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O último editorial do Mestre

O último editorial do Mestre

A edição de “O Metical” nº 864, correspondente ao dia 22 de Novembro de 2000, foi a última que teve a participação do seu director, Carlos Cardoso, que seria brutalmente assassinado ao início da noite desse dia na Avenida Mártires da Machava, em Maputo. O jornal, que chegava aos leitores por fax, contava nesse dia com sete temas e o Editorial tinha como título: /Pressionando Morgado/ Ironias.

@ VERDADE reproduz, com a devida vénia, o último editorial de Carlos Cardoso.

Pressionando Morgado

Está quase a fazer um ano que Carlos Morgado foi nomeado ministro da Indústria e Comércio. Estamos em crer que chegou a altura de ele sofrer alguma pressão forte para se interessar pela revitalização da indústria do caju. Dele se conhece alguma preocupação – e trabalho – na questão das indemnizações aos trabalhadores despedidos. Ao abrigo do debate económico e fiscal anunciado pela ministra Luísa Diogo, falta, agora, pressioná- lo a sentar-se à mesa com os donos das fábricas fechadas pois tudo aponta para o imperativo do regresso à indústria. Vejamos.

 

 

Os preços ao apanhador estão pelas ruas da amargura. Assemelham- se aos preços dos anos 40. O FOB não chega aos 550. A qualidade da nossa castanha está péssima. Ano após ano a Índia diminui os volumes de castanha importada de Moçambique, pelo que há que perguntar: Para que serve o esforço de cura dos cajueiros e plantio de novas árvores? Para vender a quem?

As implicações políticas também já estão à vista; o fecho das duas fábricas em Angoche, muito provavelmente terá ajudado a gerar o “background” de descontentamento necessário às manifestações deste mês. Carlos Morgado tem uma grande vantagem: Não tem cara a lavar neste assunto. Não foi ele que presidiu ao desastre. Não tem que atravessar nenhuma terapia anti-orgulho ferido. E, ainda por cima, agora tem uma ministra das finanças disposta a rever a matéria. Em suma, de que é que o ministro está à espera?

Ironias Ironia das ironias: A liberalização anti-industrial do caju conseguiu uma proeza que nenhuma margem de protecção à indústria solicitava – um preço ao camponês consideravelmente abaixo dos preços que as indústrias estavam dispostas a pagar sem perigo de retrocesso. Como temos vindo a noticiar, o preço da castanha ao apanhador está a bater no fundo – 24 cêntimos de dólar/Kg. Ou seja, o mesmo que nos últimos anos da guerra.

Ora, em 1995, quando as fábricas reabriram em pleno, os industriais mantiveram um esforço de 500 USD/T à porta da fábrica. Era um preço de lâmina, mas não regatearam. E o preço ao camponês lá foi subindo para a casa dos 40 cêntimos de dólar/Kg na campanha de 96/97. Mas o governo e o Banco Mundial disseram que não chegava. A indústria estava a ter protecção a mais. Coitados dos camponeses. E enfiaram o punhal nas costas da indústria até ao fundo. Logicamente, ao fecharem as indústrias, eliminaram uma capacidade de compra da ordem das 35 a 40 mil T.

Resultado: Removida a concorrência industrial moçambicana, o outro comprador, a Índia, pôs-se a oferecer preços cada vez mais baixos. Acontece que é uma ironia que não basta pois não estamos a ver os industriais a enveredarem por nova aventura só na base do preço baixíssimo das duas últimas campanhas. Pode fazê-lo, no Lumbo, a Gani que – com toda a razão – manteve um pé na exportação da castanha enquanto metia o outro, à aventura, na indústria.

Regra geral, os outros não podem voltar a bater à porta dos bancos, e os bancos não lhes abrirão porta nenhuma, enquanto o governo não adoptar uma política clara, a longo prazo, de promoção industrial. Só com essa política poderão os industriais e os bancos voltar a investir sem o receio de golpes vindos do outro lado do Índico – bastariam mais um ou dois anos de preços bons pagos pela Índia, para as nossas indústrias ficarem, de novo, sem matéria-prima.

Aliás, se o ministro Morgado aceitar a pressão pro-diálogo que lhe fazemos nesta edição, sugerimos-lhe, desde já, que negoceie com a banca uma coisa muito simples: O tesouro cobre, pelo menos, os juros das dívidas, e, em troca, os bancos não se opõem à transformação de alguns créditos concessionais do Banco Mundial em créditos fortemente concessionais às indústrias.

Com dinheiro fresco a taxas de juro de 1 a 1.5% ao ano, com pequenos subsídios à compra da castanha (se for preciso), com uma política de abastecimento obrigatório das fábricas, e com um programa de fomento que abarque todos os interessados, estamos certos de que dentro de dez anos haverá castanha suficiente para processar e exportar, tal como acontecia nos anos 60 e 70 quando a política de apoio à indústria transformou Moçambique no maior produtor mundial de castanha. Mas, mais importante, por via da revitalização da indústria de amêndoa, abriremos, finalmente, a Caixa de Pandora de todo o enorme potencial do caju.

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