O Provedor da Justiça, José Abudo, apresentou ao Parlamento, na passada segunda-feira (28), o seu informe referente ao ano de 2013. No documento, para além dos dados estatísticos sobre queixas e reclamações apresentadas pelos cidadãos, o magistrado levanta um número significativo de lamentações relacionadas com a falta de condições e fraca colaboração por parte de entidades públicas, facto que põe em causa o bom funcionamento da Provedoria. Ele acrescenta que os tribunais do país continuam a desrespeitar o princípio da garantia de acesso à Justiça pelos cidadãos.
Na verdade, este é o segundo ano consecutivo em que o Provedor da Justiça, na hora de prestar o seu informe, vai à Assembleia da República (AR) choramingar dos mesmos problemas: falta de instalações próprias; de quadro de pessoal; meios materiais e financeiros; fraca colaboração das entidades públicas, falta de viatura(s), entre outros.
Estas situações, segundo afirma, em última instância resultam na falta de celeridade no tratamento das queixas dos cidadãos, deficiente controlo dos prazos de respostas vindas das entidades visadas e do acompanhamento da implementação das recomendações do Provedor pelos respectivos órgãos destinatários.
Sobre a colaboração com as instituições públicas, Abudo afirma que estas, não poucas vezes, optam por não responder dentro de prazo quando são solicitadas para audições que visam o esclarecimento necessário à boa resolução das questões apresentadas pelos cidadãos.
“(…) Não respondem dentro do prazo indicado nem no indicado nos ofícios de instâncias do pedido da resposta, o que compromete a celeridade no tratamento das queixas”, afirma, considerando, porém, que tem havido colaboração das entidades visadas quando, em sede de mediação, promove reuniões entre estas e os reclamantes (…).
Insuficiência de dinheiro para pagar renda do edifício
Em 2013, o Gabinete do Provedor deixou de funcionar no imóvel do Secretariado da Conferência dos Ministros da Justiça da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), em Maputo, cedido parcialmente pelo Ministério da Justiça, passando para um imóvel arrendado e que actualmente se encontra a beneficiar de obras de ampliação para conferir melhores condições de trabalho ao órgão.
José Abudo diz que no novo edifício arrendado enfrentou outros problemas, sendo um deles a insuficiência de verba para o pagamento da renda, num valor de 2.018.684 meticais, o que o obrigou a solicitar um reforço equivalente. Entretanto, em 2013, o Gabinete de Provedor recebeu do Estado um orçamento de 30.600.000 de meticais, dos quais 23.100.000 para a componente funcionamento e 7.500.000 para investimento.
Na verba referente à primeira componente, um valor de 12.898.800 não foi executado pois o Provedor de Justiça “não recrutou, nem nomeou funcionários” uma vez que “o seu quadro de pessoal ainda não foi aprovado pelo Governo”. Neste momento, para o seu funcionamento a Provedoria conta com quadros de outras entidades públicas.
Tribunais desrespeitam princípio da garantia de acesso à Justiça
No seu informe, José Abudo diz que os tribunais moçambicanos continuam a não respeitar o princípio de garantia de acesso à Justiça aos cidadãos e ainda registam muita morosidade na execução de sentenças, após a realização do julgamento, tal como atestam as queixas enviadas ao seu gabinete. Segundo o Provedor, os cidadãos têm-se queixado dos magistrados e outros funcionários judiciais pela demora dos processos e esclareceu que estas situações por vezes ocorrem não por culpa destes, mas dos advogados ou técnicos do Instituto de Patrocínio e Assistência Jurídica (IPAJ).
Apesar disso, essa constatação, prossegue o Provedor, não iliba os magistrados e funcionários judiciais nem mesmo invalida que se reconheçam os graves problemas estruturais dos tribunais do país, alicerçados em situações de denegação de justiça. “Os tribunais continuam a não respeitar o princípio de garantia de acesso à Justiça”, assevera Abudo.
O princípio acima referido, plasmado no Código de Processo Civil, no seu artigo número 2, estabelece que “a protecção jurídica através dos tribunais implica o direito de, em prazo útil, obter ou fazer executar uma decisão judicial com força do caso julgado”. No entanto, de acordo com o Provedor, para além dos atrasos judiciais, os cidadãos queixam-se de atrasos de elaboração de sentenças relacionadas com os julgamentos que realizam, morosidade na execução de sentenças ou ordens de penhora, entre outros situações que não abonam a favor dos cidadãos.
Processos contra Administração Pública lideram na Provedoria
Como o informe não era apenas para apresentar lamúrias, o Provedor fez saber que, de Abril de 2013 a Março do ano corrente, um total de 315 processos deram entrada no seu Gabinete, sendo que, destes, mais da metade, 165, foram queixas dos cidadãos contra a Administração Pública. As queixas contra tribunais estão em segundo lugar, com 77 processos.
Contra as autarquias locais o Provedor recebeu 28 processos, 10 contra empresas públicas, institutos públicos (oito), procuradorias (seis), Ordem dos Advogados de Moçambique (dois), Instituto de Patrocínio e Assistência Jurídica (um) e 18 contra outras entidades não especificadas.
No que tange às queixas de que o Provedor da Justiça não é competente em razão da matéria ou jurisdição, quatro foram remetidas ao Ministério Público, duas ao Conselho Superior de Magistratura Judicial e uma ao Conselho Superior de Magistratura Judicial Administrativa.
Cidade de Maputo lidera
Do total de processos que deram entrada, a cidade de Maputo lidera com 243 casos, seguido de Maputo província que apresentou 22, Nampula com 12, Cabo Delgado e Gaza nove, Inhambane seis, Zambézia cinco, Manica quatro, Sofala três, e Niassa 2. Tete não apresentou nenhum caso. Os 315 processos que deram entrada representam um aumento de 66 casos, o equivalente a 26.5 porcento, comparativamente ao exercício de 2012, em que foram abertos 249. Relativamente, aos processos concluídos, o número baixou de 161 para 158, o mesmo que 1.8 porcento, e quanto aos transitados registou-se um aumento de 78.4 porcento, ou seja, de 88 processos para 157.
Deputados divergem quanto ao informe
“Governo despreza Provedor”, Renamo
Depois de ouvir o informe, o porta-voz da bancada da Renamo, Arnaldo Chalaua, concluiu que as entidades governamentais “desprezam” o Provedor da Justiça. Para este, a não criação de condições condignas para o funcionamento da Provedoria revela falta de interesse por parte do Governo no funcionamento desta.
“Não lhe criam condições de trabalho, o segundo passo é o desrespeito”, disse, referindo-se ao facto de algumas entidades governamentais se recusarem a acatar as recomendações do Provedor.
Chalaua entende que a forma como é desconsiderado o Provedor de Justiça é revelador de que Moçambique só criou esta instituição para “copiar outros países que têm esta figura” e, assim sendo, era melhor que não tivesse criado. “Isso que está a acontecer equipara-se a delegar competência a uma pessoa e não lhe dar meios para trabalhar. É complicado!”.
“Dificuldades são normais”, Frelimo
Por sua vez, o deputado da Frelimo e membro da Comissão Permanente, Xavier Chicutirene, considera que as dificuldades enfrentadas pelo Provedor no exercício das suas funções são normais pois ainda está no início do seu exercício. Este vai mais longe e afirma estar satisfeito com a colaboração entre as entidades públicas e a Provedoria.
“Governo deve criar condições”, MDM
Enquanto isso a bancada do Movimento Democrático de Moçambique (MDM) é da opinião de que o Governo deve criar condições para o Provedor, pois não faz sentido que este no seu informe à Nação apresente sucessivamente lamentações.