Para continuarmos  a fazer jornalismo independente dos políticos e da vontade dos anunciantes o @Verdade passou a ter um preço.

Quando o Estado desgraça quem lhe presta honras

Sessenta e sete homens afectos ao Comando das Unidades Cerimoniais estão desde o mês de Agosto do ano passado a receber abaixo do salário mínimo e irrisório para aquilo que é a natureza do seu trabalho. 2 100,00 meticais é o valor que o Ministério da Defesa lhes paga, contra os 5 175,00 Mts a que têm direito.

A história destes jovens começa em 2009, quando foram chamados a cumprir o Serviço Militar Obrigatório.

Conta um deles que a sua incorporação se deu numa altura em que estava a fazer a 11ª classe. “Pedi o adiamento para ver se conseguia fazer a 12ª no ano posterior, mas o pedido foi indeferido”.

Talvez por este chamamento ser tido como obrigatório, não quis se respeitar a voz daquele que na altura não estava em condições de aderir a ele. Foi nesse âmbito que eles foram distribuídos pelos centros de instrução básica militar, a cumprir o Serviço Militar Obrigatório (SMO).

A princípio, foram noventa jovens que estiveram aquartelados por dois anos a fazer o curso básico militar, que teve o seu fim em Junho. Cumprido o SMO, os jovens tiveram de escolher entre continuar no exército ou voltar à vida civil (desmobilização).

Dos noventa, dezasseis optaram pela desmobilização, três foram expulsos por terem sido considerados desertores. Setenta e um decidiram, por vários motivos, continuar na vida militar.

Uns pela necessidade de ter um salário garantido no final de cada mês, outros por falta de perspectivas para o futuro e alguns simplesmente pela “paixão pela carreira das armas”.

Destes (que optaram por seguir a carreira militar), três destes foram colocadas Escola de Música para aprenderem o “ABC” da música e, por via disso, reforçar a banda militar das Forças Armada da Defesa de Moçambique.

Os restantes sessenta e oito foram submetidos ao curso de Guardas de Honra. Muitos pularam de alegria uma vez que iriam auferir mais do que o dobro do subsidio de formação que o Estado concede durante o período de instrução básica, 2 100, 00 meticais.

A promessa que lhes foi feita foi de que, ao terminarem o curso, passariam a ganhar 5175,00 Mts (cinco mil e cento e setenta e cinco meticais).

Terminado o curso (de Guardas de Honra), em Setembro do ano passado, as expectativas começaram a aumentar. “Esperávamos que, naquele mesmo mês, nos dessem o nosso primeiro salário porque já estávamos alistados no exército e também cansados de receber o (mísero) subsídio de formação”.

Qual não foi o seu espanto. Quando chegou a hora de receber, os recém integrados no Exército foram surpreendidos com o subsídio que recebiam na formação, ou seja, 2 100,00 Mts, ao invés de 5 175,00 Mts. Insatisfeitos, trataram de entrar em contacto com o seu superior hierárquico, o comandante da unidade, Albino Maphosse.

Este, nada mais fez do que plantar esperança no rosto dos seus comandados, garantido-lhes que no mês seguinte o salário seria pago com retroactivos. Volvidos três meses sem que a promessa tivesse sido cumprida, e como qualquer um que veja ou tenha os seus direitos violados, estes foram pedir satisfações ao seu comandante, o que lhes valeu ameaças de expulsão e/ou desmobilização compulsiva.

As aparências (que) enganam

Há quem olha para a vida militar como um emprego, através do qual se pode auferir um salário, mas no Comando das Unidades Cerimoniais esta expectativa é defraudada. Lá, a regra é: “não reclame, abra a boca e come, porque no passado nem banana houve”.

Os agentes da guarda de honra das FADM, que podem ser equiparados à Força de Protecção de Altas Patentes da PRM, vivem cada dia da sua frustração imbuídos em ameaças (de desmobilização compulsiva) proferidas pelos seus superiores.

Há quem já não se imagina a recomeçar da vida, daí que todas as vezes que os superiores falam em desmobilização compulsiva alguns começam a pensar no que que vai ser das suas famílias caso eles (os superiores) decidam passar das ameaças aos actos. “Nós não temos uma formação académica que nos permita deixar a vida militar e enfrentar o mercado de emprego.

Eles tiraram-nos da carteira. Os nossos chefes sabem que nos dependemos do salário do exército para alimentar as nossas famílias, por isso sempre que contestamos algum posicionamento deles, ameaçam desmobilizar-nos. Ora porque ainda há muita gente que quer se filiar ao exército, ora porque nós somos desertores”, contam, visivelmente amargurados.

Há filhos e enteados

Matematicamente, deviam ser sessenta e oito jovens a reclamarem as boas condições (entenda-se, o salário) a que têm direito, mas da lista constam apenas sessenta e sete, o que quer dizer que há um que, embora esteja supostamente na mesma situação, prefere não aderir à “luta”.

Os superiores hierárquicos (dos sessenta e sete) alegam que não podem pagar o que estes jovens exigem, porque estes não têm o nível médio concluído, ou seja, ainda não fizeram a 12ª classe.

Curiosamente, e para mostrar que este é mais um argumento para algumas pessoas que supostamente têm um “bom salário” continuarem a encher os seus bolsos, existe no meio das fileiras da Guarda de Honra um (o que devia o 68º reclamante) que anda de “boca fechada”.

Trata-se de um jovem supostamente filho do director financeiro das Forças Armadas de Defesa de Moçambique que, mesmo sem ter a 12ª concluída, ganha o salário tanto reivindicado pelos seus pares, ou seja, 5 175,00 Mts.

“Tiraram-nos o subsídio de risco”

Devido aos altos risco que estes homens a que estes jovens estão expostos, o Ministério da Defesa atribui-lhes, por norma, um subsídio de risco. O subsídio de risco é, até certo ponto, uma forma de reconhecer a sua coragem na protecção de altas individualidades.

O estranho nessa história é que os 2 100,00 Mts que eles auferem mensalmente não incluem o referido subsídio. Nos almejados 5175, o subsídio de risco está contemplado contrariamente ao que acontece com os 2100, que é, na verdade, um salário base.

Informação contraditória

Nas suas investidas, alguns superiores daquela casa argumentam que os “descontentes” não auferem os almejados 5 175,00 Mts porque não têm o nível médio concluído. Entretanto, uma fonte do Ministério da Defesa garantiu-nos que os que tem este nível médio concluído, associado ao curso de guardas de honra, ganham 7.845, 00Mts, o que quer dizer que os 5 175,00 Mts reivindicados pelos jovens são seus por direito.

Há também quem diga que o salário que os militares reclamam está a ser processado no Departamento de Finanças da FADM, e que oportunamente irá ser transferido para as suas contas, com os retroactivos de todos os meses, de Setembro a esta parte.

“…de férias, mas aquartelados”

Janeiro é, para estes, um mês de férias mas, infelizmente, isso não acontece. Ainda que seja um período livre, a maior parte destes passa as ferias no quartel desta unidade.

A justificação é uma e única: falta-nos dinheiro para irmos visitar as nossas famílias. Um dos jovens que falou ao nosso jornal acerca deste caso, disse que situações desta natureza fazem com que as proximidades dos quartéis sejam lugares extremamente perigosos.

“Há militares (de outros quartéis) que, devido às péssimas condições a que estão sujeitos, não perdem a oportunidade de usar das técnicas adquiridas durante a instrução para fins maléficos, como é o caso de assalto que, nalguns casos, culminam em mortes”, conta.

Facebook
Twitter
LinkedIn
Pinterest

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Related Posts

error: Content is protected !!