Outrora, as rádios comunitárias, dada a sua cobertura geográfica limitada, eram consideradas meios de comunicação sem pujança suficiente para impor a fiscalização nos lugares onde operam. Entretanto, actualmente a sua acção em prol das comunidades é expressiva de tal sorte que os políticos já as temem e tentam restringir o seu trabalho.
Na tarde do dia 12 Outubro passado, a Rádio Comunitária Macequece foi encerrada por ordem do presidente do Conselho Municipal da Cidade de Manica, Moguene Materisso Candieiro. A 19 de Novembro, era a vez da Rádio Comunitária Planalto de Furancungo, na província de Tete, que ficou dias fora da emissão a mando do administrador do distrito de Macanga, Alexandre Faite. Os referidos dirigentes alegaram, para o efeito, dentre outros motivos, a má gestão das mesmas rádios por partes dos colaboradores.
A respeito deste assunto, o @Verdade abordou, esta terça-feira, 04 de Dezembro, em Maputo, o presidente do Fórum Nacional de Rádios Comunitárias (FORCOM), João Jerónimo. Sem meias-palavras, este disse que o encerramento daquelas estações emissoras é um sinal inequívoco da pressão e monitoria que elas exercem sobre as acções dos governos locais. Sentem-se ameaçados e preferem calar a verdade encerrando-as.
O fecho das rádios comunitárias em alusão, segundo o nosso interlocutor, resulta da ignorância por parte dos governantes sobre o papel das mesmas na sociedade. Trata-se de uma atitude que vem provar, uma vez mais, que nas zonas recônditas o exercício da democracia não passa de uma miragem. Há a predominância de autoritarismo, abuso de poder, desordem social e desmandos engendrados pelas autoridades locais, que têm medo de ver as suas falcatruas postas à tona. Não respeitam as leis e a liberdade de expressão.
Nas palavras de João Jerónimo, o enceramento daquelas rádios revela ainda o medo dos governantes porque temem ser desmascarados pela forma como gerem os mega-projectos. Estes não beneficiam as comunidades dos lugares onde são implantados. As falcatruas dos investidores em detrimento do respeito dos direitos dos moçambicanos são acobertadas pelos mesmos governantes. É isto que gera revoltas e manifestações. “Nós, como voz da comunidade, difundimos o que está a acontecer sem medo, apesar das ameaças e retaliação dos administradores e outros governantes locais. Desencorajamos esta prática para que façamos o nosso trabalho de informar com isenção”, disse João Jerónimo, para quem a frontalidade das rádios locais tem contribuído para que os prevaricadores sejam penalizados.
O presidente do FORCOM falava ao @ Verdade à margem do seminário internacional decorrido na capital do país sob o lema “Reflexões críticas sobre as rádios comunitárias em África”, cujo propósito é encontrar formas conjuntas de divulgar os problemas existentes e denunciar a inactividade dos governos do continente africano na construção de uma sociedade equitativa, equilibrada, justa e interventiva rumo ao desenvolvimento equilibrado. Ele disse que há a necessidade de as rádios reportarem os problemas reais do povo, sobretudo os relacionados com a governação local, com a restrita independência dos media, em relação ao caos provocado pelas indústrias extractivas, à exploração florestal irracional e à insustentabilidade financeira das rádios locais por falta de dinheiro para o seu funcionamento pleno.
As rádios comunitárias em África, e em Moçambique em particular, ainda não fizeram nada para que até 2015 cumpram com o processo da migração digital. Pouco ou quase nada tem sido feito para a concretização deste desiderato, o que poderá afectar as rádios comunitárias que estão desprovidas de dinheiro, concluiu Jerónimo.
Nada de intromissão política nas rádios comunitárias
Simão Anguilaze, um dos membros da comissão que trata do assunto relacionado com a migração digital em Moçambique, considerou que os governantes, quando encerram as rádios comunitárias, mostram a falta de conhecimento sobre o conceito “comunitário”, que veicula a ideia segundo a qual estas rádios são para a comunidade e são por ela geridas, sem intromissão política. Sobre a implementação da migração digital no país, Anguilaze referiu que há um ligeiro atraso nesse processo. E os trabalhos que ainda estão por fazer a respeito deste assunto mostram que será difícil cumprir com o prazo fixado para 2015.
Por sua vez, o presidente do Conselho Superior da Comunicação Social moçambicana, Armindo Ngunga, afirmou que existe uma interpretação errada em relação ao encerramento das rádios comunitárias de Macequece e de Furancungo. Quem o fez não foi o governo local.
“No caso da Rádio Macequece, houve desinformação por causa de contradições entre as duas alas da direcção desta estação emissora”, disse Ngunga.