O que acontece se fizermos de conta que nada aconteceu nas Linhas Aéreas de Moçambique? Que não houve invulgaridades nos voos cancelados e que os atrasos de mais de oito horas de tempo são coisa normal. Que é normal não haver combustível no país. Que o anormal mesmo é ter um plano B.
Façamos de conta que o Mundial de Hóquei em Patins será em Maputo e não na Argentina. Que os atletas moçambicanos estão preparados para os Jogos Africanos. Que os empreiteiros já entregaram a Vila Olímpica. Que não há barulho no concurso público para mobiliar os apartamentos e que foi aumentado o orçamento do COJA.
Façamos de conta que Zucula é um ministro fenomenal. Que não há carrinhas de caixa-aberta a circular no coração dos bairros de Maputo. Que essas mesmas carrinhas nunca invadiram a cidade de pedra (leia-se Polana Cimento).
Que não é uma tarefa hercúlea chegar a casa depois de um dia de trabalho. Que os Transportes Públicos, para além de serem eficazes, são um orgulho para os moçambicanos. Façamosde conta que o país é uma maravilha.
Façamos de conta então que é de aceitar a tese do Presidente da República, segundo a qual no país a pobreza vem sofrendo duros golpes. Façamos de conta que aceitamos o rótulo de povo especial que, nas Presidências Abertas, Armando Guebuzanos distingue.
Também façamos de conta que não é absurdo o custo de vida e que o Executivo tem dado mostras de estar numa excelente posição para enfrentar a crise dos transportes devido aos prodígios administrativos que lhe reconhecemos. Façamos de conta que, como afi rma o PR, tudo isto não passa de uma invenção dos apóstolos da desgraça.
Façamos de conta que a “Cesta B(Fr)ásica” foi apenas o título de uma peça de teatro do Gungo para encenar acções sobre uma eventual crise num país tipicamente africano.
Façamos de conta que o FMI se pronunciou sobre a situação dos megaprojectosem Moçambique considerando-a da melhor que há no Mundo. Façamos de conta que Jorge Kalau nunca disse que a PRM “irá reprimir qualquer manifestação”.
Façamos de conta que oProcurador Geral da República, Augusto Paulino, está preocupado com o “enriquecimento ilícito”. E o Partido no poder também.
Suponhamos que, neste pais, o direitos humanos dos cidadãos prevalecem acima do exercício do monopólio da violência do Estado e da força repressiva desproporcional por parte dos agentes policiais, de modo que nenhum cidadão seja brutalmente espancado por homens fortemente armados e com carta branca para andarem aos tiroteios indiscriminados em áreas residenciais e nas redondezas de espaços públicos densamente povoados.
Façamos de conta que vivemos num verdadeiro Estado de Direito, ondenão épossível que um indivíduo legalmente incapacitado de exercer a direcção de um órgãotãosensível como a Polícia de Investigação Criminal seja indigitado para o cargo permanecendo, serena, intocável e impavidamente, por meses inteiros, sob nomeação assumidamente consciente, responsável e competente de um ministro do Interior que deveria ser o zelador-mor da legalidade em Moçambique…
Assumamos que, neste país, o espírito e a letra das leis estejam efectivamente a ser cumpridas. Que os milhões de cartões SIM, até hoje não registados, estejam jádesactivados.
Que as cartas de condução cor-de-rosa estejam já banidas e que as ajudas de custo excedentárias e ilegais que os funcionáriospúblicos vinham recebendo, até hoje, quando deslocados em missão de serviçonão tivessem passado devido à vista grossa de quem de direito, de forma deliberada e sistemática, por anos e anos…
Como na prática acontece exactamente o contrário, o melhor mesmo é fazermos de conta que isto é um Estado. Assim, talvez quando os ‘vândalos’ se fartarem de fazer de conta será a vez de quem nos (des)governa viver num mundo imaginário…
PS: “O país está à deriva, no alto-mar da incerteza, do caos e do descalabro total e completo, mas nem o almirante-mor, os capitães dos navios da incompetência ou os marinheiros da irresponsabilidade sistemática parecem estar interessados em emitir o derradeiro e desesperado grito de socorro.
Naufragaremos todos nas águas turvas de uma governação tristemente incipiente, perigosamente desorientada e manifestamente demagógica, todos nós indiferentes, incapacitados, cúmplices ou amordaçados, segundo a vontade suprema, prepotente, exclusiva e arrogante dos “donos” deste país.