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Palestras, seminários e muitas sensibilizações não resolvem o drama de Verónica, nem da maioria das mulheres em Moçambique

Palestras

Foto de Leonardo GasolinaA mulher estará, durante pelo menos um mês, em destaque na comunicação social, no dia 8 celebra-se o seu Dia Internacional e a 7 de Abril o Dia da Mulher moçambicana. Igualdade de género, casamentos prematuros, violência doméstica, abusos sexuais são alguns dos chavões que irão repetir-se e depois as nossas avós, mães, irmãs e filhas voltam aos seus dramas diários que palestras, seminários e outras sensibilizações não vão, mais uma vez, resolver. Além das políticas e estratégias ineficazes os homens em Moçambique não parecem estar interessados em mudar as suas práticas, que dizem ser culturais, nem mesmo aqueles que assinaram o compromisso global que faz parte dos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas.

Verónica Herculano frequentava a oitava classe na escola secundária de Mapara, no bairro de Muahivire onde residia em casa de um tio seu na cidade de Nampula. Num certo dia do ano de 2008 foi chamada à casa dos pais que residem na comunidade de Madibane, no posto administrativo de Anchilo. Enquanto a adolescente de 14 anos confecionava a parca refeição para o jantar foi-lhe dito pelo pai que um “convidado” se juntaria à família.

Depois de preparar a esteira, onde a família se reunia para a ceia, Verónica foi informada que aquela refeição ela iria partilhar apenas com o convidado, um homem de 28 anos de idade. O jantar à luz de velas, afinal nesta comunidade não existe energia eléctrica ou mesmo água potável canalizada, decorreu em silêncio. Após a refeição “os mais velhos” disseram-lhe que aquele homem seria o seu marido.

O número de raparigas que é obrigada a casar precocemente em Moçambique tem reduzido porém ainda continua alto. Em 2011, de acordo com o Inquérito Demográfico de Saúde(IDS), cerca de 40% das adolescentes entre os 15 e 19 anos de idade já estavam em união, 23% casadas e 14% em união marital. Como Verónica, casadas antes dos 15 anos de idade, a proporção só na província de Nampula era de 17%.

De nada valeram os pedidos de Verónica nem as lágrimas que derramou. A união marital estava selada e, pouco tempo depois, a adolescente teve de mudar-se para a casa do seu esposo, uma habitação construída à base de blocos de adobe e coberta com capim no bairro periférico de Nampaco, onde teve que consumar a união.

“Senti fortes dores durante a penetração do pénis daquele homem na minha vagina, eu não sabia quase nada daquilo” revela-nos, querendo não se lembrar, a adolescente que na altura da união ainda era virgem.

Segundo Verónica nem mesmo o sangue que jorrou tirou ânimo ao seu marido. “Foi muito pesado para mim ter que satisfazer, sexualmente, um homem de 28 anos idade, não gosto de lembrar aquele momento”, acrescentou a jovem que nunca mais voltou para à escola.

Ainda de acordo com o IDS de 2011, o casamento prematuro é umas das principais causas de as raparigas não finalizarem a escola primária (-11.7% se casarem antes dos 15 anos e -5.3% se casarem antes dos 18 anos) e de iniciarem a escola secundária (-12.9% e -6.4% respectivamente).

Baixa estatura e baixo peso são quando as mães têm menos de 19 anos na altura do parto

O nascimento da primeira filha do casal aconteceu dois anos depois, Verónica tinha apenas 16 anos de idade e não foi um parto fácil. O seu marido ia garantindo o sustento, através de trabalho informal, e só tardaram mais três anos até nascer o quarto membro da família.

Foto de Leonardo GasolinaUma análise do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) em Moçambique, aos dados do Inquérito aos Agregados Familiares de 2008, sugeriu que os riscos de baixa estatura e baixo peso são mais significativos quando as mães têm menos de 19 anos de idade na altura do parto. “O estudo do UNICEF, FNUAP e CECAP com base no IDS 2011 chega a mesma conclusão com respeito a baixa estatura, indicando que as crianças menores de 5 anos nascidas de mães com idades abaixo dos 18 anos, eram susceptíveis de apresentar pelo menos um terço de desvio padrão em relação a média de altura para a idade certa, definida pela Organização Mundial de Saúde (OMS), do que as crianças nascidas de mães mais velhas”, lê-se na análise produzida pelo UNICEF em 2015.

Entretanto o chefe da família começou a faltar com as suas obrigações e Verónica que entretanto já não era adolescente descobriu que ele arranjara uma nova mulher, com quem estava a constituir uma nova família.

Já com 21 anos de idade e dois filhos a jovem decidiu que não iria admitir viver com um polígamo e, após conversar com o seu marido, decidiram separar-se. Legalmente em Moçambique a poligamia não é permitida mas a sociedade consente que um homem tenha várias esposas ao mesmo tempo, ao IDS 11% dos moçambicanos admitiram ter duas ou mais esposas.Verónica deixou a cidade e regressou a comunidade de Madibane, à casa dos seus pais.

“A falta de dinheiro empurrou-me a cometer este erro” tentou explicar ao @Verdade o pai de Verónica, um camponês que tem outros cinco filhos já adultos. O senhor Herculano disse ainda que seguia uma tradição ancestral da comunidade que preconiza que as raparigas estão prontas para casar após o primeiro ciclo menstrual, independentemente da idade.

Revelou-nos que o marido que arranjou para Verónica nada pagou pela sua filha apenas foi o único que manifestou interesse na jovem.

“Gostaria de voltar a estudar, mas vejo que será impossível, por causa das minhas crianças que devo assistir. Só rezo para encontrar um homem que aceite se casar comigo e criar os meus filhos”, deseja Verónica que sabe que os seus pais não têm condições para sustenta-la, e aos seus filhos, pois além de serem pobres já repartem o quintal com os seus outros cinco irmãos.

É um dado quase adquirido que Verónica não vai conseguir quebrar o ciclo de pobreza da sua família, muito provavelmente os seus filhos também terão o mesmo destino.

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