Sem diálogo e nem mediadores a guerra entre as Forças Governamentais e do partido Renamo prossegue em Moçambique, sem vencedores à vista causando luto, dor e prejuízos materiais. “O problema é que aqueles de deviam desempatar não estão a fazer o seu papel”, afirma João Pereira referindo-se ao povo moçambicano. “As pessoas não querem a guerra mas também não se mobilizam para mostrar a sua força. Não conseguimos criar cidadania, criamos simplesmente sujeitos passivos”, acrescenta preocupado o professor de Ciência Política da Universidade Eduardo Mondlane(UEM) em entrevista ao @Verdade.
O Presidente de Moçambique, Filipe Nyusi, e o líder do partido Renamo, Afonso Dhlakama, não se cansam de repetir que não querem a guerra, mas não dialogam. Na chamada “Casa do Povo” os partidos Frelimo e Renamo falam na paz mas trocam acusações sobre quem disparou primeiro.
Enquanto isso a guerra prossegue, não apenas na única estrada que conecta Moçambique, onde desde a semana passada passou-se a circular apenas durante o dia e com escolta das Forças de Defesa e Segurança, mas em vários outros locais onde não há cobertura jornalística, apenas a propaganda de um ou do outro lado do conflito militar.
“Nós deixamo-nos ser reféns dos partidos políticos, então cada moçambicano está preocupado em resolver o seu problema do dia a dia” declara o docente João Pereira que além de defender um diálogo verdadeiro entre as parte em conflito, e também a partilha do poder, não tem ilusões sobre mediadores que venham parar a guerra, “essa responsabilidade é nossa como moçambicanos” sustenta.
O politólogo explica que os moçambicanos são responsáveis pela continuidade do conflito militar pois embora digam que não a guerra não se mobilizam como cidadãos activos, nem mesmo aqueles que têm mais formação académica e/ou poder económico. “As elites praticamente não tem carisma suficiente para mobilizar grande parte da sociedade porque sempre estiveram distanciados dos mais desfavorecidos. Nós não temos aqui uma elite defensora de causas sociais, nós temos umas elites oportunistas. O facto de termos este tipo de elites dificulta também para que o terceiro sector esteja fora destes dois elefantes e possa desempenhar o seu próprio papel. Porque tanto a Renamo como a Frelimo sem o apoio popular não tem muita força, tu podes ter as armas mas as armas não acabam 25 milhões de moçambicanos”.
“A nossa educação é uma educação virada para você ser um servidor do sistema político dominante”
João Pereira disse estar preocupado com a indiferença da elite moçambicana, tanto intelectual como a económica, e também com a passividade da população. “As pessoas não querem a guerra mas também não se mobilizam para mostrar a sua força. Então ficamos reféns disto tudo, e isto é perigoso para um país. Não conseguimos criar cidadania, criamos simplesmente sujeitos passivos”.
“Porque ser cidadão significa você pôr essas elites reféns da própria cidadania, e não eles determinantes da cidadania. Então nós ainda não construímos isso, as universidades, as escolas primárias, as escolas secundárias, as escolas pré-universitárias, não são escolas de uma cidadania activa”, lamenta Pereira.
O professor universitário moçambicano, que dirige uma instituição de Apoio à Sociedade Civil, reconhece que essas organizações têm a sua quota de responsabilidade na formação da cidadania mas afirma que o papel mais importante cabe ao Estado através do sistema de Ensino. “A nossa educação é uma educação virada para você ser um servidor do sistema político dominante, e não uma educação para você se tornar num cidadão indignado. Há pessoas que acreditam que a sua pobreza é sorte de Deus ou destino, ou um feiticeiro que trouxe. Mas ele não sabe racionar de que a pobreza dele é resultado de más políticas implementadas por alguns senhores que estão no poder, quer ele Renamo quer ele Frelimo”.
“Precisamos de usar a mesma técnica que usaram os partidos políticos de libertação para a construção da cidadania”
João Pereira lamenta ainda a falta de debate político entre os cidadãos moçambicanos, “(…)enquanto antigamente criavam-se grupos, alguns clandestinos, para discutir política e outros problemas hoje é muito difícil, quem faz muito desse trabalho são os partidos políticos”, e aponta como um das estratégias para o surgimento da cidadania “usar a mesma técnica que usaram os partidos políticos de libertação para a construção da cidadania (…) aquilo a que chamo os comissários políticos da sociedade civil”.
“Imagina que na análise do Orçamento muitas gente vê o orçamento a aumentar para segurança etc mas depois ninguém mostra quais são as implicações quando o Ministério da Saúde tem pouco financiamento, em termos da quantidade de equipamento que vai comprar, quantos profissionais não vai poder recrutar, quantas pessoas podem morrer etc, e a partir daí começar a fazer o debate nas aldeias. É aquilo que o partido Frelimo fez durante muitos anos na criação dessa fidelização que hoje vergamos-nos, os filmes de Kuxa Kanema eram o quê? Nós(cidadãos) precisamos das mesmas estratégias” explica o professor da UEM que no entanto esclarece que o propósito não é os cidadãos substituírem ou tornarem-se membros dos partidos mas sim deixarem de estar reféns dessas forças políticas. “(…)E para não nos tornarmos reféns precisamos de construir a nossa cidadania, então é aí onde eu acho que deveriam haver uns comissários da sociedade civil que tem uma dimensão política”.
Sobre o ano de 2016, que se afigura difícil a todos os níveis, o docente de Ciência Política da Universidade Eduardo Mondlane declara que costuma dizer aos seus alunos “que este ano ou nos unimos ou vamo-nos dividir para sempre”.
“Unir-nos como país e lançarmos uma plataforma de reconstrução deste país, que se baseie numa verdadeira reconciliação nacional, que se baseie na construção de um Estado neutro no sentido da defesa dos interesses, que se baseia na aglutinação de todos os interesses para a formação de um projecto comum, que é a operacionalização da agenda 2025. Este ano é crucial para este país, senão tornar-nos num Estado completamente falhado”, conclui João Pereira.