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Quando o sexo é fraco há quem sempre chore!

Quando o sexo é fraco há quem sempre chore!

Aqui não há bons ou maus – são todos umas feras – assim, com maior ou menor habilidade para proporcionar tamanha satisfação. Pois é. Embora haja vício e muita obsessão, no sexo, quando há eventuais fracassos há quem sempre pague pela desgraça. Na peça “Sexo Fraco” do Gungu, a família Ngovene – Sónia, Gaspar, Raúl, Clara e Helena – vive momentos similares. Descubra as suas vidas….

Em Moçambique, à luz de práticas seculares, ou se calhar milenares, quando um homem, que em vida teria cumprido todos os ritos conjugais, perde a vida, deixando bens materiais e a sua esposa, teoricamente, acontece o que muitos de nós (os ditos modernizados) reprova(riam). Mas, de todos os modos, os precedentes destes actos, quase, aplaudidos pela maioria suburbana que ainda preserva o tradicionalismo, são muitos mais complexos como o que acontece depois de se proferir tais ideias perante uma mulher, viúva, que se quer que, obrigatoriamente, se case com o irmão mais novo do falecido – o seu cunhado.

No entanto, embora o levirato (Kutxinga ou Pitha Kufa, em Xichangana) seja uma prática antiga que ocorre com o pressuposto de preservar a linhagem patriarcal, nas sociedades contemporâneas continua uma faca de dois gumes. Quer dizer, um “deus” desobedecido.

A verdade é que, quer queiramos quer não, está-se diante de um preceito bíblico: “se morarem irmãos juntos e um deles morrer, e não tiver filhos, a mulher do defunto não se casará com um homem estranho, de fora; o irmão do seu marido estará com ela, recebê-la-á por mulher, e fará a obrigação de um cunhado para com ela. O primogénito que ela lhe der, sucederá ao nome do irmão falecido, para que a genealogia deste não se apague de Israel (Deuteronómio, capítulo XXV).

Por isso, tal como diz o conceituado músico moçambicano General Muzka, “a morte de um homem implica o (re)nascimento de um outro”. Em “Sexo Fraco” a obra teatral ainda em exibição, durante o fim-de-semana, no Teatro Gilberto Mendes, em Maputo, Gaspar e Helena, que representam a relação de cunhado e cunhada com ideias um tanto contraditórias – o primeiro tradicionalista e polígamo e a segunda hodierna, “dona de si mesma” – travam uma discórdia em torno do levirato – direitos e deveres depois da morte do seu esposo.

A questão sobre como a sociedade actual encara a realidade em relação a estes princípios, diga-se, devastadores e, vezes sem conta, que contradizem algumas regras da vida, como, por exemplo, o direito à escolha do “par perfeito”, é visível nas atitudes de Helena. Viúva há cinco anos – e, como manda a tradição, de luto – a visada nega seguir qualquer tipo de ritos, tidos como de lavagem e purificação.

Perplexa, irritada, experimentando um misto de ódio, tristeza, dor, confusão e incerteza, em relação à sua posição de viúva preparada para um acto de honra – é como Helena, que representa todas as mulheres que eventualmente passaram pelas mesmas condições, vive na casa dos Ngovene.

Como a peça mostra, há, notavelmente, um conjunto de acontecimentos, bons e maus, que faz parte do trabalho. Esta adaptação de Gaspar, Sónia, Raúl, Clara e Helena tem a forma de colectânea de momentos vividos por, quase, todos os moçambicanos. São, na verdade, ocorrências, reais, que se, ainda nas décadas passadas as tivéssemos aniquilado, hoje não nos trariam tamanha desordem.

“Você não pode quebrar os hábitos. Tem de beber o remédio de “xihlambetwana” (panelinha de barro). Tradição é tradição”, diz Gaspar, que interpreta a personagem de um homem autoritário e nefasto, à sua cunhada.

Gaspar não é um caso excepcional na sociedade moçambicana. São tantos que se, por ventura, os contássemos encontraríamos uma legião de pessoas que fazem o que ele nos apresenta na peça. Mas, de qualquer modo, o tradicionalismo, a atracção, a poligamia, as ambições e, em algumas vezes, a pouca vergonha fazem com que muitos irmãos “txinguem” as suas cunhadas.

O mal-entendido

É, até certo ponto, comum que nas casas onde “reinam” o machismo e o tradicionalismo que o homem esteja sempre na dianteira. Por regra geral, ele é quem trabalha, sustenta a família, compra os imóveis da casa, entre muitas outras coisas, e nunca o contrário.

Se, na anterior passagem, os acontecimentos giravam em torno do levirato, nesta, o drama é o machismo. Neste episódio, Raúl é esposo de Clara, uma mulher moderna, esperta e, acima de tudo, empreendedora. A história de Raúl é vaga, pois, embora seja um homem de elevada categoria profissional, o seu salário mensal não custeia as despesas básicas da casa. Grosso modo, ele é mal pago.

Por outro lado, Clara é uma mulher sucedida, importadora e vendedora de mercadorias, vulgo “mukerista”. As suas actividades diárias são tão compensadoras que, em pouco tempo, ela ficou fonte de renda da casa, contradizendo, desta feita, a seguinte gíria popular: “o lugar da mulher é a cozinha”.

Como a peça mostra, embora estejamos na dita era da emancipação feminina, a mulher ainda é vista como inútil. Isto é, não serve além da cozinha, do lavadoiro e da cama. É o que explica Raúl: “Desde que começaste os seus negócios, passei a ser insignificante. Fazes e desfazes na hora que quiseres. Compras coisas sem o meu consentimento, tudo só para me humilhar”.

De referir que a, suposta, humilhação de que Raúl diz estar a sofrer, pura e simplesmente pelo facto de a sua esposa estar a ajudar nas despesas domésticas, resulta do espírito machista pré-concebido. É como quem diz: “eu nunca vou ser sustentado por uma gaja. Sou macho, eu”.

O sexo é fraco!

Se, por um lado, os actores em cena têm um laço que é dos mais duradouros, consistentes e criativos de um grupo de pessoas que vive numa sociedade problemática, em que ainda reinam o tradicionalismo e a poligamia, por outro, mostram-nos as ilusões, sonhos e “falsas” promessas de amor eterno que muitos casais estão sempre preocupados em ouvir. A verdade é que “o homem não difere de um pedreiro: quando começa a dar voltas é porque tem uma outra obra”.

A situação é quase similar ao que acontece nos tachos – e só em casos extremos na cerveja. Ou seja, há ainda uma necessidade exagerada de variar o cardápio. E “no quarto tem também de haver um menu”, se calhar, que oriente os casais.

Afinal, quando é que o sexo é fraco? Independentemente das razões da sociedade, faz entender Clara, “não devemos permitir que os homens – aceita-se o inverso – durmam (entenda-se de uma forma mais erótica) na hora H”. Na verdade, as parábolas dos pedreiros e dos tachos – a partir das quais os artistas explicam a necessidade de se aprimorar as relações com o uso de instrumentos e conceitos actuais, acompanhando a dinâmica da vida– tem a sua importância na percepção dos seus motivos artísticos.

De todas as formas, a ideia que se tenta mostrar, com a alimentação, é a de que “comer bem é variar os alimentos” e, com os alvenéis, “a vida é uma peça de teatro que não permite ensaios. Por isso, cante, chore, dance, ria e viva intensamente, antes que a cortina se feche e a peça termine sem aplausos”.

E Clara argumenta: “o grande problema das mulheres é estarem preocupadas com as questões da moral. E a dificuldade da vadia é confundir o quarto com a rua”.

O drama é que Sónia, uma mulher linda, natural de Muxungue, província de Sofala, e encontrando-se numa daquelas situações problemáticas, em que não consegue divertir o seu esposo, Gaspar, é-lhe colado “um par de chifres”. De uma forma mais concreta, diríamos que Sónia – suburbana que é – não sabe proporcionar momentos únicos ao seu marido (admite-se a hipótese de ser o inverso), por isso passou para segundo plano na sua vida.

Convenhamos que, como se afirma por aí, à boca grande, “quem não cuida é porque não quer”. Por essa razão, os que sabem aproveitar deleitam-se.

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