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Património cultural não se traduz em reconhecimento financeiro

O reconhecimento social do património cultural de Moçambique ainda não se traduz em benefícios financeiros para os principais promotores das artes, segundo indica um estudo lançado, Quarta-feira, em Maputo.

Esta é uma das conclusões do estudo socio-económico das indústrias de música e artesanato na cidade de Maputo bem como dos distritos de Zavala, província sulista de Inhambane, e da Ilha de Moçambique, província de Nampula, Norte do país.

“O reconhecimento social do património cultural não se traduz em reconhecimento financeiro devido ao fraco poder de compra ao nível local”, disse Frederico Vignati, consultor que esteve envolvido na realização deste estudo da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO).

Na ocasião, Vignati apresentou dados da Ilha de Moçambique, local proclamado pela UNESCO como Património Cultural da Humanidade, segundo os quais a média dos rendimentos mensais dos músicos ronda a 73 meticais (2,3 dólares norteamericanos).

Esse problema resulta da limitação do mercado dos artistas locais, situação agravada pelo facto dos poucos rendimentos obtidos serem distribuídos por todos os membros de uma determinada banda musical.

De acordo com o estudo, a Ilha de Moçambique conta com um total de 474 músicos que realizam regularmente a sua actividade artística, dos quais apenas 142 afirmaram que os seus rendimentos mensais superam mil meticais.

Estes rendimentos estão muito aquém do valor correspondente as despesas mensais de uma família moçambicana que, de acordo com estatísticas oficiais, rondam 4,200 meticais.

O consultor reconhece que o valor é pouco, mas defende que este serve como um complemento. Um dos problemas da Ilha de Moçambique é a falta de entidades responsáveis pela promoção de eventos culturais que mais tarde poderiam pagar os artistas pelo seu trabalho.

“Por outro lado, há uma forte dependência da cultura com o turismo, que é uma actividade sazonal”, disse Vignati, sublinhando a necessidade de haver um elo de ligação da Ilha com os outros mercados do país.

Um cenário similar ao da Ilha de Moçambique verifica-se no distrito de Zavala, a sede da Timbila, nome da dança e do instrumento musical também proclamado património cultural da humanidade.

Neste momento, Zavala conta com 26 grupos musicais no activo, organizações que movimentam um total de 663 artistas. Deste universo, 62 por cento dos artistas dizem conseguir rendimentos mensais que superam mil meticais.

Aqui verifica-se uma forte ligação entre a música e o artesanato, uma vez que os instrumentos usados pelos músicos são produtos de artesanato. Mas os artesãos ganham mais que os músicos, uma vez que conseguem rendimentos mensais acima de três mil meticais.

Contudo, Zavala também tem o problema da sazonalidade da actividade artística, já que o momento de pico das artes é o festival da Timbila, que acontece em todos os finais de semana de Agosto, não havendo depois uma continuação de eventos de género.

Por isso mesmo, os músicos locais têm outras fontes de rendimento e 72 por cento deles afirmam que a actividade artística apenas lhes confere renda complementar. Vignati defende que uma das soluções para o caso de Zavala é tornar este distrito numa aldeia cultural, a semelhança do modelo das aldeias do milénio.

“Zavala deveria ser um lugar onde se pode ver uma série de dinâmicas culturais”, disse, sublinhando que tal permitiria transformar o distrito numa espécie de mercado.

Além disso, o consultor defende que os moçambicanos devem ser os principais clientes das artes produzidas no seu país para garantir que haja uma dinâmica da indústria das artes capaz de gerar rendimentos.

“Quando você vai comprar um instrumento musical deve saber que está a contribuir para a dinâmica da indústria das artes”, afirmou, acrescentando que “o turista estrangeiro só vai agregar valor para ter um complemento”.

Essa revolução também passa pela mudança de atitude por parte dos dirigentes do Estado, uma vez que também solicitam serviços dos artistas. “Mais de 60 por cento dos eventos de dança ocorrem por ocasião de visitas das autoridades”, disse, sublinhando que “o reconhecimento social das artes deve também se traduzir no reconhecimento financeiro… isso poderá contribuir para o aumento da sua renda”.

Maputo é uma ‘ilha’

O caso de Maputo, a cidade capital do pais, constitui uma excepção, quando comparado com o impacto socio-económico das indústrias de música e artesanato na Ilha de Moçambique e em Zavala, locais que gozam de uma reputação internacional no mundo artístico.

Apesar da contribuição das artes não constar nas estatísticas da economia global, cálculos indicam que os cerca de 730 artesãos e 800 músicos existentes na capital do país movimentam cerca de 46 milhões de meticais de rendimentos por ano.

Segundo o consultor Lorraine Johnson, da UNESCO, estas estimativas têm como base o facto de a média mensal dos rendimentos do artista da cidade de Maputo ser de 2,500 meticais.

Por outro lado, Johnson disse haver benefícios resultantes de exportações indirectas de artigos de artes realizadas pelos cerca de 133 mil turistas estrangeiros que visitam o país anualmente. Estimativas indicam que cada turista que entra no pais faz gastos financeiros na ordem de 2,800 meticais.

“Podemos estimar em 42 milhões de dólares o valor das coisas que as pessoas levam na mala ou nos bolsos quando saem do país”, disse o pesquisador.

Johnson referiu que, em geral, as artes contribuem para a vida de 7500 pessoas na cidade de Maputo, além do facto de que, sem as artes, a capital moçambicana seria algo diferente e menos animada.

Em Maputo, cerca de 80 por cento dos músicos e parte dos artesãos entrevistados ganham cinco mil meticais ou mais, enquanto 89 por cento dos artesãos dizem ter rendimentos acima de 2,500 meticais.

Aliás, alguns desses artistas (36,3 por cento dos músicos) até possuem meios de transporte próprios, e quase o total deles têm rádio e televisão.

Apesar dessa realidade pouco animadora, Johnson disse ser importante que se desenvolva o design dos produtos de arte, a sua marca, bem como assegurar-se maior qualidade e quantidade, história em torno dos artigos e desenvolver produtos “verdes”.

Uma recomendação que é valida para todos os artistas do país tem a ver com a inovação, uma vez que a sua maioria faz sempre a mesma coisa, não havendo, por isso, a possibilidade de vender o mesmo produto várias vezes para os mesmos clientes.

Só com essas e outras medidas as artes poderão contribuir mais para o crescimento do país, como no caso do Reino Unido, por exemplo, onde a indústria cultural emprega cerca de 678.400 pessoas, tendo uma contribuição anual de 25 biliões de libras para a economia.

Financiado pelo Fundo dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio (MDGIF) e pela Agência Sueca de Cooperação Internacional para o Desenvolvimento (Sida), este estudo enquadra-se no objectivo relativo a Cultura e Desenvolvimento.

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