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“Passagem automática é um fiasco”

“Passagem automática é um fiasco”

A passagem automática, no entender da Associação Moçambicana para a Promoção da Cidadania (AMOPROC), “é uma cabala para a manutenção do poder”. @Verdade conversou com Fernando Augusto, director executivo da AMOPROC, que, entre outras coisas, afirmou que “o Estado não cria condições para que as pessoas gozem do exercício de cidadania”. Pelo meio apontou o dedo ao debate em torno do Novo Código Penal, e passou ao lado do “cidadão pacato” ao centrar a discussão “nos grandes centros urbanos”. Os que não falam a língua portuguesa, a maioria da população moçambicana, diz, vão viver condicionados por algo que foi “discutido por académicos”…

(@Verdade) – O que é AMOPROC?

(Fernando Augusto) – Associação Moçambicana para a Promoção da Cidadania. Foi fundada juridicamente em 2006. Porém, antes era Associação Moçambicana para a Reintegração Social e foi fundada em 1993 depois da guerra civil. Em 2000, quando as condições para a reintegração social dos desmobilizados de guerra e outros grupos foram criadas, achou-se melhor mudar de foco. Com o actual cenário, criámos a AMOPROC para que os cidadãos tenham a oportunidade de conhecer os seus direitos e deveres.

(@V) – Desde que surgiu até aos dias de hoje que ideia a AMOPROC tem da percepção dos moçambicanos em relação aos seus direitos e deveres de cidadania?

(FA) – A sociedade moçambicana sabe que tem direitos, mas em contrapartida é preciso que os direitos sejam estabelecidos a partir dos seus deveres. O Estado cobra mais deveres e não concede direitos aos cidadãos. Por essa razão, nos dias de hoje, discute-se a questão do Orçamento do Estado.

O moçambicano não sabe com quanto é que contribui para o Orçamento. Portanto, existe uma discrepância entre direitos e deveres. Temos direitos em Moçambique que ainda continuam a não ser respeitados.

(@V) – Pode explicar melhor que direitos é que não são respeitados pelo Estado?

(FA) – O Estado cobra impostos aos cidadãos, mas não sabemos para onde é que os mesmos são canalizados. Dei exemplo do Orçamento do Estado. Ou seja, desses impostos cobrados par o funcionamento do Aparelho do Estado o cidadão não sabe qual é o valor da sua contribuição.

Todos pagamos IVA, mas quantas escolas no país têm carteiras? O nosso contributo, mesmo que seja ínfimo, tem de ser público. Estamos a transformar-nos num país cada vez mais endividado e não sabemos para onde é que o nosso dinheiro vai.

(@V) – O que a AMOPROC faz em relação a esse aspecto?

(FA) – No nosso plano estratégico foram estabelecidos três objectivos: fortalecer a sociedade civil a participar activamente no processo democrático a nível local, principalmente no concerne à boa governação, contribuir para o combate à corrupção e melhorar o acesso à justiça em Moçambique. Temos dado treinamento a nível local.

Criámos grupos de advocacia e estamos estabelecidos em todo o país através de delegações provinciais. Temos agora a delegação do Niassa que está a trabalhar no fortalecimento da participação da juventude nos distritos. Estamos a trabalhar em Namaacha, Marracuene, Jangamo, Inharrime e Chibuto na capacitação para que a sociedade civil esteja mais vigilante no que diz respeito às políticas públicas.

(@V) – Há um fosso grande em relação ao nível de cidadania entre o meio urbano e o rural?

(FA) – Existe. Primeiro, porque a informação no distrito é escassa. Temos, por exemplo, o jornal notícias que é o de maior circulação a nível nacional, mas nem todos distritos têm acesso ao jornal no mesmo dia. Trabalhamos em Nangade onde o jornal chega três ou quatro dias depois de sair. Às vezes nem chega. O nível de cidadania, de facto, é fraco. Porém, para termos uma melhor cidadania devemos melhor o acesso à informação. Por exemplo, se um jornal chega ao distrito é lido por que número de pessoas? Quantas pessoas percebem português? Esse é outro entrave para as pessoas. Todos jornais estão escritos em língua portuguesa e nós temos acima de 52 porcento da população analfabeta.

(@V) – Qual é o papel das rádios nesse trabalho? O país conta com uma grande número de rádios comunitárias…

(FA) – A nível das rádios comunitárias a informação é divulgada. Porém, algumas rádios para funcionar devem obedecer a uma linhagem. Na semana passada a Rádio Maceque foi vítima de censura por questões políticas. Ou seja, temos rádios, mas poucas conseguem ser independentes.

(@V) – O Governo é um entrave para a própria cidadania e para liberdade de alguns meios de comunicação de massas no sentido de definirem uma linha editorial independente?

(FA) – O próprio Estado é que ainda não criou condições para que todo moçambicano goze do exercício da cidadania.

(@V) – Não há interesse por parte do Estado em relação ao exercício de cidadania?

(FA) – Penso que não. Há um anteprojecto de lei de acesso à informação depositado há cinco anos e até hoje não foi aprovado. Nem agendado. Quer dizer que o Estado moçambicano não está interessado.

(@V) – O vosso estudo, lançado recentemente, refere que há uma escassa participação dos jovens nos órgãos de tomada de decisão a nível distrital. O mesmo estudo argumenta dizendo que tal se deve à marginalização das políticas sociais que poderiam favorecer os jovens. Que políticas são essas?

(FA) – A primeira coisa é que o próprio jovem é discriminado pela idade. Ou seja, por ser jovem.

(@V) – Compreendemos, mas o que pretendemos é saber que políticas poderiam favorecer os jovens e são marginalizadas?

(FA) – Nós pensamos que deve haver um consentimento naquilo que é a participação obrigatória. Devem ser elaborados instrumentos legais que permitam a participação obrigatória da juventude em termos de interesses sociais. Falta aqui o enquadramento das políticas de interesse social deste grupo.

(@V) – Quais seriam esses interesses?

(FA) – O estudo revela que a maior parte dos jovens que está nos órgãos de tomada de decisão, em termos colectivos, provém da OJM. Há um interesse político que visa responder a outras questões. Em termos singulares, temos professores, mas estes não podem expressar os seus reias anseios por temerem represálias. Portanto, existe este caos que não permite que a participação da juventude seja reflectida e activa na defesa dos seus interesses.

(@V) – A presença dos membros da OJM, no vosso entender, é nefasta aos interesses da juventude?

(FA) – É, porque eles têm uma agenda política, a qual deve ser concretizada através desses órgãos. Por exemplo, se o partido define que a juventude da OJM deve ter uma sede distrital, eles vão levantar e construir a sede, em detrimento de espaços de lazer ou de encontro de jovens.

(@V) – O que os jovens no distrito fazem para mudar tal situação?

(FA) – Os jovens não têm espaço. O único espaço que deveriam ter é esse. Mas há muitas associação juvenis que são impedidas de participar.

(@V) – O espaço conquista-se…

(FA) – Conquista-se, mas que bases nós temos para a conquistar?

(@V) – Mas eles lutam pelo espaço?

(FA) – Lutam, mas chega uma altura em que são intimidados. Temos visto nas presidências abertas. Quando um cidadão levanta- -se é um problema. Há uma senhora que até hoje é perseguida por ter denunciado um caso que se deu na Direcção Provincial dos Antigos Combatentes. São casos que intimidam. Tivemos o caso de um jovem em Boane que disse que não conhecia o administrador e que era um dirigente de gabinete. Este jovem foi alvo de chantagem. Foi levado à esquadra.

(@V) – Que prejuízos são causados às comunidades face a esta participação deficitária dos jovens no processo de tomada de decisões?

(FA) – Não há desenvolvimento. Ou seja, o jovem deve livrar-se das drogas e da prostituição e sem esses centros juvenis de recreação e entretenimento o que os jovens fazem? Aliam-se às quadrilhas de assaltantes e por aí fora. Se formos a ver as percentagens dos presos, notaremos que a maior parte é constituída por jovens. Porquê? Porque foi encontrado com um pato, esfaqueou alguém. Em suma: a força activa está encarcerada nas cadeias.

(@V) – Que programas desenvolve a AMOPROC actualmente?

(FA) – Temos o programa de fortalecimento da sociedade civil, com enfoque para os jovens. Acreditamos que os jovens são os que mais sofrem pela corrupção, injustiça e falta de oportunidades.

(@V) – Qual é o papel da Rádio da AMOPROC no vosso trabalho?

(FA) – Promover a cidadania. Porém, neste momento estamos a tentar transferir a rádio para o distrito, de modo a que se faça sentir mais na vida das pessoas.

(@V) – Que programas passa?

(FA) – Em termos de linha editorial, a rádio AMOPROC deveria estar a emitir programas ligados ao exercício da cidadania, mas, por questões organizacionais, não está a emitir estes programas. Agora passamos mais informação. Porém, agora temos uma assessora que nos veio apoiar no desenho do perfil da própria rádio para servir a comunidade. Não somos uma rádio comercial.

(@V) – Vocês têm um programa designado “Mulheres Cidadãs”. Qual é o espírito do programa?

(FA) – Visa dar mais espaço às mulheres. Se olharmos para o país fora percebe-se que as nossas mulheres sofrem por causa de ausência de cuidados médicos, principalmente no momento de gestação. Os hospitais ficam muito distantes das comunidades e os poucos que existem não têm material médico adequado.

Nem sequer possuem recursos humanos qualificados. Portanto, nós estamos a criar esse tipo de núcleos para que sejam capacidades em saúde sexual e reprodutiva, para além de que elas precisam de ter fundos para o desenvolvimento das suas iniciativas a nível local.

Pensamos que eles devem monitorar as políticas públicas, sobretudo na óptica do género. No trabalho que estamos a fazer detectamos que ao nível dos FDD existe uma grande discrepância entre os valores que os homens e as mulheres recebem.

Ou seja, podemos ter 1000 mulheres com igual número de projectos aprovados, mas o volume de recursos destinado é inferior a dois projectos de pessoas do sexo masculino. Para colmatar este fosso estamos a tentar que elas sejam contempladas no processo de desenvolvimento da mulher a nível distrital.

(@V) – Com que instituições desenvolvem o programa de combate à corrupção?

(FA) – Ao nível do Governo trabalhamos com o Gabinete Central de Combate à Corrupção. No que diz respeito às organizações da sociedade civil trabalhamos com a ActionAid.

(@V) – O que fazem concretamente nesse programa? (FA) – Ao nível das comunidades treinamos as organizações de base comunitária em ferramentas de combate à corrupção. Levamos avante acções com palestras e pequenas marchas.

(@V) – Quanto custa uma capacitação dessa natureza?

(FA) – Uma capacitação de cinco dias custa entre 250 e 300 mil meticais.

(@V) – Onde é que a AMOPROC vai buscar fundos para custear tamanhas despesas?

(FA) – Nos parceiros. Temos parceiros que trabalham connosco em programas específicos. Não são programas permanentes.

(@V) – A AMOPROC é uma organização que depende de doações. Portanto, não gera recursos. Tal situação, de alguma forma, não condiciona a agenda da AMOPROC em função dos interesses de quem apoia financeiramente?

(FA) – Não. Os doadores não interferem no trabalho. Até porque nós é que elaboramos a nossa proposta e submetemos a eles. Quando não vai ao encontro dos objectivos que eles pretendem a proposta não é aprovada.

(@V) – Mas pode-se dar o caso de um doador impor a sua agenda…

(FA) – Nunca tivemos um caso do género. (@V) – Diante de tal hipótese, a AMOPROC estaria em condições de não se sujeitar aos interesses de quem detém o dinheiro?

(FA) – Não estamos em condições de ser influenciados. Não abrimos essa possibilidade.

Vitórias da AMOPROC

(@V) – Falámos em frustrações, mas também é importante abordar as vossas vitórias. Existem?

(FA) – Sim. Nos distritos há uma participação activa dos jovens. Não como membros dos Conselhos Consultivos, mas como cidadãos que assistem às sessões e levantam questões pertinentes. Temos, ao nível dos distritos, mulheres que sabem que também têm o direito de receber grandes valores nos projectos que apresentam. Temos mulheres que submetem projectos e discutem quando estes não são aprovados.

No seio da juventude há, agora, uma percepção generalizada de que deve participar no desenvolvimento da comunidade. Já existe um cometimento dos próprios governos distritais. Um dos grandes problemas que existe, mesmo no seio dos nossos governantes, é que eles são pouco dados à leitura das leis e isso condiciona a participação da juventude. Passaram a ler porque passaram a ser questionados.

Frustrações da AMOPROC

(@V) – Quais são as frustrações da AMOPROC no trabalho que desenvolve?

(FA) – Falta de abertura política ao nível dos distritos. Uma das grandes, e talvez a maior frustração é a não aprovação da lei de acesso à informação. Nós participámos na elaboração da proposta, e vermos que esse dispositivo legal não é aprovado é revoltante.

(@V) -Que pontos a AMOPROC colocou na proposta de lei?

(FA) – Não vou dizer a AMOPROC, mas o colectivo que esteve em frente desse processo. Não posso mencionar a AMOPROC somente porque estivemos a ser coordenados pelo MISA. Porém, as nossas propostas foram todas seleccionadas e colocadas na lei. Não sabemos qual é a informação que deve ser pública. O que é segredo de Estado? É não facultarem ao público o relatório de execução do orçamento ao nível dos distritos.

(@V) – Que benefícios a AMOPROC retiraria da aprovação da lei?

(FA) – Não só beneficiaria a AMOPROC. Os órgãos de informação também sairiam beneficiados. Não temos um instrumento jurídico que obrigue o Estado a fornecer tal informação, embora a Constituição da República diga que temos direito ao acesso à informação.

(@V) – Falo do vosso trabalho em concreto…

(FA) – Teríamos aquilo que são os planos de desenvolvimento do distrito a qualquer momento. Para ter um PESOD (Plano Económico e Social e Orçamento Distrital) é complicado. Há muitos que não facultam. Às vezes vamos aos distritos e dizem que os planos que têm ainda são uma espécie de esboço. Esboço de Janeiro até Dezembro? Isso não contribui para aquilo que são algumas acções da AMOPROC.

(@V) – Olhando especificamente para o trabalho da AMOPROC, como interpreta o acesso à justiça no país?

(FA) – Está mal, razão pela qual agora temos a tenda da justiça. Se for a ver quantas pessoas vão à tenda da justiça… É um número monstruoso. Nas zonas rurais as pessoas têm de ir até as vilas para encontrar juízos. A justiça é o grande calcanhar de Aquiles do nosso país, sobretudo nos distritos. Os tribunais comunitários poderiam ser uma alavanca para a sociedade civil, mas não funcionam porque não têm meios.

As pessoas que lá estão não reúnem capacidade para interpretar as leis porque estas vêm escritas em português. Nesses lugares as pessoas falam as línguas locais. Isso dificulta a interpretação das mesmas, para além de que estes membros não reúnem consenso. As comunidades locais não os assumem como pessoas da justiça informal, se assim quisermos chamar.

(@V) – Quantas pessoas a AMOPROC formou em conteúdos relacionados com a cidadania?

(FA) – Nós já formámos aproximadamente 300 jovens, entre mulheres e homens, para além dos membros dos Conselhos Consultivos.

(@V) – Em que distritos se encontram estes jovens?

(FA) – Nos distritos de Namaacha, Marracuene, Chibuto, Macia, Jangamo, Inharrime, Moeda e Nangade, para além de toda a província de Niassa onde temos uma delegação.

Desafios

(@V) – Quais são os desafios para os próximos anos? (FA) –Trabalhar para que os jovens sejam actores chave da elaboração do plano de desenvolvimento dos distritos. Queremos que os jovens participem activamente no combate à corrupção e que lutem pela melhoria da justiça.

(@V) – O que a AMOPROC pensa da revisão do Código Penal?

(FA) – Para nós o Código Penal é um documento muito extenso e eu acho que a discussão devia ser feita em pacotes. Não só porque não gostamos da leitura, mas porque o próprio volume de informação assim determina.

(@V) – Mas o que pensam da discussão em torno do corpo do Novo Código Penal e do envolvimento da sociedade civil?

(FA) – Quem é a sociedade civil? Porque o importante é perceber quem é essa sociedade civil que é tida em conta para ser ouvida. Para nós envolver a sociedade civil não é vir ter com a AMOPROC e falar do Código Penal para depois dizerem que foi ouvida a sociedade civil. As coisas não podem partir daí. Todos nós devemos ser envolvidos no processo. A auscultação não pode ocorrer somente nas cidades ou nos grandes centros urbanos.

Os locais onde foi ouvida a sociedade civil foram as grandes cidades, mas a sociedade civil que de facto está a trabalhar e precisa deste Código Penal não se circunscreve às cidades. Aquela que está nas zonas recônditas precisa deste dispositivo porque é a que mais sofre. Há muita coisa que se diz em nome da sociedade civil neste país, mas se nós formos a ver a sociedade civil percebemos que procuram académicos. O académico fala em termos académicos. É preciso ouvir o cidadão pacato. Qual foi a língua usada para ouvir essa sociedade civil? A língua também é importante.

Não é todo cidadão moçambicano que fala perfeitamente português. Estamos num país em que a língua é o grande entrave para a participação do cidadão nos processos democráticos e de transparência em Moçambique. Se formos a pedir o número da sociedade civil auscultada para a revisão do Código Penal vamos ver que nem 200 associações foram contempladas. Em Moçambique há mais de 5000 associações.

(@V) – Mas em cada província as organizações da sociedade civil tiveram três horas para colocar as suas propostas e discutir o corpo da proposta do Novo Código Penal.

(FA) – Três horas é tempo suficiente para um bairro.

(@V) – Durante o vosso trabalho têm testemunhado muitas injustiças?

(FA) – Várias. Quando presenciamos situações do género ou quando as pessoas vêm ter connosco encaminhamo-las para a Liga Moçambicana de Direitos Humanos. Há senhoras que vêm porque foram expulsas de casa, ora porque os familiares dos maridos ficaram com a herança dos filhos. Aparecem jovens que foram expulsos porque reclamaram de alguma injustiça.

(@V) – Jovens expulsos da Função Pública por não pertencerem ao partido no poder?

(FA) – Não, mas por terem reclamado pelos seus direitos. Não só no Aparelho do Estado, mas também no sector privado. Há muitas injustiças neste país no sector privado. Por exemplo, a Lei de Combate à Corrupção não engloba o sector privado. O último Código de Conduta não engloba o sector privado, mas hoje em dia o sector privado também é um grande empregador. É preciso que isso seja revisto.

(@V) – No que diz respeito ao estudo, que medidas serão tomadas?

(FA) – Vamos avançar com as recomendações propostas pelo estudo. Por exemplo, em termos daquilo que é o nosso plano para o próximo ano é tentar advogar para a criação de um regulamento que obrigue à participação dos líderes comunitários e da própria juventude nos Conselhos Consultivos. Temos a Lei 67/2009 que prevê a participação da juventude nesses órgãos na ordem dos 20 porcento.

Porém, tendo em conta que a maior parte da população do país é jovem nós achamos que 20 porcento é pouco. Queremos que a cifra suba para 30 ou 40 porcento. Esse é o nosso grande desafio para o próximo ano. Também pretendemos treinar jovens no distrito para a monitoria das políticas públicas.

(@V) – É confortável para o Governo que as organizações da sociedade civil não sejam geradoras de rendimento?

(FA) – Sim. Nós temos fundos limitados e não podemos ir para além desses fundos. Portanto, se não temos fundos não conseguimos trabalhar e o Governo pode dormir descansado.

(@V) – Neste contexto qual é o futuro da cidadania em Moçambique?

(FA) – É um processo. Vai levar tempo, mas com mais 50, 100 anos chegaremos onde queremos.

(@V) – Fala de 50, 100 anos para elevarmos o nível de percepção e participação do cidadão?

(FA) – O próprio Estado ainda não criou condições para que o cidadão tenha, por exemplo, uma educação de qualidade. Esse é o primeiro aspecto. A responsabilidade de educação devia ser incumbida ao próprio Estado. Há distritos cujas escolas secundárias estão apenas nas vilas.

Estou a falar de Namaacha, Nangade, Moeda e Sussundenga onde as pessoas só podem frequentar o ensino secundário na vila-sede. Quantas pessoas têm condições para percorrer quilómetros para estudar? Quem pode transportar os filhos diariamente para as vilas-sede? Sem estradas em condições, sem transporte. Quantas pessoas ficam sem estudar?

(@V) – O que pensam das passagens automáticas?

(FA) – Um fiasco. Um autêntico fiasco. Se formos a ver, a passagem automática está virada para os pobres. O filho do ministro não está a estudar nessa escola onde vigora a passagem automática. O filho do ministro estuda numa escola onde numa sala só há 25 ou 30 alunos.

Os nossos filhos estudam numa sala onde há cerca de 60 ou 70 alunos. Quais são as condições que as próprias escolas oferecem? Só por causa da chuva que caiu nos últimos dias encontramos alunos que não estão a ter aulas. O sítio onde se sentavam está cheio de água e não podem ter aulas.

(@V) – Na vossa percepção, a passagem automática é, por um lado, um mecanismo para perpetuar a ignorância e, por outro, de manutenção do poder nas mãos dos mesmos actores?

(FA) – Sim. Também é uma forma de prejudicar o crescimento da qualidade da cidadania em Moçambique. Isto porque quem vai continuar à frente dos órgãos de tomada de decisão são os filhos dos actuais dirigentes. É uma cabala para a manutenção de poder. O meu filho não vai disputar o poder com outro miúdo que teve uma educação de qualidade.

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