Foram a enterrar nesta Sexta-feira (22), no cemitério de Lhanguene, os restos mortais de Alfredo Tivane assassinado por um agente da Polícia da República de Moçambique (PRM) na passada Terça-feira (19) no bairro T3, na cidade da Matola. Os residente deste bairro periférico da capital moçambicana exigem justiça e não querem mais a 7ª esquadra no seu bairro pois não os protege dos criminosos e ainda matam os cidadãos inocentes, segundo os populares Alfredo foi a terceira vítima mortal das balas da PRM.
Pouco depois das 23 horas de Terça-feira (19) após de fazer a sua última viagem de transporte de passageiros, entre o Museu até ao mercado de T3, Alfredo – que em vida exercia a profissão de motorista de um mini-bus de transporte semi-colectivo de passageiros (vulgo chapa-100) – acedeu transportar até um pouco mais longe uma jovem cliente que não reside na sua última paragem dessa dia. Antes de transportar a passageira até as cercanias do bairro de Ndlavela, Alfredo deixou o seu cobrador e decidiu parar no bazar para comprar um rebuçado, de mentol.
Segundo uma testemunha ocular, assim que imobilizou a sua mini-bus de marca Toyota Hiace, uma viatura ligeira conduzido por um cidadão que estava detido na esquadra, e com matrícula estrangeira, fechou o seu caminho e três polícias rodearam a sua viatura, um do lado do motorista, outro do lado da passageira e outro posicionou-se na frente do minu-bus.
Pensando estar mal estacionado Alfredo Tivane tentou recuar o veículo que conduzia quando o polícia que estava do lado da sua porta apertou no gatilho. A bala entrou pelo lado direito da sua região lombar e saiu do lado esquerdo tendo ainda ferido, de raspão a jovem passageira.
Alfredo, pai de duas crianças, tombou sobre o volante. A sua viatura ainda deslizou em marcha trás e danificou um barraca. Os polícias acercaram-se, abriram a porta e o jovem de 31 anos de idade caiu inanimado no chão, de barriga para baixo, aos pés dos agentes da PRM que até a altura não pronunciaram uma única palavra, segundo a passageira que acompanhava o finado. Ainda de acordo com a jovem, os polícias, usando os pés, tentaram ver se Alfredo ainda estava com vida. “Este gajo morreu” questionou um dos agentes ao que outro respondeu “não ainda está vivo”.
Posteriormente os agentes da PRM agarraram no corpo de Alfredo “um policia de um pé, outro de outro pé e outro pelos braços” e, “atiraram para baixo do banco da carrinha” da corporação que entretanto apareceu.
A testemunha ocular, e também vítima dos agentes da polícia, foi aconselhada por alguns populares que entretanto se acercaram do local e conheciam a vítima para procurar um dos irmãos de Alfredo. A jovem localizou Beto, irmão da vítima, e ambos dirigiram-se à 7ª esquadra. Aí contactaram o proprietário do “chapa” que prontamente acorreu ao local. Na busca pelos polícias algozes Beto resolveu telefonar para o telemóvel do seu irmão e do outro lado atendeu um agente da PRM, ao que tudo indica do grupo dos três, e afirmou que estavam no Hospital Geral José Macamo com o corpo de Alfredo.
Transportados pelo patrão do finado dirigiram-se ao Hospital indicado onde um enfermeiro informou-lhes que Alfredo, e os polícias, já não se encontravam no local pois a vítima chegou já sem vida e foi reencaminhada à morgue do Hospital Central de Maputo. Na casa mortuária encontraram o corpo já sem vida de Alfredo Tivane, segundo de várias irmãos contudo único a produzir sustento para a sua família cujo patriaca é inválido.
Os três regressaram ao bairro do T3 onde dirigiram-se a esquadra e quiseram saber onde estavam os três agentes que estiveram envolvidos no assassinato. Não os encontraram e os agentes de serviço não se dispuseram a ajudar. Já com o sol a raiar Beto foi ter com o seu pai e deu-lhe a triste notícia.
“Queremos justiça”
Na sequência de mais esta morte, protagonizada por mais um agente da polícia da 7ª esquadra, os residentes do bairro T3 querem, primeiro, que lhes seja entregue o agente, identificado por algumas testemunhas oculares pelo nome de Pasmir, e que tirou a vida Alfredo, para fazerem-nos sentir na pele o mesmo que aconteceu com o finado e querem também acabar com esta esquadra pois não os protege.
Nesta sexta-feira, depois da cerimónias fúnebres, os residentes de T3 dirigiram-se pacificamente à 7ª esquadra para exigirem justiça e foram recebidos com agentes da polícia de armas em punho que dispararam, balas de borracha, sobre jovens e adultos de ambos os sexos. Os jovens ripostaram com pedras e durante algumas horas os confrontos tomaram conta da rua 4 de Outubro, ironicamente data em que se celebra a Paz em Moçambique.
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Segundo vários residentes é notória a inoperância dos agentes da 7ª esquadra. Há poucas semanas a casa dos padres, próxima a esquadra foi assaltada, e segundo uma residente que connosco presenciou a chegada de um reforço de três viaturas com pelo menos seis agentes da PRM cada, “um dos padres ligou-me para ir pedir ajuda à polícia, cheguei lá e disseram que não tinham efectivo nem carro. Mas agora como é para nos matarem há reforços”.
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Entretanto o comandante provincial da PRM, João Machava, havia afirmado à nossa Reportagem que o agente autor do disparo está detido e que foi aberto um processo-crime e disciplinar contra o “atirador” e foi constituída uma comissão de inquérito com vista a apurar a veracidade dos factos.
Porém estas palavras soam falsas para os residentes do bairro T3, e para muitos outros moçambicanos, que acreditam que este será mais um caso de um polícia que mata um cidadão indefeso e acaba por não ser responsabilizado pelo seu crime.
Mais de 26 vítimas em seis anos
Segundo dados fornecidos pela Liga Moçambicana dos Direitos Humanos (LDH), de 2007 a esta parte, mais de 26 cidadãos nacionais foram vítimas de baleamentos perpetrados por agentes da Polícia de Protecção e da Força de Intervenção Rápida. Aliás, estes casos são os que a nossa Reportagem contabilizou, dentre vários, aquando do levamento de dados junto da Liga.
Esta situação deixou sequelas nas vítimas para a vida toda. Algumas pessoas perderam os membros de locomoção e os movimentos e, em casos mais graves, como aconteceu com cerca de 65% deles, perderam a vida no local do crime e outros a caminho do hospital. Para além do luto nas famílias, algumas crianças ficaram desamparadas.
Dados recolhidos pelo @Verdade na LDH apontam que muitos casos de baleamento de cidadãos inocentes na cidade e província de Maputo estão estagnados, e outros ainda não merecerem nenhum processo-crime. Por via disso, muitas famílias perderam a esperança de ver os “polícias assassinos” criminalmente punidos e os que contraíram lesões ressarcidos. Aliás, aquela instituição acredita que há agentes que balearam, premeditadamente, cidadãos inocentes e indefesos mas encontram-se em liberdade.
Alguns casos malparados
Em 2007, Filipe Machava encontrava-se no bairro do Infulene, na companhia de amigos, a gozar uma folga. De repente, houve um tiroteio entre a Polícia e os malfeitores, o cidadão foi baleado e perdeu a vida algum tempo depois. Este caso ostenta o número 880/2007, na LDH.
No mesmo ano, um agente da corporação baleou Florência Mondlane, na 6ª esquadra, em Maputo. Nenhum processo-crime foi aberto. Enquanto isso, Gervásio Sambo foi atingido por uma bala perdida disparada por um agente da 12ª esquadra, em Agosto de 2007. Este caso diz respeito ao processo 457/2007.
À semelhança de Alfredo Tivane, no bairro T3 foi baleado, mortalmente, Daúde Mustafo, em 2009. Nenhum processo-crime foi instaurado contra o agente autor do tiro. Johane Matlombe, também, em 2009, foi alvejado pela PRM, na mesma zona. Os pormenores do crime fazem parte do documento 280-b/09 nas mãos da Polícia de Investigação Criminal.
A LDH tem catalogados tantos outros baleamentos que não conheceram nenhum desfecho entre 2007 e 2012. Em 2011, o cidadão Fernando Mazivila foi também baleado por um agente da Polícia na via pública. O historial está registado no processo 17/2011, nas gavetas da Polícia de Investigação Criminal.
Hélio Albano, Ângelo Nhocuane e Aorio Nhantumbo foram todos baleados no ano antepassado e os processos são 142/2011, 178/2011 e 519/2011, respectivamente. Em 2012, houve também muitos baleamentos. Refira-se, por exemplo, o caso de Felicidade Manuel, cujo crime está detalhado no processo 123/2012.