A estratificação do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) para a determinação da navegabilidade do Rio Zambeze constitui um atropelo à lei, pois não é admissível que o mesmo seja elaborado em duas fases (exploração e navegabilidade), em que na primeira são tratadas questões referentes ao escoamento do carvão mineral produzido na província de Tete, e na segunda é analisada a sua navegabilidade.
Estes dados constam de um estudo feito pela organização Justiça Ambiental. Segundo o mesmo, este processo devia ser integrado, completo e a análise de impacto deveria ser cumulativa. Ademais, este processo desvincula e desvirtua a integridade do processo e o objectivo de um Estudo de Impacto Ambiental, que é a análise dos impactos de uma forma abrangente.
Para esta organização, o transporte do carvão não só afecta o desenvolvimento do turismo, como também o impacto da maior actividade envolvida no processo da criação das condições para o tipo de navegabilidade em questão: a dragagem.
A dragagem é o ponto mais crítico dos possíveis problemas ambientais cujo impacto poderá ser sentido ao longo de gerações, pois irá alterar as características naturais do rio. Esses efeitos serão mais imediatos na pesca, agricultura, pecuária e na conservação ao longo do grande Zambeze. Para além destes, a dragagem irá acelerar os problemas de erosão ao longo do rio e propiciar o agravamento da intrusão salina, cuja mitigação passa por soluções tecnológicas.
Sendo feita nestes moldes, a navegabilidade estará longe de ser um atractivo ao investimento turístico na região, que é uma das áreas mais frágeis, pois afectará negativamente o grande potencial para o desenvolvimento sustentável do turismo baseado na natureza, nomeadamente a comunidade de búfalos, hipopótamos e crocodilos.
Impacto no habitat
Ao fazer-se a dragagem do Rio Zambeze, os rios tributários que recebem água deste deixarão de a receber com a mesma regularidade, não inundando, deste modo, as áreas adjacentes, dado que o canal irá ser aprofundado e o rio canalizado.
Assim, assistir-se-á à intensificação do conflito Homem/animal. Os hipopótamos, que aumentarão o número de “visitas” às machambas ribeirinhas por viverem essencialmente em águas rasas e terem como fonte principal de alimento as ervas aquáticas, correm o risco de perder o seu habitat com as futuras operações de dragagem e navegação.
A intensa e contínua circulação dos navios resultará também na morte dos invertebrados existentes na região e alterará as rotas normais das espécies animais que ali habitam e a contaminação da pela água de lastro que será transportada e descarregada pelos navios poderá conter organismos exóticos e patogénicos, capazes de causar poluição e contaminação das águas na região, e desenvolver características invasivas, causando, desta forma, danos ao ecossistema marinho, o que virá a prejudicar a pesca e a saúde das comunidades circunvizinhas.
As barragens alteraram o fluxo normal das águas As barragens ao longo do Zambeze modificaram o fluxo natural, através da libertação de água armazenada para gerar energia durante a estação seca, usando o fluxo elevado indutor de cheias no Verão para encher o reservatório e preparando-se ao mesmo tempo para os fluxos baixos da época seca. O fluxo regulado do Zambeze tem vindo a secar as áreas húmidas, antes alimentadas pelas águas das cheias do Zambeze.
Os canais e ramificações secos ao longo do Zambeze estão a tornar-se cada vez mais comuns, muitos dos quais se tornaram completamente desligados do canal principal do rio. Este deixou de ter múltiplos canais, passando a ser um rio com um canal principal único.
As águas libertadas pelas barragens provocam a erosão das margens e aprofunda o leito do rio devido à necessidade de este equilibrar o seu conteúdo de sedimentos. As planícies de inundações, agora secas, apresentam graves consequências para a biodiversidade, e as populações de animais de grande porte não são os únicos em risco.
Verificou-se uma redução de quantidade de várias espécies herbáceas de zonas húmidas nestas planícies de inundação, permitindo a invasão da savana lenhosa. Os restantes herbívoros já não conseguem controlar o crescimento das plantas, alterando ainda mais vegetação.
Impacto nas comunidades
Para as comunidades a residir ainda ao longo do rio, os problemas de insegurança alimentar estão também a agravar-se devido às descargas feitas durante a época seca. A Hidroeléctrica de Cahora Bassa descarrega regularmente, durante a época seca, água armazenada, para a geração de energia e a pedido de usuários influentes como os proprietários de plantações de cana-de-açúcar ou os operadores de grandes batelões.
As descargas maiores ocorrem geralmente durante o Inverno, quando o fluxo da água é baixo e os grandes usuários são os mais exigentes. Infelizmente, é também nessa altura que a agricultura nas planícies é mais intensa, e quando as descargas da barragem inundam estas regiões os prejuízos são grandes. Há sempre relatos de perdas de grande parte, senão todas, das plantações.
A gestão da bacia do Zambeze não tem sido um processo participativo. As comunidades locais que vivem nas zonas ribeirinhas não têm voz activa, não são tidas em conta as suas preocupações, necessidades, época da sementeira, tempo de demora da colheita, e os seus direitos não são respeitados. Diante destes inconvenientes, a questão é:
Como foi possível não terem sido analisadas outras opções de escoamento de carvão, nomeadamente o transporte ferroviário ou rodoviário? Medidas como estas são as verdadeiras alternativas de escoamento ou transporte de carvão e não apenas a análise de várias opções dentro de uma só: a de navegabilidade.
Este problema foi colocado em ocasiões anteriores, e durante a elaboração do referido Estudo de Impacto Ambiental, pelas organizações da sociedade civil, mas é notório que não foi levado em consideração.