As campanhas de prevenção em Moçambique têm ignorado até hoje a questão da deficiência expondo os portadores a comportamentos de risco. Stefania, 17 anos de idade, anda em cadeira de rodas desde criança, quando sofreu um acidente de viação.
Ela gosta de frequentar o Celso, um bar conhecido em Matundo, na cidade de Tete, capital da província do mesmo nome, no noroeste de Moçambique. Matundo fica às margens do rio Zambeze e tem uma das únicas pontes sobre o rio em toda a região, atraindo o tráfico de pessoas e mercadorias entre o Malawí e o porto de Beira.
Ao fim da tarde, já meio escuro, é possível ainda ver a longa bicha de camiões a esperar para atravessar a ponte. Enquanto acompanha o movimento de longe, Stefania conta: “Tenho estado aqui [no Celso] para me distrair e vejo várias moças a subir em camiões.
Algumas já ficaram grávidas e duas vizinhas minhas ficaram muito doentes. Então ter muitos amantes pode acabar em desgraça”, conclui.
Desinformação
O que Stefania sabe sobre o HIV/SIDA aprendeu por observação. As campanhas de prevenção em Moçambique têm ignorado até hoje a questão da deficiência e o fato de jovens como ela frequentarem bares e festas e estarem expostos a comportamentos de risco. Isto, num país em que 10 por cento dos 20 milhões de habitantes vivem com algum tipo de deficiência, segundo estimativas da Organização Mundial de Saúde (OMS).
O próprio Ministério de Saúde (MISAU) estima que 324 mil moçambicanos com deficiência sejam seropositivos. Moçambique tem uma seroprevalência de HIV/SIDA de 16 por cento entre adultos. Um estudo de 2007, da organização missionária Milagres em Moçambique (MIM), constatou que a ausência de oportunidades educacionais a pessoas com deficiência resulta na falta de informações sobre o HIV/SIDA, tornandoas ainda mais vulneráveis no início de sua vida sexual. “Eu sei que existe HIV/SIDA. Você pode ficar infectado ao beijar ou manter relações sexuais com uma pessoa muito doente.
Fora destes, não conheço outros meios de infecção” explica, demonstrando baixo conhecimento sobre formas de transmissão. A pessoa com deficiência está inserida neste mundo e também é vitima das intempéries que recaem sobre esta sociedade. O estudo da MIM envolveu crianças e jovens com e sem deficiência entre 11 e 23 anos, dentro e fora da escola, e revelou também que as campanhas sobre a SIDA não consideram necessidades básicas dos quem vivem com deficiência, como o uso da língua para os surdos e publicações em braile para os cegos. Nos casos de deficiência visual, outro obstáculo é a falta de publicações sobre SIDA em braile ou letras com fontes (tamanho) maiores.
“Temos registado casos de abusos sexuais contra pessoas com deficiências e isso piora a sua vulnerabilidade em relação ao HIV/SIDA. Há ainda um baixo nível de conhecimento sobre a doença, aliado à ineficácia das campanhas”, desabafa Sérgio Reis, presidente da Associação de Jovens com Deficiência de Moçambique (AJUDEMO) de Tete. A associação trabalha com pessoas com deficiência visual, auditiva e física, em áreas como liderança juvenil, educação para paz e HIV/SIDA. O estudo do MIM corrobora a falta de informação sobre a epidemia: apenas 10 por cento dos entrevistados sabiam da diferença entre o vírus (HIV) e a doença (SIDA) e somente quatro por cento conheciam os sintomas da SIDA.
Para Reis, é preciso entender a deficiência para explicar sobre a SIDA, porque a pessoa com deficiência está inserida neste mundo e também é vitima das intempéries que recaem sobre esta sociedade.
Formar para informar
Para inverter o cenário, algumas iniciativas estão a ser desenvolvidas para formar e informar os deficientes a lidarem com a questão do HIV/SIDA na província de Tete.
“Temos vindo a trabalhar com vários parceiros para reduzirmos a exclusão e a discriminação das pessoas que vivem com deficiência nas comunidades e a transformarmos os alfabetizados em activistas para ensinar sobre a SIDA”, disse Reis. O projecto conta actualmente com 10 activistas de SIDA entre os cerca de 430 associados da AJUDEMO em Tete e na cidade vizinha de Moatize. “Os activistas são formados e têm a tarefa de identificar outras pessoas com deficiência nos seus bairros e planear as abordagens temáticas sobre a SIDA, consoante as necessidades e capacidades de cada um”, referiu Reis.
A iniciativa procura adequar as campanhas ao público alvo: promover conversas simples e directas para quem tem deficiência intelectual ou ensinar o manuseio do preservativo para os cegos. E usa igualmente os jovens intérpretes da língua de sinais para desenhar imagens comunicativas para surdos. Os activistas também se encarregam de ajudar as pessoas com deficiência a ultrapassarem as barreiras arquitectónicas nos centros médicos e poderem fazer testagem de HIV e, se necessário, tratamento, além de actuarem na adaptação do aconselhamento para surdos.
Além de informação, há projectos de geração de rendimento para reduzir a mendicidade, que os torna mais expostos e vulneráveis.
Musica e desporto
Outra associação que trabalha com prevenção e HIV é a Associação Desportiva para as Pessoas Portadoras de Deficiência de Tete. “Achamos que juntando as pessoas com deficiência em torneios desportivos e em shows musicais, ajudaríamos a fazer chegar as mensagens sobre a doença de uma maneira mais divertida e consistente”, disse Ilton Qualquer, membro da associação.
Segundo Qualquer, um grande número de pessoas que vive com deficiência faz-se presente nos torneios e sente-se mais à vontade para se expressar e participar dos concursos com abordagens sobre o HIV/SIDA. A Handicap Internacional, em coordenação com o Fórum das Associações Moçambicanas dos Deficientes (FAMOD), tem vindo a advogar para que as mensagens de prevenção do HIV, assistência médica e serviços de saúde reprodutiva cheguem até às pessoas com deficiência.
A advocacia inclui a construção de rampas nas unidades sanitárias, para facilitar o acesso dos que andam em cadeira de rodas e dos que têm dificuldade de locomoção aos serviços de saúde. Ainda sem contacto com nenhuma destas iniciativas, Stefania sonha: “Se eu tivesse conhecimentos e fosse formada