Por mais incrível que pareça, no nosso país, a polícia é a entidade que mais viola os Direitos Humanos, segundo a Amnistia Internacional (AI). De acordo com o “Relatório Anual 2011”, a tendência é continuamente notória no uso excessivo que faz da força para conter as acções dos criminosos, como também em manifestações populares, quando o povo exige melhorias das condições de vida.
Nas manifestções ocorridas nos dias 1 e 2 de Setembro passado, a polícia disparou balas reais contra civis indefesos. Segundo reportaram os meios de comunicação social, seis pessoas, das quais duas crianças, foram assassinadas durante os confrontos.
A polícia, lê-se no documento, justifi cou o uso de balas reais pela falta de alternativa, pois as balas de borracha se tinham esgotado. Em conexão com o caso, até hoje nenhum agente foi responsabilizado pelos crimes durante as manifestações. Na maior parte dos casos, as acusações contra estas pessoas foram retiradas pelos tribunais por falta de provas. Ao todo foram detidos 140 civis na sua sua maioria arbitrariamente.
“Reconhecemos que a polícia está a tentar conter um protesto violento, mas fogo real – munições com força letal – não pode ser utilizado excepto se for estritamente inevitável para proteger a vida” disse Muluka-Anne Miti, investigadora da Amnistia Internacional para Moçambique.
Aquele organismo apela às autoridades moçambicanas para que garantam que, nesses casos, os agentes usem meios não letais para controlar a situação e dispersar os manifestantes. Mas, as acusações não param por aí. De acordo com um relatório recente da mesma entidade, pelo menos 46 pessoas foram ilegalmente mortas pela Polícia em Moçambique entre Janeiro de 2006 e o final de 2009.
Todavia, apesar dos apelos, a AI queixa-se de que as autoridades locais têm fornecido muito pouca informação sobre as investigações aos assassinatos cometidos pelas forças policiais. Nalguns casos, a AI foi informada de que as investigações sobre as mortes provocadas pela polícia não tinham lugar porque se presumiam dentro da legalidade.
Segundo os padões internacionais aplicáveis, todos os casos de morte ou ferimentos graves que resultem da utilização da força ou de armas de fogo pela polícia, exigem uma investigação eficaz.
Hermínio dos Santos
Outro assunto que mereceu apreciação da Amnistia Internacional foi a detenção de Hermínio dos Santos em Agosto passado. “Antes de ser detido, elementos da Força de Intervenção Rápida (FIR) cercaram a sua casa, supostamente porque dos Santos se recusou a responder a uma intimação judicial e logo foi acusado de desobediência, julgado e absolvido pelo tribunal”, lê-se.
Alguns membros da polícia foram condenados por crimes como agressão, roubo, extorsão e homicídio. Avança-se ainda no documento o registo de vários casos de polícias mortos ou gravemente feridos por supostos criminosos, por vezes aparentemente relacionados com as ligações entre agentes da polícia e grupos criminosos.
As torturas e outras formas de maus tratos também não escaparam à menção no documento. Aqui, destacam-se relatos de tratamento cruel, desumano e degradante nas prisões moçambicanas.
Em Abril de 2010, pelo menos sete reclusos da BO, em Maputo, queixaram-se de receberem espacamentos à ministra da Justiça, Benvinda Levi, durante a sua visita àquele estabelecimento prisional. Os presos disseram que eram pontapeados, chicoteados e amarrados por guardas prisionais. Em consequência desses actos, o director da prisão e vários guardas prisionais foram suspensos.
Divulgando os Direitos Humanos
A Amnistia Internacional foi fundada em 1961 pelo advogado britânico Peter Benenson, na sequência de uma notícia publicada no ano anterior pelo jornal “Daily Telegraph” sobre a condenação de dois jovens estudantes portugueses a sete anos de prisão por gritarem “viva a liberdade” numa esplanada no centro de Lisboa durante regime de Salazar. O causídico apelou aos países que libertassem pessoas detidas por motivos de consciência, incluindo convicções políticas e religiosas, preconceitos raciais ou linguísticos.
O movimento foi formalmente lançado com a publicação, em 28 de Maio desse ano, no jornal The Observer, do artigo The Forgotten Prisioners, denunciando vários casos mundiais. A A.I. averigua denúncias de prisões políticas, torturas ou execuções.
Para isso, o Secretariado Internacional, através do seu Departamento de Investigação, recolhe toda a informação possível relacionada com os casos suspeitos, e, se necessário, envia missões de investigação ou para a observação de julgamentos.
Mas o movimento obriga-se à imparcialidade das suas tomadas de decisão e, para isso, impõe às suas estruturas operacionais, as suas células de base, que não recebam nem tratem casos relacionados com o próprio país. As únicas excepções são o trabalho de divulgação activa dos direitos humanos, a luta contra a pena de morte ou a protecção dos refugiados objecto de perseguição política nos seus países de origem.
Polícia festeja sem placas de identificação
A Polícia da República de Moçambique (PRM) é bem mais nova do que o país. Nasceu no final de ´92 com a extinção da Polícia Popular de Moçambique. Actualmente, debate-se com a falta de meios e a proliferação de agentes corruptos. Efectivamente, a PRM foi criada pela Lei nº 19/92, de 31 de Dezembro (publicada no Boletim da República I Série – número 53, de 31/12/92). Trata-se de uma força paramilitar integrada no Ministério do Interior de Moçambique. Com a sua criação, foi extinta a PPM – Polícia Popular de Moçambique.
A PRM é chefiada por um Comandante- geral, subordinado ao ministro do Interior. A PRM tem três departamentos principais: Direcção da Ordem e Segurança Pública, também chamada “Polícia de Protecção”; Polícia de Investigação Criminal (PIC); e Forças Especiais e de Reserva (que incluem a Força de Intervenção Rápida – FIR). Desenvolve os serviços de segurança pública no território nacional através de comandos, esquadras e postos policiais, estendendo as suas atribuições à proteção lacustre e fluvial, à polícia de trânsito e à polícia aeroportuária, dentre outras.
A Força de Intervenção Rápida conta com agentes treinados em modernas técnicas de resgate de reféns e de combate ao terrorismo, todos formados em cursos de operações especiais. Alguns cursos ministrados à polícia moçambicana, que tem na sua estrutura a Academia de Ciências Policiais (ACIPOL), receberam o suporte técnico da polícia portuguesa.
Polícia sem identificação
Nos últimos meses é comum encontrar agentes da lei e ordem sem placa de identificação, uma situação que acaba por colocar os cidadãos numa situação embaraçosa. Porém, poucas pessoas sabem que um agente tem de ostentar a sua respectiva identificação ao abordar um cidadão. No entanto, as pessoas continuam a ser interpeladas e os polícias apresentam-se sem identificação. @Verdade abordou, na última terça-feira, o vice-ministro da Justiça e porta-voz do Governo, Alberto Nkutumula, depois da reunião do Conselho de Ministros, para compreender o que motivou a interrupção na produção de placas de identificação. Porém, Nkutumula remeteu-nos ao Ministério do Interior alegando tratar-se de um assunto de carácter interno daquela instituição.
Entretanto, Jorge Kalau, Comandante- geral da PRM, em contacto telefónico com @Verdade, reconheceu que muitos agentes não têm identifi cação. Mas, afirmou que, nesta altura, se encontra a decorrer um processo de produção de placas. ‘Quando este terminar as placas serão distribuídas pelos agentes.’ Porém, Kalau afirmou que ainda não há previsão para que todos os agentes da lei e ordem tenham a sua respectiva placa de identificação. No que diz respeito à messe da polícia, Kalau afirmou que a mesma funciona ao contrário do que as pessoas pensam. No entanto, as refeições não são gratuitas. ‘O preço não é igual ao de um restaurante, mas os agentes têm de pagar. Aliás, há pessoas de fora que compram comida na messe.’
Páginas negras
Contudo, a história da PRM conta com algumas páginas negras. @Verdade fez o resumo de alguns episódios marcantes nos últimos anos. Por exemplo, no dia 5 de Fevereiro de 2008, a polícia moçambicana atirou contra pessoas que se manifestavam contra aumentos nos preços dos transportes na cidade de Maputo, matando pelo menos três pessoas e ferindo 30. Ao longo do ano registaram-se mais três vítimas mortais.
No dia 29 de Abril de 2009, na sequência da greve dos trabalhadores afectos à construção do Estádio Nacional, um agente da Polícia da República de Moçambique alvejou a tiro dois grevistas. Um foi atingido na perna e o outro nos órgão genitais. Na ocasião, de acordo com os grevistas, o agente recuou, traçou uma linha no chão e disse que se alguém a atravessasse ele atiraria a matar. Algo que aconteceu porque a polícia pretendia levar um dos grevistas e o resto do grupo protestou e ultrapassou a linha de fogo.
A Amnistia Internacional denunciou, em Fevereiro de 2009, o alvejamento de Nelson José Ronda no mercado Nsango, na província de Tete. A vítima estava a conversar com um grupo de amigos quando um agente da PRM o chamou para privar com ele. Nelson foi ter com o agente e foi alvejado com três disparos na perna. O agente afirmou que Nelson era um criminoso perigoso e que tinha sido preso por diversos crimes. Porém, testemunhas oculares declararam que a reacção da Polícia foi excessiva, pois Nelson não tinha tentado fugir e tinha-se dirigido ao agente quando este o chamou. No final, Nelson foi detido por suspeita de roubo.
No dia 31 de Dezembro de 2009, por volta das 20 horas, um cidadão de nome Archel Ernesto Benhane foi baleado na perna por um grupo de agentes da PRM, no distrito de Inhassoro, província de Inhambane, tendo inclusivamente sofrido golpes na cabeça, fruto de coronhadas.
O balanço oficial das manifestações de 1 e 2 de Setembro é de 13 mortos, mais de 500 feridos e cerca de 300 detenções em todo o país. No primeiro dia das manifestações, assim que foram anunciadas as primeiras mortes, o porta-voz da Polícia de Moçambique afirmou que os agentes não utilizaram balas reais.