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Os educadores sociais estão no subúrbio!

Os educadores sociais estão no subúrbio!

Conheça a história de uma colectividade artístico-cultural juvenil que – depois de nos anos de 1980, ter sido severamente castigada com vista a aprender e dominar a língua portuguesa – regressou no tempo para resgatar o xichangana, a sua língua vernácula, a fim de educar a sociedade. As suas criações musicais são uma afronta directa aos sistemáticos desvios sociais. Saiba porquê…

Com a excepção de um dos seus membros, Mukupuya, todos os integrantes do Grupo Timbone Ta Jah nasceram no espaço suburbano na década de 1980. Na altura, haviam decorrido cinco anos depois da proclamação da independência nacional 1975.

Sobre os primeiros anos da construção da nação moçambicana os nossos interlocutores recordam-se de que sofreram bastante para aprender a língua portuguesa. Na escola, onde o xichangana era proibido por norma, receberam palmadas. É que, segundo reiteram, não raras vezes, o nosso idioma era considerado uma língua de cães.

Foi assim, que esta juventude foi desviada da sua cultura através do desencorajamento da prática da língua, um instrumento essencial e determinante na formação da pessoa.

É por essa razão que desde os princípios dos anos 2000, altura em que o movimento foi fundado, os artistas desencadeiam acções no sentido de mostrar que a sua língua vernácula presentemente, se capitalizada, pode instruir e transformar a sociedade. Daí que as suas composições musicais são interpretadas nessa língua.

No entanto, é preciso convir que escrever e interpretar as canções em xichangana é um trabalho exigente. Afinal essa língua, como qualquer outra, impõe aos seus praticantes uma profunda investigação. É importante que se tenha em mente que da mesma forma que existem gramáticas e dicionários da língua portuguesa, inglesa ou francesa, o mesmo material é exigido na prática correcta de qualquer idioma bantu.

“É que os erros linguísticos não somente se limitam às línguas europeias. As frases mal construídas, as palavras mal pronunciadas também ocorrem nas línguas moçambicanas”, dizem para explicar a complexidade do trabalho que realiza.

Opressão, a raiz do problema

É interessante reparar que o trabalho feito pelos Timbone Ta Jah chama a atenção das pessoas não somente devido à originalidade das composições musicais, mas acima de tudo por repudiar a opressão dos Homens. Recorde-se de que as pessoas podem ser oprimidas de diversas formas: cultural, económica, política, por não terem acesso à instrução.

Nessas circunstâncias o acesso à informação e à educação, o que as populações rurais ou suburbanas, muitas vezes, não têm, é a melhor solução.

“Nós somos cidadãos suburbanos e vivemos num espaço em que as condições de vida humana são precárias, não obstante se registarem algumas melhorias. As pessoas reclamam sobre diversas situações degradantes. No entanto, mesmo que conheçam os mecanismos para lutar em defesa dos seus direitos, os processos têm sido melindrosos. Então, nós como artistas, temos o privilégio de interagir com o povo colhendo situações que merecem ser denunciadas para que sejam modificadas em benefício de todos”, considera Mukupuya. É por essa razão que nas suas músicas a maldade é apontada de forma incisiva.

Afinal “é preciso cortar o mal pela raiz”, argumentam lamentando o facto de que “vivemos num país em que as pessoas que criticam os procedimentos sociais torpes, muitas vezes, são mal interpretadas. Daí que se está a tornar normal que elas sejam silenciadas de diversas formas”.

 

Neste sentido, “assumimos uma postura de artistas críticos, inconformados e, por conseguinte, que questionam o proceder das lideranças políticas. É isso que nos motiva a agir continuamente. A nossa intervenção é para o benefício da sociedade”.

Educadores sociais

Provavelmente o mérito dos Timbone Ta Jah na cultura Hip Hop, sobretudo no espaço suburbano, não seja apenas o resgate e a valorização que realizam em relação à língua. Mas a qualidade que as suas composições musicais possuem.

“Muito cedo percebemos que muitos artistas exploram muito a língua portuguesa, utilizando, geralmente, palavras cuja compreensão é mais exigente”. Como tal, na compreensão dos Timbone, as populações suburbanas e das zonas rurais que apreciam o Hip Hop ficavam desamparadas.

Por isso, os Timbone surgem com a pretensão de ajudar as massas, geralmente desfavorecidas pelos limites da língua, oferendo-lhes diversas informações, através da música, sobre a prevenção de calamidades naturais, de enfermidades (como a malária, cólera, bem como HIV/ SIDA) entre outros males sociais.

Por exemplo, muito recentemente, “registámos mais uma música em que narramos a história de um convívio que decorre num sábado entre os jovens – mas que por estarmos conscientes de que, sempre que isso acontece, a juventude se envolve em relações sexuais ocasionais – alertamos-lhes sobre a necessidade de nunca se esquecerem da prevenção contra o vírus da SIDA”.

Essa mensagem, “por ser veiculada em xichangana, é mais abrangente e acreditamos que também é impactante na vida das camadas sociais mais desfavorecidas – as que não têm acesso à educação formal”.

É um idioma bélico

Levando a sua opinião ao extremo, os Timbone Ta Jah afirmam que através do seu movimento cultural pretendem responder às pessoas que desvalorizam o xichangana. A música é um meio muito favorável para o efeito, porque ela não tem barreiras. É uma linguagem universal.

Mais importante ainda é que já há sinais do impacto, em particular no exterior. O xichangana começa, em certo sentido, a ser apreciado. “Recordo- me de que no ano passado o grupo Timbone Ta Jah trabalhou em colaboração de uma artista brasileira, de nome Drica, que explora o Hip Hop. Depois de escutar uma das composições, Drica ficou impressionada pela nossa forma de ser e estar na música, não obstante os limites que a língua xichangana lhe impôs no tocante à percepção da mensagem”, refere Nheze.

Para o grupo, o referido episódio, representa uma vitória. “É uma prova de que a língua não nos impõe limites, muito pelo contrário, promove-nos. A colaboração foi simplesmente interessante”. Diga- -se, “a experiência reforçou o nosso desiderato. Queremos que as pessoas se preocupem em perceber a nossa língua nacional, da mesma forma que nós nos preocupamos em aprender e dominar os seus idiomas”.

Presentemente, “aguardámos a realização de intercâmbios com rappers portugueses, franceses e americanos. Explorar o Hip Hop em xichangana está a ser uma experiência muito boa. Estamos decididos a realizar mais pesquisas, porque finalmente compreendemos que esta língua pode ser internacionalizada como as demais. Ela tem um dicionário muito rico e permite-nos que nos expressemos de uma forma que não é possível nas demais línguas”.

Concertos na rua

Em inúmeras ocasiões os Timbone têm realizado concertos no espaço urbano, mas sentem-se mais estimulados quando tal acção é realizada subúrbio.

“Os nossos concertos têm sido realizados em espaços onde há pessoas que, por diversos motivos, o fraco poder aquisitivo de capitais, por exemplo, não podem aceder aos espaços convencionais para o efeito. Utilizamos os nossos meios limitados de forma associativa. Cada membro do grupo traz uma parte do equipamento sonoro. E, numa rua, convidamos as pessoas a participarem na iniciativa”.

Os eventos revelam-se um sucesso e, por isso, tornaram-se uma tradição no bairro de Polaca Caniço, onde residentes de bairros vizinhos como Maxaquene, FPLM e Ferroviário das Mahotas têm aderido à iniciativa.

“Fazemo-lo nas ruas porque estamos conscientes de que a nossa mensagem não tem um lugar mais ou menos apropriado para ser veiculada. A verdade, porém, é que sentimos que no espaço suburbano ela tem sido muito impactante”.

A assunção de que “a informação necessária para transformar as pessoas deve ser difundida e proliferado por todos os meios” motiva-os a utilizar todos os meios. “Nós falamos do HIV/SIDA, dos convívios sociais, do desemprego, da pobreza, de questões ambientais, em todos os locais onde isso é possível”.

E mais, “não perdemos o tempo a refutar apenas as situações negativas, mas engendramos soluções para que as mesmas sejam ultrapassadas. Pensamos que as mensagens que mostram e demonstram que a preguiça é um mal na sociedade – que promove a criminalidade e a prostituição, por exemplo – podem mudar o comportamento da juventude.

A revolução não tem limites

Na sua intervenção social os Timbone buscam a sua inspiração na acção de grandes figuras do nacionalismo africano, assim como do movimento humanista universal, como Martin Luther King Jr., Nelson Mandela, José Craveirinha, Eduardo Mondlane, Mohandas K. Ghandi, entre outros.

Os seus feitos heróicos e de humanismo, por exemplo, a luta contra o racismo, a desigualdade, a miséria nos países africanos, tais personalidades devem ser invocadas e imortalizadas, enaltecendo a sua acção para que seja seguida.

É por essa razão que é “preciso ter em conta que Moamar Khadafi era um bom líder político, mas tinha as suas falhas da mesma forma que o Presidente da República, Armando Emílio Guebuza. Por essas razões, é essencial que os políticos saibam escutar do povo”. Ou seja, “a nossa música não é nenhuma ameaça para os políticos, por isso não deve ser compreendida assim. Ela é apenas um alerta que se baseia em exemplos concretos”.

De qualquer modo, “vale a pena referir que a questão da arte revolucionária não se limita apenas ao Hip Hop ou aos líderes políticos. Na literatura moçambicana, por exemplo, há grandes figuras como Rui Knopfli, Rui Nogar, José Craveirinha que são uma fonte inesgotável de inspiração. Em certo sentido, eles travaram um combate militar contra um sistema colonial torpe”.

Um combate que, actualmente pode ser percebido por meio de afirmações como: “Em Moçambique, mesmo que se tenha uma formação superior, o Governo tem marginalizado os cidadãos, a quem relega ao relento como se fossem pessoas delinquentes. Quantas pessoas têm o grau de licenciatura mas, frustradas pelo desemprego, passam a vida a consumir bebidas que – apesar de não possuírem nenhum valor nutritivo – são glorificadas na imprensa audiovisual?”, questionam.

Em consequência disso, “de dia e de noite, os Homens deambulam – com um destino incerto – por falta de trabalho. O amor e a alegria das famílias estão abafados pelo sofrimento. A miséria e o clamor (por melhores dias é que) prevalecem”.

“A nossa meta ao invocar alguns referenciais históricos em diversos momentos revolucionários é – com base no seu exemplo – demonstrar que a vida social em Moçambique parou. Ou seja, se há alguma transformação só abrange algumas pessoas”.

“Queremos que haja mais artistas de forma colectiva ou individual a explorar as línguas nacionais no campo do Hip Hop, para que a sua mensagem seja percebida pelo povo moçambicano”, dizem ao mesmo tempo que acrescentam que “pretendemos tornar o xichangana uma língua universal e fazer com que as pessoas percebem que o nosso grupo é actual, que não pretende criar contradições entre a língua portuguesa e as nacionais, muito menos entre o povo e os governantes mas para enriquecer o debate público com as suas realizações através do legado da língua que nós herdámos dos nossos ancestrais”.

Por isso, “acreditamos que as pessoas que não cuidam da sua herança são estúpidas. Então, os Timbone Ta Jah agem de forma contrária”.

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