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Quando Tânia Tomé Conversa(r) com a Sombra!

Quando Tânia Tomé Conversa(r) com a Sombra!

O que acontece quando, em cerca de 10 mil dias, uma mulher ousa apartar-se, de tudo e de todos, para, sem prévia justificação, pura e simplesmente, travar “Conversas com a Sombra”? Em Dezembro de 2011, a conceituada artista moçambicana, Tânia Tomé (TT), decidiu contar em livro os temperamentos de uma experiência grotesca. Vejamos se o estimado leitor consegue desvendá-la.

No dia em que se publicou o novo livro da artista moçambicana, Tânia Tomé, muita poesia esparsa sobretudo a do romantismo animou os corações dos presentes na Galeria lendária que eternamente presta honra e tributo ao autor da epopeia portuguesa. Referimo-nos ao Instituto Camões, em Maputo.

O contrário pouco (senão nenhum) sentido faria. Desenhou-se a cerimónia com uma finalidade ímpar. O nascimento, em formato físico, de duas obras de arte. Primeiro, o livro Conversas com a Sombra e, segundo, o disco single da música “Lirandzo Blues”, pretextos mais que suficientes para um evento de muita pompa e circunstância.

António Cabrita, Júlio Silva e Nataniel Ngomane, personalidades bem conhecidas nos meandros da nossa arte e cultura, encarregaram-se de dar o testemunho sobre a obra e o seu criador, no caso a sua criadora, a Tânia. Ninguém, ou pelo menos, poucos, se arrepende(u)ram em ter estado/assistido/adquirido pelo menos a obra literária. Da música, ainda que se tenha chamado Júlio Silva para tecer algumas considerações pouco se nos oferece dizer porque conhecida por todos.

De qualquer modo, vale a pena parafrasear Júlio Silva quando, sobre o cantar da TT, comenta: “De facto a sua força cultural eleva os sentimentos mais profundos do Ser Humano. Não vos quero influenciar a gostar da diversidade artística da TT, mas aconselho?vos a conhecê-la mais profundamente em toda a sua extensão”.

Esta é a forma de encerrar uma tese cujo argumento passou por considerar a produção, desta criadora de múltiplas faces, “de arte viva e expressiva. Com um conteúdo que manipula o som, organizando-o no tempo”, diz. Ao mesmo tempo que conjectura que talvez seja por esta razão que “a sua arte esteja sempre fugindo a qualquer definição, devido à sua evolução constante”. Para Júlio Silva, na música, a obra de TT “é um casar constante com a poesia e simultaneamente algo que ornamenta o físico e o emocional”.

Quem serei do que fui?

É desta questão, simplesmente séria, que o conceituado professor de literatura, Nataniel Ngomane, arrancou para tecer comentários necessários sobre a literatura que nos é proposta pela Tânia Tomé.

Ngomane leu os primeiros excertos da obra Conversas com a Sombra que recebera de António Cabrita, para instantes depois considerar que isto é “poesia de verdade”. Até porque “nós gostamos de falar de poesia de facto. Trata-se, aqui, de um estilo, de uma obra que atravessa a Craveirinha, a Noémia de Sousa, a Luís Carlos Patraquim, a Rui Knopfli, a Eduardo White e, assevera Ngomane, vai buscar alguns amigos nossos do Brasil, como por exemplo, Carlos Drumound de Andrade”.

Para Ngomane, que secunda António Cabrita, se o texto da TT fosse uma rede de pesca e, por via disso, pudéssemos trazer da profundeza do mar para a terra, iríamos perceber quantos poetas aparecem repescados. E, atenção que estas palavras não são mera publicidade, tão pouco propaganda enganosa. Trata-se de um facto por nós experimentado.

No prefácio cravado na obra por António Cabrita, está patente, uma pergunta de fundo, a qual Ngomane, na sua comunicação, a resgatou para revelar aquilo que só o seu faro literário facilmente capta.

“Se a bibliografia dos poetas for a dos seus poemas, como é aclamado por tantos, pode a pátria ser a alma de alguns?”, questiona Cabrita. Ao que, rapidamente, Ngomane engendra uma resposta. “No caso da Tânia a pátria é a alma da poeta”.

É que, decifrando a metáfora contida na obra, o professor considera o “Conversas com a Sombra”, uma pátria. Sendo que no seu interior se encontra a alma desta poeta que é a Tânia. Prefiro considerá-la poeta porque nunca gostei da palavra poetisa. Não sei porque?”, diz.

Não é obra do acaso que esta obra é atravessada por vários poetas, muitos dos quais, moçambicanos. Nela a pátria dos poetas se encontra.

De qualquer modo, aqui, na pátria dos poetas, há vários momentos que nos mostram que esta conversa entre o eu poético e a sombra é a conversa entre o filho, que é a alma, e a pátria que é Moçambique.

Trata-se de uma conversa entre o eu poético, transmitido pela Tânia com a sua sombra que é Moçambique. Aliás, uma sombra que de vez em quando mostra o rosto mas, muitas vezes, o que nos apresenta é uma angústia. Esta vontade de querer ser algo.

Quando a gente se indagar, de facto, “quem serei do que fui?”, somos impelidos a reconhecer que em Conversas com a Sombra, “há toda uma história que Moçambique possui e detém. Valores que antes de nós sermos o que somos já existiam. Então, nós, como uma nação, estamos à busca de uma outra identidade”, diz concluindo, como se pode depreender está-se diante de uma questão muito séria. Afinal, “quem serei do que fui, mas que ainda não sou?”

Nasci antes da minha mãe

De facto, ainda na leitura de Nataniel Ngomane, em Conversas com a Sombra, uma obra rica em linguagens metafóricas, Tânia Tomé propõe um novo rumo não somente à sua poesia, mas também à história do “País da Marrabenta” em relação à África.

Diz ela: “quando eu nasci a minha mãe ainda não tinha nascido/ Tive que lhe ensinar a nascer/ e não foi fácil ensinar a minha mãe como era esta coisa de nascer/ e na verdade nem sei se ela já conseguiu”.

Assim, a artista oferece motivos adicionais a Ngomane para repescar o tema da pátria e referir: “Não sei se conseguem captar esta metáfora do nascer desta pátria que é Moçambique.” Afinal, para si, “quando Moçambique nasce, a África ainda estava por nascer”. Digamos que, como Cabrita considera, este livro resulta de um labor que propicia um novo rumo na sua poesia. Mas que não se resume apenas a Moçambique.

Há aqui, o cruzamento de vários poetas. Através do “Conversas com a Sombra” podemos captar a força da linguagem de José Craveirinha. Ora, isso coloca a poesia taniana num patamar bastante elevado.

De qualquer modo, além de se captar esse vago da linguagem de Craveirinha e (muitas vezes também de) Patraquim, dois poetas geralmente nomeados como herméticos e difíceis, a Tânia consegue dar um salto (qualitativo). A sua linguagem não é hermética, embora traga imagens bastante densas. Ela recorre a uma linguagem simples.

Por sua vez, António Cabrita que leu inúmeras vezes o “Conversas com a Sombra” a ponto de prefaciá-lo, entendeu que o seu prólogo não bastasse para expressar o seu enlevo pelo que leu e comentou. Eis que se aproveitou da cerimónia da publicação do livro para reafirmar que “não encontro na literatura moçambicana, desde a geração de Patraquim e do Eduardo White, uma expressão poética com o mesmo fulgor como o da Tânia Tomé. Esta é a minha modesta opinião. E só vim aqui, hoje, para revelar o contentamento que isso me traz”.

A falta que o dinheiro faz!

Em ocasião oportuna, Tânia Tomé dispôs-se a tecer algumas considerações sobre as suas obras começando pela música. “Não se trata do meu primeiro projecto musical, ao mesmo tempo que digo, que ainda não é, necessariamente, o projecto que almejava concretizar para este ano. Tive muitas dificuldades em encontrar parceiros financeiros. A primeira parte do projecto foi a concretização de um DEMO com 10 temas da minha autoria, integralmente financiada por mim”, começa por referir.

Ora, contrariamente ao que cogitava, contar com o apoio dos mecenas, o que sucedeu é que o projecto da Tânia foi açoitado pela indiferença daqueles. De qualquer modo, não pereceu, sobretudo porque, como “os meus admiradores vinham me pedindo a música “Nhi Ngugu Haladza”, com a qual ganhei o Prémio Internacional de Música, Sound City African Music Award 2010, decidi que valia a pena fazer um single que incluísse alguns temas já finalizados e, assim, fí-lo. Investi com fundos próprios, dando asas ao projecto “Lirandzo blues”, realça.

Um projecto ambicioso

Sempre gananciosa, uma ganância saudável, a cultural, refira-se, Tânia Tomé revela que “com a venda do CD tenciono arrecadar fundos para a produção do álbum final”. Afinal, “o meu objectivo continua a ser o de fazer um álbum de música com qualidade que me permita elevar a bandeira de Moçambique no mundo”

E mais: “Não me interessa ter vários álbuns que não têm significado, que não me representem como cantora e compositora. Continuo a preferir não ter pressa de criar o meu trabalho discográfico, mas produzí-lo devagar, à medida do investimento integral necessário para criar uma obra única e de alta qualidade”.

Naquela oportunidade, a autora de “Lirandzo blues”, criou-se como ladra para, acerca do Conversas com a Sombra, considerar que “são reflexões interiores com o “eu” que vive dentro de mim, a sombra. Na realidade uma introspecção que nos leva a ser o que somos. A questão da liberdade, terra, raízes e, essencialmente, Moçambique são os tópicos tratados/retratados em Conversas com a Sombra. Mas há muito mais, penso que há muito que dizer da Sombra e que dizer à sombra”.

A obra, que já está disponível em Maputo  resulta de uma produção independente. E foi editada pela Associação Cultural Showesia, igualmente presidida por Tomé.

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