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Polícia extorque e tortura cidadãos incautos

Polícia extorque e tortura cidadãos incautos

A relação entre a sociedade e alguns agentes da Lei e Ordem tende a dar-se de maneira assustadora. Na Polícia há elementos que recorrem ao poder conferido pelo seu ofício e a troco de alguma quantia irrisória desrespeitam o uniforme, destratam, torturam e extorquem impiedosamente cidadãos indefesos. Há inúmeros relatos deste tipo de casos em todo o nosso país, que, por diversas razões, dentre as quais o medo das vítimas de sofrer represálias, chegam a não constituir notícia. Mas cada vez que os ofendidos nos contam o sucedido, a raiva renasce. E dói mais por aquilo que se ouve constantemente na rua. “Não temos onde queixar”.

Recentemente, um cidadão que nos falou sob anonimato telefonou para o nosso jornalista baseado em Inhambane e disse: “Tenho um assunto que me está a rebentar o coração. Enquanto não falar disso com alguém vou morrer sufocado. Estás disponível para me ouvir?”. Na verdade o repórter estava disponível, como é sua obrigação estar de atalaia. Conhece muito bem a fonte que lhe contactava. Não duvida da sua integridade e frontalidade. E mesmo que não fosse por essas qualidades, o jornalista aceitou o encontro, porque é seu dever auscultar a todos, incluindo os criminosos, dos quais certos agentes da Polícia fazem parte.

Já dentro da viatura da fonte, os dois foram para um lugar tranquilo. Discreto. Onde estacionaram. “Sabes, meu caro, tenho por ti um grande respeito. O que te vou contar não o disse a mais a ninguém e nem vou fazê-lo. Fui puxado para muito baixo, mas por culpa da minha própria estupidez. Por favor, quero que contes esta história, entretanto sem citar o meu nome porque aqueles que me conhecem primeiro não vão acreditar que eu fiz isso, depois vão-se rir de mim. Para além dos riscos que eventualmente possa correr”.

O interlocutor do repórter tentava dessimular o nervosismo e a raiva, contudo, não o conseguiu completamente. Fumava vorazmente cigarro atrás de cigarro, pegando e largando o volante do automóvel imobilizado, e batendo constantemente na coxa do repóter sentado ao seu lado.

“Olha, eu estive em Maputo, na semana passada, para tratar de uns assuntos. Ora bem, numa das tantas voltas que dei pela cidade eis que venho a descer pela Avenida 24 de Julho. Junto ao Quartel General há uma passadeira e um semáforo, pelos quais transitei obedecendo às regras estabelecidas. Contudo, ao transpor a Avenida Guerra Popular sou interpelado por um polícia de trânsito, o qual me diz que eu passei pelo semáforo com o sinal vermelho”.

O homem ficou estupefacto mas, segundo as suas palavras, não se surpreendeu muito. “Percebi o que aquele indivíduo pretendia, e como eu não estava para aturá-lo numa discussão que poderia provavelmente reverter-se contra mim próprio, e porque também o tempo estava a tomar conta de mim, tirei duas notas de duzentos meticais e enfiei-lhe na mão”. É aqui onde começa a estupidez da nossa fonte. O polícia recusou o valor, esgrimiu- se contra o suposto infractor recordando-lhe das consequências em que se envolve quem comete o crime de corrupção.

“Arrependi-me imediatamente do meu gesto. O sacana devolveu-me o dinheiro ao mesmo tempo que apareceram mais três “abutres” incluindo uma “fêmea”. O discurso deles incidia na pena a que eu incorreria, nas multas que haveria de pagar em caso de condenação. Mas, segundo um deles, poderíamos encontrar um meio-termo. E para meio-termo os quatrocentos meticais eram poucos”. Metido num beco, com saída difícil, o “criminoso” remexeu a carteira, dentro da qual tinha um valor de cinco mil meticais. Mesmo assim não bastava.

“Sabes, eu ficava cada vez mais estúpido, mais ridículo perante mim próprio. E a alternativa foi pegar nos homens, dentro do meu carro e ir com eles ao banco onde levantei 15 mil meticais, porque já não estava em condições de me defender. Pegaram no dinheiro e foram-se embora, os sacanas. Mas o pior estúpido fui eu. Outro detalhe risível, e mais estúpido ainda, obrigaram-me a fazer um “u” num semáforo e quando lhes recordei que aquela manobra constituía uma contravenção, responderam-me que não havia problema. “Estás connosco””.

Perguntámos ao nosso entrevistado se tinha fixado o nome de um deles grafado na lapela. “Achas que eu tinha fígado para fazer isso? Meu caro, eu contei-te isto apenas como desabafo e também para mostrar, uma vez mais, como é que age esta Polícia que temos. Como o meu caso há muitos por aí. Eu devia aceitar a multa logo à primeira, para depois discutir em instância própria, mas tu sabes o que é que isso significa neste país”.

Já lhe tinham exigido guia para cão

“Desculpa lá, deixa-me abusar só um bocadinho da tua paciência. Não passa muito tempo que outro grupo dessas aves de rapina mandou-me parar na zona de Marracuene. Pediram-me os documentos e eu exibi-os. Fizeram o levantamento dos faróis e travões e mais. Estava tudo no ponto”. Todavia, os homens da Lei e Ordem deparam com um cão que ia no banco de trás da viatura.

Perguntaram ao seu proprietário se o animal estava vacinado e ele respondeu que sim, mostrando a papelada. Mas não ficaram sastisfeitos, “perguntaram-me se tinha guia de marcha do canino e eu respondi-lhes que esse documento, geralmente, é exigido nas viagens internacionais. Foi uma discussão forte e, estupidamente, aceitei sacar de um valor para seguir viagem”. Depois não contou ao repóter mais nada, o que ele pediu é que não fizesse constar o seu nome e nem dissesse a ninguém que o protagonista desta história é ele. “Não quero ficar ridículo”, remata o nosso interlocutor.

Vergonha perante convidados

Uma cidadã agastada narrou-nos que, há dias, saiu, à noite, com dois amigos estrangeiros para jantar algures na cidade de Maputo. No regresso eles foram interpelados por certos elementos da PRM defronte do primeiro portão que dá acesso ao Centro de Conferências Joaquim Chissano, em direcção ao bairro da Costa do Sol.

“Fui intimada a parar por dois “cinzentinhos” com as lanternas viradas para a nossa direcção e sem nenhuma identificação, excepto a habitual farda deles. Pediram-me a carta de condução, o livrete e os documentos de identificação dos dois passageiros. Quando estavam (os elementos da PRM) em posse de toda a documentação, um deles foi agressivo ao dirigir-se a nós e disse que devia revistar a viatura”.

A condutora e os seus dois amigos foram instados a sair do carro e de seguida abertas todas as portas. “Enquanto eu abria a parte traseira do veículo apercebi-me de que mandaram o meu amigo abrir a carteira e vi um dos polícias com uma nota de 500 dólares junto aos nossos documentos. Mandaram-me também abrir cada divisória da minha carteira de documentos”.

Nada de estranho foi encontrado no veículo. Depois de uma troca de palavras, os membros da corporação abandonaram o local, todavia, a denunciante e os seus amigos aperceberam-se de que na carteira de um deles haviam desaparecido 500 dólares (pouco mais de 14.500 meticais). “Dirigimo-nos à esquadra da Julius Nyerere para informar sobre a ocorrência mas fomos aconselhados a contactar a esquadra da Mao Tse Tung”.

Chegados ao sítio, não houve intervenção imediata por parte da Polícia devido à falta de viatura para o efeito, por isso, volvidos 10 minutos de espera, os ofendidos transportaram a corporação no carro deles e foram atrás dos supostos “larápios”, dois dos quais foram identificados e recuperado o dinheiro. Contudo, não foi aplicada nenhuma punição aos agentes da Lei e Ordem.

Dias depois, novamente na companhia de amigos, a mesma cidadã que nos contou este episódio foi interpelada, no mesmo lugar, por mais de seis polícias. Do depoimento da ofendida, constam várias coisas repugnantes cometidas por quem viola o seu dever de garantir a ordem, a segurança e a tranquilidade públicas. “Onde anda a nossa Polícia de Trânsito que nos deixa à mercê de agentes de protecção sem qualquer noção das regras do Código da Estrada e sequiosos de obter dinheiro à custa dos citadinos de Maputo e de visitantes? Que vergonha eu passei perante os meus amigos!”

Escoltado até ao banco

Outro cidadão regressava do trabalho num táxi, por volta da meia-noite. Ele foi interpelado por um grupo de agentes da PRM, na Avenida Julius Nyerere, defronte do Hotel Polana. “O taxista forneceu os documentos do veículo e a sua carta de condução. De seguida, um agente da Polícia dirigiu-se a mim e pediu para que me identificasse. Por azar, naquele dia, eu havia esquecido os meus documentos no escritório”.

O nosso interlocutor assume todo o tipo de responsabilidades que lhe forem imputadas pelo facto de ter circulado na via pública sem documentos naquela noite, apesar de que tal acto não foi propositado. Ele aprendeu que nunca deve andar sem identificação – como fez questão de anotar um dos agente da PRM – mas condenou a atitude dos que recorrem ao abuso de poder para protagonizar chantagens e extorquir dinheiro.

O cidadão ofereceu-se para se deslocar ao seu escritório na companhia dos elementos da corporação a fim de recuperar os documentos, porém, foi impedido. Sugeriu igualmente que podia telefonar para alguém da sua confiança, que pudesse ir até ao posto de trabalho buscar a identificação até onde estava retido pela Polícia, mas, outra vez, sem sucesso.

“Os polícias disseram que não era possível fazer um telefonema e eu teria que lhes acompanhar até à esquadra. Esta opção foi prontamente posta de lado por outro membro da PRM, o qual me disse que ia passar uma multa de cinco mil meticais (por não estar identificado) e depois iria levar-me à casa. Sem saber o que fazer e sem querer ir parar numa esquadra cedi. Foi-me ordenado que pagasse o táxi e depois perguntaram quanto dinheiro eu tinha”.

Após essas perguntas e já em desespero, a vítima respondeu que trazia consigo cerca 300 meticais, valor que ficou, também, na posse dos polícias em questão. Depois disso, foi escoltada numa viatura da Polícia até ao banco mais próximo donde sacou cinco mil meticais, supostamente para o pagamento da multa. “Entreguei o dinheiro aos polícias, recusei a boleia deles e apanhei outro táxi para casa”.

Outro cidadão, que teria sido vítima dos supostos agentes da PRM, escreveu ao @Verdade relatando o mesmo problema, que se passou, também, na Julius Nyerere. Pela sua descrição, a maneira de agir desses indivíduos é a mesma: mandam as vítimas descer da viatura, exigem-lhes a identificação e depois inventam motivos para obter algum dinheiro. Estes actos acontecem igualmente na Avenida Mao Tse Tung, para além de tantas outras artérias da urbe.

Entretanto, a Polícia quer provas concretas para agir, segundo o porta-voz da PRM a nível da cidade de Maputo, Arnaldo Chefo. Este admitiu, porém, que casos tais como os que aqui são narrados acontecem frequentemente, mas, infelizmente, ninguém apresenta factos com vista à neutralização dos elementos da corporação que protagonizam actos de corrupção. A pergunta que fica é: que cidadão irá dar a cara relativamente a este tipo de problemas num país em que há pessoas que são intimidadas só por exigir a observância escrupulosa dos seus direitos sistematicamente violados?

Perseguidos e humilhados como ladrões

Na sexta-feira passada, 27 de Setembro, por volta das 19h:30, dois cidadãos foram interpelados por três supostos agentes da Polícia não fardados que se faziam transportar numa viatura com a matrícula MMQ 78-03, nas proximidades da 7ª esquadra, em Maputo, quase no cruzamento entre as avenidas da Zâmbia e Ahmed Sekou Touré.

“Um dos polícias mostrou-nos o seu crachá e ordenou que estacionássemos o carro. Tivemos medo e fugimos. Houve um disparo, que não nos atingiu, pois, segundo os mesmos polícias, foi para o ar. Volvidos alguns minutos de perseguição, ficámos imobilizados na Avenida Eduardo Mondlane, perto da estátua”. De acordo com os nossos entrevistados, no lugar havia gente a vender produtos diversos, para além de transeuntes. Todavia, ninguém interveio porque os supostos polícias, com armas em punho, disseram: “ninguém se mete”.

Naquele sítio, os cidadãos a que nos referimos ficaram retidos porque o carro no qual fugiam parou, de repente, devido a um problema relacionado com o alarme. “Os agentes da PRM algemaram o meu braço direito ao do meu cunhado, deixando-nos numa posição incómoda e com as algemas bem apertadas. De seguida um dos polícias ficou no volante e pediu para que revelássemos o segredo do carro com vista a ser posto em marcha, mas recusámos”.

Nesse momento, um parente de uma das vítimas, alertado telefonicamente sobre a ocorrência durante a perseguição, fez-se ao local e a sua primeira intervenção foi tentar arrancar as chaves da viatura. “Pedimos para que nos deslocássemos à esquadra que se encontrava ali perto mas os elementos da Polícia negaram. Conduziram- nos no carro deles até a 18ª esquadra por ordem de um comandante com o qual eles falaram ao telefone. Pelo caminho apertaram ainda mais as algemas”.

Na 18ª esquadra, os supostos membros da PRM aconselharam as vítimas a desembolsarem dois mil meticais para abafar o caso, porque se ficassem presas as coisas iriam complicar-se. “Dissemos que não tínhamos dinheiro naquele momento, contudo, podíamos combinar um lugar para lhes entregar. De repente o meu irmão estava a chegar. Quando se dirigiu ao comandante os polícias desapareceram”.

Depois de uma hora na esquadra, os nossos entrevistados foram restituídos à liberdade. A Polícia afirmou que não conhecia os agentes da corporação que molestaram as vítimas nem a viatura na qual se faziam transportar. Entretanto, à saída “identificámos o carro e alertámos imediatamente a Polícia. Esta reconheceu as três pessoas e disse que eram colegas de trabalho. Uma delas pediu para fazer uma chamada telefónica e desapareceu”.

O caso foi transferido para a 7ª esquadra, na jurisdição do sítio onde o acontecimento foi registado. Todavia, um agente da Polícia de Investigação Criminal encarregue de abrir o processo-crime contra os seus colegas negou agir nesse sentido. Por insistência do comandante, o documento foi lavrado. Sobre este caso, Arnaldo Chefo disse que os seus colegas não estavam uniformizados e usaram armas de fogo para fins alheios à corporação, uma vez que não estavam escalados para trabalhar naquele dia. Houve tentativa de roubo da viatura dos cidadãos ofendidos.

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