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Quelimane: Uma cidade parada no tempo

Quelimane: Uma cidade parada no tempo

À mercê de promessas eleitorais – na sua maioria incumpridas -, Quelimane está entregue a sua própria sorte. Estradas esburacadas e de terra batida, falta de iluminação eléctrica e um sistema de saneamento eficaz em alguns bairros dão à cidade um aspecto de abandono, e não só. Também o crescente nível de desemprego e miséria ofusca a perspectiva de um futuro melhor para os mais jovens.

Os enormes palmares e as estradas inundadas de inúmeras bicicletas são as primeiras imagens que nos vêm à cabeça quando o assunto é a capital da Zambézia, a quarta maior cidade de Moçambique. Mas Quelimane, como se sabe, é conhecida por um terceiro motivo, além dos coqueiros, da famosa galinha à zambeziana e da mukapatha: tem o maior carnaval do país e, ainda, é chamada de “pequeno Brasil”.

Localizada no rio dos Bons Sinais – a 20 quilómetros do oceano Índico –, Quelimane, diga-se, parece não ter resistido à passagem de tempo, apesar de, nos últimos anos, ter assistido a alguns espaços da cidade a ganharem um novo fôlego, transformando-se em locais de serviços, habitação e lazer. Estradas esburacadas e de terra vermelha são alguns dos aspectos que a caracterizam e fazem dela um centro urbano com característica de uma simples vila. Aliás, de “pequeno Brasil”, só tem o nome. Ela continua com a imagem de uma urbe votada ao abandono. Há quase 10 anos que a vida mantém-se estática para os munícipes, pois o desenvolvimento económico e social permanece eternamente adiado. A cidade tem como o porto uma das principais actividades económicas.

A população cresceu e, com efeito, o nível de problemas económicos e sociais subiu. Com uma área de 117 km2, o número de habitantes passou de pouco mais 150 mil em 1997 para 185 mil em 2003. Segundo o Censo de 2007, presentemente o município conta com mais de 190 mil residentes. Devido ao crescimento demográfico, a cidade mostra-se saturada. Os bairros periféricos formam enormes cinturões de miséria, fruto de um crescimento desordenado. Para os moradores, o subúrbio de Quelimane sempre foi um lugar tremendamente assustador, sobretudo no período da noite. O policiamento é raro e há cada vez um crescente número de assaltos a residências e aos transeuntes.

Aliás, a maioria dos bairros suburbanos, e não só, reúnem praticamente todos os defeitos que uma cidade pode ter. As ruas não têm asfalto, são de terra batida, e alagam-se quando chove. Algumas zonas não possuem postos de saúde e os moradores têm de percorrer pelo menos dois quilómetros para obter assistência médica na unidade sanitária mais próxima. Grande parte das casas, a água canalizada e a energia eléctrica são obtidos apenas com uma ligação clandestina.

Poucas são as habitações que possuem latrinas melhoradas. O fecalismo a céu aberto nos mangais tem sido a solução de muitas famílias. Ou seja, em muitos casos, os detritos correm a céu aberto. Como não há recolha regular de lixo e um sistema de esgoto, os moradores servem-se do rio Bons Sinais e dos seus afl uentes, além de fazerem covas nos seus respectivos quintais. As casas, algumas de material precário, são erguidas em terrenos parcelados pelas autoridades municipais.

Em algumas artérias da cidade, o lixo tomou de assalto, revelando a inefi ciência do Conselho Municipal. Tendo em conta os sinais de total abandono em que se encontram as estradas, alguns edifícios e alguns bairros periféricos, a impressão com que se fi ca de Quelimane é de que nada foi feito para melhorar a urbe de modo a proporcionar o bem-estar aos citadinos.

Enquanto a periferia vai ficando inchada e mais pobre, o centro do município revela a necessidade de introdução de novos conceitos de habitação, mas não esconde a deterioração da mesma. Um pouco por todo lado da urbe é possível ver obras de construção e de reabilitação de alguns espaços num ritmo deveras acelerado e noutros casos nem por isso. A cidade cresce de forma horizontal, sobretudo na zona do bairro Floresta onde todos os dias emergem algumas moradias, apesar das autoridades municipais não apresentarem um plano de urbanização viável para responder ao crescimento.

Os sinais de abandono estão estampados um pouco por toda a parte e não é só constatada no estado das ruas, mas também das infra- -estruturas e alguns edifícios importantes da cidade. Construída à beira-rio, a antiga catedral de Quelimane – outrora um dos cartões da cidade – continua abandonada a sua própria sorte. Todas as vias de acesso ainda não ganharam semáforos, algumas têm asfalto e outras continuam esburacadas e de terra batida. O tráfego rodoviário está mais intenso, reinando a anarquia dos ciclistas e dos automobilistas. A quantidade de veículos aumentou, e o número de bicicletas (o principal meio de transporte dos munícipes) quintuplicou nos últimos anos, inundando a cidade. São aproximadamente 18.840 bicicletas contra 1.630 viaturas.

O grande desafio dos munícipes

Em Dezembro próximo, os munícipes enfrentarão o duplo desafio de eleger o homem certo e capaz de conduzir a bom porto, e não permitir que o crescimento económico da urbe e o desenvolvimento social dos quelimanenses continue eternamente adiado. As eleições intercalares marcadas para o dia 7 tornaram- se no principal assunto de conversa nas ruas de Quelimane.

A pouco menos de dois meses para as eleições autárquicas intercalares, mudança tem sido a palavra de ordem para os munícipes de Quelimane. “A cidade precisa de uma nova imagem e, para isso, as pessoas têm de optar pela mudança. Não se justifi ca que a urbe continue neste estado em que está: lixo por todos os lados, estradas sem asfalto, problemas de água e falta de iluminação em algumas vias”, diz o artista plástico Felisberto Domingos. Para o professor Arlindo José Alfainho, os “machuambos” precisam de um edil que se identifique com os problemas do povo. “Queremos um presidente que não fique apenas no uso da palavra, à semelhança do anterior edil que apenas enchia os eleitores de promessas”, afirma.

Os munícipes de Quelimane querem melhorias e têm direito a isso. O estado em que se encontra a cidade incomoda tanto a classe média, alta e a edilidade assim como os habitantes dos bairros suburbanos paupérrimos, Diga¬-se, a sua maioria sairiam da cidade para outros pontos do país mais bem assistidos, se pudessem.

69 anos e os problemas de sempre

Quelimane é a capital e a maior cidade da província da Zambézia. Administrativamente é um município com um Governo local eleito, e constituído por postos administrativos urbanos. O número total de agregados familiares é de 41.804, distribuídos em diversos bairros. A maioria da população é do sexo masculino (99 mil contra 94 mil do sexo feminino).

No ano em curso, Quelimane celebrou, a 21 de Agosto, 69 anos de elevação à categoria de cidade, debatendo- -se, à semelhança de outras capitais províncias em crescimento, ainda com problemas sociais e económicos de diversas ordens. Mas o município orgulha-se de ter o maior carnaval de Moçambique e um dos maiores festivais de praia denominado Festival de Zalala. O clima de festa sem precedentes que se vive durante a realização desses dois eventos culturais fazem da cidade um local invulgar.

A criminalidade e a falta de saneamento básico são algumas questões que preocupam os residentes. Muitas famílias vivem sem as mínimas condições de higiene, mas a manifestação mais preocupante verifi ca- -se no campo de segurança dos moradores. Os bairros como Torrone Velho e Chirangano são considerados os mais problemáticos, sobretudo no que respeita aos crimes possuindo os índices mais elevados da cidade. Se até há pouco tempo era normal sair durante a noite, hoje não se pode dizer o mesmo, uma vez que correm o risco de ver um parente ou conhecido ser assaltado ou assassinado por marginais. Os populares vivem em pânicos, quando anoitece pois torna-se perigoso passar por ruas pouco iluminadas. Quase todos os dias, há relatos de roubos de carteiras, telemóvel e outros bens pessoas.

Há 69 anos de elevação à cidade, apenas 5.3 porcento da população do distrito de Quelimane têm acesso à água canalizada dentro de casa, 14 fora de casa, 10 bebem água do poço, enquanto cerca de 66 tem acesso a um fontenário. De um total de 41.804 agregados familiares existentes na cidade, apenas aproximadamente 36 porcento tem a electricidade como fonte de energia e 50 utiliza petróleo de iluminação.

O distrito dispõe de 11 unidades sanitárias, nomeadamente um Hospital Provincial, nove Centros de Saúde e um Posto.

Diversão e lazer

Com uma das melhores cozinhas do país, Quelimane é uma das poucas cidades moçambicanas que se pode orgulhar da sua gastronomia à base de coco e caracterizada pelo apelo que faz aos paladares mais exigentes. Com um património rico e variado, tem como pratos principais a galinha à zambeziana, mukapatha e mukuane.

Mas se procura por diversão durante a noite, só nos finais de semana. Esqueça bar com música ao vivo, pois é coisa rara nesta cidade. As discotecas são os principais pontos de encontro. “Sétimo Nível”, “Ferroviário” e “Coco” são as mais badaladas casas nocturnas frequentadas por pessoas de classe média e alta. Existem outros espaços modestos e recatados espalhados pela urbe.

À semelhança de outros pontos de país, em Quelimane o negócio de sexo é uma realidade e ganha vida na calada da noite, embora não de forma exposta. As discotecas têm sido os locais onde se perscrutam os potenciais clientes. Também ao longo dos passeios, sobretudo próximo das casas nocturnas, algumas jovens mulheres posicionam prontas para o trabalho. Os preços variam. Partem de 200 meticais. Durante o dia, as opções de lazer e diversão são quase escassas.

Bicicletas da sobrevivência

O desemprego é a principal preocupação da juventude de Quelimane. O negócio informal tem sido o refúgio da maioria, outros optam por exercer actividades menos qualifi cadas. Até porque o que importa é ganhar dinheiro para o sustento diário. E o que dizer do salário? Para atingir o rendimento mensal de quem aufere um a dois salários no mercado formal, precisa trabalhar durante quase três meses.

Gustavo Maciel, de 25 anos de idade, nasceu em Gurué, província da Zambézia. Vive em Quelimane há seis anos. Deixou a sua terra natal em busca de uma oportunidade de emprego. Sem escolaridade ou formação técnico-profi ssional, começou a trabalhar como empregado doméstico durante oito meses. “Não gostava do trabalho que fazia porque muito pouco. Ganhava 450 meticais mensais, então decidi abandonar o emprego e comecei um negócio”, conta.

Volvidos três mês, Gustavo viu o seu negócio – e único meio de sobrevivência – desmoronar. Sem emprego e dinheiro para pagar a renda de casa no valor de 300 meticais, decidiu por abraçar a carreira de taxista. Todos os dias, aluga, das 5h00 às 21h00, uma bicicleta ao preço 80 meticais para exercer a sua actividade. Diariamente, graças ao trabalho, em média, amealha 160 meticais – nos dias de pouca procura – e 300 quando a demanda é maior.

A cidade está inundada de bicicletas que garantem o transporte urbano de passageiro. A actividade é praticada por indivíduos de diferentes idades. Alguns alugam os veículos e outros usam os seus próprios meios. Uma viagem custa cinco meticais e quando a distância é longa o preço sobe para 10.

 

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