadamente o repolho, a cebola, o tomate, o pepino, o feijão, o alho, entre outros.
Outras actividades
A agricultura é a actividade principal e envolve a maioria das famílias locais. As mais importantes culturas alimentares do sector familiar são o milho (o mais cultivado), arroz, mandioca, amendoim, batata-doce e feijão.
As pragas, cheias, falta de sementes, alfaias agrícolas e da tracção animal, e precipitação irregular são os obstáculos de maior peso que os produtores enfrentam.
Para além da agricultura, os 193.000 habitantes dedicam-se também à pecuária (criação de gado bovino, ovino e caprino), exploração de lenha e carvão vegetal e pesca da tilápia (no rio Limpopo e lagoa Chinangue).
Na pecuária, a principal preocupação está ligada ao roubo de animais, que envolve comerciantes provenientes da cidade de Maputo, em conivência com residentes locais. Segundo as autoridades, “eles abatem e esfolam os animais e levam a carne para os mercados da capital. Isso é feito normalmente durante a calada da noite”.
No que diz respeito às condições climatéricas, as previsões meteorológicas sazonais para o período chuvoso e ciclónico 2011-2012 apontam para chuvas abundantes em Moçambique, o que constitui um bom sinal para a presente época agrária.
De acordo com o director do Instituto Nacional de Meteorologia (INAM), Moisés Benessene, para o período que vai de Outubro a Dezembro de 2011 espera-se a ocorrência de chuvas normais com tendência para abaixo do normal, na maior parte do país, à excepção da província de Cabo Delgado e a parte norte das províncias de Niassa e Nampula, onde estão previstas chuvas normais com tendência para acima do normal.
Já no período que vai de Janeiro a Março de 2012 espera-se a ocorrência de chuvas normais com tendência para acima do normal para a maior parte do país com excepção das províncias de Cabo Delgado, Nampula e parte nordeste da província da Zambézia.
O director do INAM precisou que estas condições fazem prever uma boa produção agrícola para todo o país, excluindo apenas as províncias de Cabo Delgado, Nampula, leste do Niassa e nordeste da Zambézia.
Historial do Regadio de Chókwè
O programa de transformação de Chokwè no celeiro do país foi implementado nos primeiros anos da independência e era gerido pelo Estado através do Complexo Agro-Industrial do Limpopo. Na altura estavam reunidas as condições para uma boa produção, tais como o uso intensivo de insumos agrícolas, de equipamento e forte irrigação. Os resultados não foram consistentes e por diversos motivos o programa fracassou.
O regadio está dotado de infra-estruturas de irrigação e drenagem, obras de defesa contra as cheias do rio Limpopo e pistas para a circulação interna e encontra-se dividido em 10 zonas hidroagrícolas e por diques, constituindo uma das maiores obras de engenharia civil construídas em Moçambique.
As suas dimensões não encontram paralelo com qualquer outra obra hidroagrícola, tanto no país como na região da África austral. O regadio está ligado à barragem de Massingir, cujo estudo de viabilidade assenta na garantia da campanha de arroz na época quente e na possibilidade duma segunda campanha.
O empreendimento foi construído nos anos ´50 e funcionou regularmente até 1974. A construção da barragem de Massingir iniciou em 1972, para fazer frente à seca que se registara na década de ´60. Depois da independência, verificou-se a entrada de um grande número de camponeses, reduzindo a taxa média de terra irrigada por agricultor.
Em 1977, a estrutura de gestão do regadio mudou radicalmente. O colonato foi desfeito, criando-se, no seu lugar, o Complexo Agro-Industrial do Limpopo (CAIL) que ocupou 21.000 ha, ficando a restante área entregue a cooperativas e uma porção insignificante (250 ha) a privados. A gestão das infra-estruturas hidráulicas passou a uma empresa estatal, designadamente o Sistema de Regadio Eduardo Mondlane (SIREMO). Deu-se aqui a separação das duas componentes (hidráulica e agrícola) que até agora se mantém.
Neste momento, o regadio é gerido pela Hidráulica do Chokwè, EP (HICEP), cujo objecto principal é a “gestão da água, a conservação das infra-estruturas hidráulicas e a representação dos utentes na administração, operação e manutenção dessas infra-estruturas em todo o perímetro de Chokwè”.