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Opinião azeda – Cremildo Bahule

Que o país está nervoso e as pessoas andam com alguns “muzungos” (devaneios ou pensamentos maus) já está patente nos olhos de todas as tribos moçambicanas. Cada moçambicano, vestindo a sua língua materna ou calçando um idioma estrangeiro, fala sobre as atrocidades que nos tiram a alegria de sermos moçambicanos ou de sermos o tal povo «maningue nice». Uns acreditam que estamos no fim dos tempos e que, por cima de nós, cairá, brevemente, uma bomba atómica.

Outros, recusando o ponto de vista dos primeiros, dizem que o que está a acontecer é «boato » e que o país está bem, estamos felizes e que todos estamos a caminhar, com alegria, rumo à riqueza absoluta. Ah, falando acerca de «boatos» acho que seria bom se no final desta leitura dançássemos aquela música de Alberto Mutxeca que diz: «A va boatero mina / Mina a niva lave (Os fofoqueiros / Eu não os quero)».

De facto, no meio de muitas verdades, existem algumas pessoas que criam intrigas (adicionando sal e água) para alarmar os outros. E como é claro, há sempre os que estão para acalmar e defender ou simular uma verdade da doutrina estadística que nos representa. E para azar dos «boateiros», ouvi dizer que subsiste um grupo específico para fazer essa «defesa da verdade, verídica». Dizem que esse grupo é composto por «40 tons de vermelho».

Eu, discriminadamente, não estou contra os que defendem as suas ideias políticas e os seus pares. Acho isso bom porque também tenho os meus ideais políticos e, quando são beliscados, defendo-os. Por serem mais visionários que nós, os outros, os que constituem os «40 tons de vermelho» têm o direito de opinar na televisão e na rádio e, por causa disso, são etiquetados de «analistas».

Permitam-me um desvio: ouvi dizer, no outro dia no “chapa”, que um certo jovem, nas vésperas dos exames de admissão para ingressar na universidade, tinha o sonho de ser «licenciado em “analismo” (ciência moçambicana que serve para analisar factos políticos em defesa do tom vermelho). Mas pode ser «boato» ou ando a ouvir demais. De forma benévola, o jovem poderá ter ser bem-sucedido, visto que essa é a ciência do futuro.

Os que compõem os «40 tons de vermelho» são de diversas superfícies e possuem formação em diferentes áreas. Na referida colectividade há os que (se) informam, os que fazem jornais, os que sabem de contas, os que ensinam em grandes universidades, os que chamam outros «blue color», os que entendem de electricidade, os que mesmo não tendo comido o capim e a pólvora na saga dos tiros auto-intitulam-se emancipadores da pátria e construtores da moçambicanidade, ao mesmo tempo que são músicos que entendem de leis. É neste último «tom vermelho» em que me vou centrar: “um músico que entende de leis”. Os acordes de guitarra e jurisprudência devem ser uma combinação perfeita no mundo da Arte.

Acho interessante o engajamento do artista – embora eu não goste da palavra «engajado», por causas das conotações maquiavélicas que possui – num modelo ou num partido político. É fascinante ver um músico cantar sobre a revolução. Eu até aprecio os músicos que, nas suas letras, impõem tons políticos ansiando por uma solução. Sabemos que todo o sistema social é um campo de tensões, cheio de ambivalências, cooperações e lutas contrastantes. Essa é a verdade tanto para os sistemas sociais, relativamente imóveis – sobre os quais me apraz chamar repetitivos –, como para os que mudam e se desenvolvem.

E o músico está dentro desse sistema, no interior das repetições e dentro da evolução social. Não é nenhum sacrilégio o músico estar filiado a uma organização política. Conheço muitos músicos que empregam os acordes e as suas melodias para transformar causas políticas (os exemplos deixo sob a responsabilidade do leitor). Mas, também, conheço músicos que até assumiram cargos políticos (aqui, também, deixo a exemplificação ao critério do ledor). Até músicos que são deputados existem.

Em geral, os músicos procuram negar quaisquer discussões sobre as possíveis conexões entre a música e a política, alegando que os sons simbolizam somente a alegria, a tristeza, a liberdade e o prazer. Em suma, eles encaram o canto como um factor abstracto e isolado, uma arte que dialoga consigo mesma. Isso não é uma verdade absoluta. Ela comunica-se com todos os outros elementos da sociedade.

A música e a política são dimensões autónomas. Portanto, a música e o acto de fazer música estão, sim, sempre permeados do político, embora nem sempre se esclareçam como tal. Cruzam-se quando a última comete pecados e a primeira chama à razão. Ou, também, quando a primeira desacerta e a segunda encontra soluções harmónicas e engenhosas.

O que não acho correcto é o músico usar a sua capa de político para estremar as suas posições. Foi o que vi, na semana passada, na televisão pública quando um dos «40 tons de vermelho» fazia a sua «análise analítica» sobre os “muzungos” político-militares do país. Para defender a sua ala disse o seguinte: «os opositores deste país deviam ser encarcerados ou vindimados». Posso estar a exagerar ou situar esta frase no estuário do músico entendedor de leis. Exagero para evidenciar que esta postura é errada.

Errada. Incorrecta. Inadequada. Errada.

Depois de ouvir essas palavras decidi deitar na lixeira as músicas do «analista, músico entendedor de leis». Jamais irei aos seus concertos. Se lhe vir na rua vou desviar e passar para outra faixa porque posso ser preso, alegadamente fazendo jus a uma lei do tipo: «cruzou comigo na faixa que não devia caminhar por ser exclusiva aos analistas e músicos que entendem de leis». A música é pela paz. As leis estão para defender o Homem. Então, porque uma pessoa que tem essas duas artes como ofício apregoa palavras que atiçam à guerra? Acredito que o papel dos «40 tons de vermelho» não é incitar à violência, mas sim procurar modelos de paz.

P.S.: Na próxima semana vou a Swazi tocar os Seth da música moçambicana.

Cremildo Bahule

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