As autoridades judiciais moçambicanas estão a intensificar a divulgação e debate do Plano de Acção para a Prevenção e Combate ao Crime, instrumento que, entre outros, tem o objectivo de mobilizar o envolvimento de toda a sociedade no combate ao crime.
Quinta-feira, técnicos dos Ministérios da Justiça e do Interior apresentaram este plano aos chefes dos postos administrativos e de localidades da província de Gaza, Sul de Moçambique, com enfoque para os temas relacionados com tráfico de pessoas no país, papel do policiamento comunitário, ponto de situação das prisões nacionais e penas alternativas à prisão.
Falando sobre penas alternativas à prisão, Eduardo Mussanhane, coordenador do Projecto de Apoio do Cidadão ao Acesso Jurídico, defendeu a importância deste tipo de sanções para resolver o gritante problema de superlotação das cadeias. Aliás, na sua apresentação, o Director-geral do Sistema Nacional das Prisões, João Zandamela, disse que a maioria das 119 cadeias moçambicanas se encontram em situação de superlotação.
Actualmente, esses estabelecimentos prisionais alojam 13.453 pessoas, 4.704 dos quais ainda aguardando pelo julgamento. Só na província de Gaza (onde quatro distritos não dispõem de cadeias), a cadeia da cidade de Xai-Xai, capital provincial, tem a capacidade para 50 reclusos, mas agora aloja mais de 300. “Nessas condições é difícil assegurar os outros direitos aos reclusos, incluindo o de garantir cuidados médicos básicos… pior porque alguns reclusos recolhem a cadeia quando já estão doentes e quando chegam lá a doença piora, e se a doença for de fácil propagação contamina aos outros”, disse Zandamela.
O que mais preocupa as autoridades é o facto de mais de metade dos reclusos (64 por cento) estar a cumprir penas de entre três meses a um ano. Na sua maioria, essas pessoas foram penalizadas por prática de crimes de furto e roubos. Para resolver este problema (superlotação de reclusos nas cadeias e existência de diversos processos aguardando pelo julgamento), as autoridades judiciais e policiais propõem a tomada de uma série de acções.
A Policia tem o seu enfoque no reforço do patrulhamento comunitário, envolvendo membros das próprias comunidades, mas a Justiça propõe alguma reforma legal sobre as penas para ajustar a realidade local, também contando com o envolvimento das comunidades. Na sua apresentação intitulada “Boas práticas para resolver o problema de superlotação nas cadeias”, Eduardo Mussanhane disse que, a luz da legislação em vigor, o juiz pode determinar a conversão das penas de até um ano em cauções e multas, mas a maioria dos condenados não tem dinheiro para optar por esta medida, acabando por permanecer nas cadeias.
“A maior parte dos reclusos que se encontram na cadeia nem são maus, nem perigosos… são pobres e que, por isso, não conseguem pagar caução e nem acesso ao apoio legal porque não tem dinheiro para pagar advogado para os defender”, disse Mussanhane, argumentando que o mesmo recluso representa um encargo para o erário público.
“Perguntei ao Director das prisões quanto é que custava um recluso na prisão e ele respondeu-me que custa 3.500 Meticais (pouco mais de 100 dólares norteamericanos) por mês”, disse, acrescentando que o dinheiro (proveniente dos impostos dos cidadãos) gasto para custear a vida dos milhares de reclusos existentes no país pode ser usado para financiar diversos projectos de desenvolvimento nos distritos.
Mussanhane explicou aos chefes dos postos administrativos e localidades da província de Gaza que a ideia em debate consiste na criação de uma ordem judicial para o delinquente passar a prestar serviços voluntários e não remuneráveis às comunidades a quem ofendeu ao invés de ficar encarcerado na cadeia. Segundo ele, as penas alternativas devem ser decididas ou propostas pelos líderes tradicionais, mas, a prior, os infractores condenados podem realizar trabalhos de limpeza e manutenção de jardins, estradas e valas de drenagem, participar nas obras de construção ou manutenção de infra-estruturas públicas como escolas, hospitais, entre outras.
“Esta medida vai permitir ao delinquente estar em permanente contacto com a sua família (evitando que ela fique desprotegida e sem o sustento do seu responsável que estiver detido) e ele vai se sentir prestigiado por estar a realizar um trabalho para a comunidade e ainda poderá ter a possibilidade de manter o seu emprego”, disse Mussanhane. Aliás, considera-se que, ao beneficiar de uma pena alternativa à prisão, o delinquente tem a possibilidade de não deixar a sua família vulnerável a pobreza.
Falando sobre o crime de tráfico de seres humanos, o Director da Unidade Técnica de Reforma Legal (UTREL), Abdul Carimo, apontou a pobreza como sendo um dos factores que propiciam a ocorrência deste tipo de crime considerado como sendo “um atentado contra a dignidade da pessoa humana”. Carimo considera que, aliada ao problema de migração transfronteiriça, trabalho infantil, conflitos armados, desempregos, entre outros, a pobreza constitui um dos factores do tráfico de seres humanos na região da Comunidade de desenvolvimento da Africa Austral (SADC).
Ele disse que este tipo de crime é mais grave nesta região de Africa, tendo a vizinha Africa do Sul como principal ponto de chegada das vítimas do tráfico. Esta triste realidade é exacerbada pela inexistência de instrumentos legais capazes de combater severamente esse crime nos países membros deste bloco regional. “São traficadas na região cerca de 35.000 crianças por ano e, segundo dados da Polícia sul-africana, existem 28.000 no centro de prostituição na África do Sul, dos quais 30 por cento são sul-africanos e 70 por cento dos países da região”, disse Carimo, citando um estudo realizado em 2003. Segundo referiu a fonte, apesar dos países da SADC reconhecerem a existência de problemas nos seus territórios, nem todos ratificaram as Convenções Internacionais cobre o tráfico de seres humanos, particularmente de mulher e crianças.
“Dos 14 países da SADC, apenas quatro tem Lei de Combate ao Tráfico de Seres Humanos e três têm leis que regulam apenas algumas questões específicas do tráfico”, disse. Dada esta situação, Carimo disse ser necessário o envolvimento da sociedade civil e as confissões religiosas na promoção de campanhas de consciencialização e de sensibilização das famílias, comunidades e das escolas para que elas possam proteger melhor as crianças.
Além disso, ele defende que os municípios e comunidades devem ser capacitados sobre como identificar crianças, adolescentes e jovens vulneráveis ao tráfico, ou outras formas de abuso e exploração para tomada de medidas preventivas. Outra medida necessária é o desenvolvimento dos organismos de policiamento comunitário e reforço das campanhas de vigilância ao nível das comunidades.
O Plano de Acção para a Prevenção e Combate ao Crime foi elaborado pelo Ministério da Justiça em resposta às recomendações da primeira Conferência Nacional de Prevenção e Combate à Criminalidade, realizada em Março passado, em Maputo. Após a auscultação pública em curso, as propostas sobre a alteração da legislação penal serão submetidas a Assembleia da República, o Parlamento moçambicano, mas tal só será na próxima legislatura.