Num fim de tarde, Luís Brito e Cândido Coelho, duas figuras que dispensam apresentações no panorama desportivo nacional (o primeiro, infelizmente já falecido), voltavam do Estádio da Machava agastados com a qualidade do espectáculo e pelo facto de a Selecção Nacional ter averbado mais uma derrota.
Brito, homem do hóquei em patins, que reconhecia ao futebol a coroa de rei dos desportos, teve um momento de concentração e disse para o seu colega de circunstância:
– “Ó Cândido: e se deitássemos mão a um torneio de futebol para miúdos, que daqui a uns anos permita melhorar o nível do nosso futebol”?
Na altura, ele estava apenas a pensar alto. O seu companheiro entrou na jogada. A partir daí, a ideia foi crescendo e ganhando forma: uma equipa por cada bairro; o limite de 12 anos de idade; regulamentos a privilegiarem estudantes; patrocínios de empresas para cada equipa; lanches; convites a árbitros para actuações gratuitas; envolvimento de jornalistas; “apadrinhamento” de um “craque” sénior a cada equipa, etc.
O nome? Primeiro foi SOBEC, depois BEBEC, tendo em conta o envolvimento de várias empresas.
Cambalhota
Volvidos 5 anos, a Empresa SOBEC, cumprida a sua função de ajudar no desenvolvimento do futebol, “passou a bola” à Direcção Juventude e Desportos da Cidade de Maputo. A prova continuou com a mesma designação, mas a roupagem foi, aos poucos, degradando-se.
A “carolice” deu lugar a jogos de interesses, nem sempre confessáveis. Algumas pessoas – de dirigentes a treinadores – afastaram-se.
O que hoje se assiste, não serve a nenhum dos dois objectivos que eram o sonho do criador da prova: a confraternização e o bom futebol.
Com mágoa e chocando-nos a alma, vemos nas partidas disputadas em campos sem um mínimo de condições, jovens a receberem intruções para “quenhar”; há distribuição de impropérios por tudo o lado. No dia da final, o espectáculo é pouco aconselhável, com alguns agitadores dos bairros a desfilarem em trajes menores, outros exibindo cartazes pouco abonatórios.
Procura-se a vitória a qualquer preço. Até porque, em caso de triunfo, os “papás” vão ter farra até ao amanhecer, consumindo os patrocínios dos cantineiros da zona e alguns animais domésticos abatidos a este propósito. Uma boa ocasião para os meninos assistirem às demontrações da capacidade dos velhotes, no tocante ao consumo das “loirinhas”, bebidas secas e/ou tradicionais!
É este o BEBEC que nos resta. Incapaz de educar e muito menos de produzir estrelas para os Mambas. Para quem, como nós, acompanhou desde a primeira hora, participando no desejo de um grande homem que se tornou sonho colectivo, o sentimento que fica é de que uma prova destas, não só trai os ideais de quem a criou, como frustra as ambições de todo um país em ver nascer novas estrelas para a equipa de todos nós.
Estrelas “made in bebec”
E assim, numa tarde quente de Janeiro de 1988, a realidade superou a fantasia. a final do SOBEC foi um momento alto. Ao campo do Desportivo acorreu gente de todos os extractos sociais, “titios” que os petizes só viam pela televisão. Na mente de muitos, já figuravam nomes como Nonó, Énio, Dário e outros.
A iniciativa “pegou de estaca”. Anualmente, em vésperas do período de férias, “pápás e os titios” faziam a aproximação à organização e as empresas disputavam uma vaga para patrocinar uma equipa. Os frutos não se fizeram esperar. Quatro anos após o pontapé de saída, já se realizava, em Pemba, uma prova nacional, denominada Copa Piel. Curiosamente, Dário, hoje “goleador-mór” dos Mambas, ficou em primeiro lugar na lista dos artilheiros, com 8 golos. Nascia uma das muitas estrelas “made-in-BEBEC”!
Seguiu-se a ida a Lisboa, para um Torneio na Pontinha. A classificação final desta prova foi a seguinte: 1.º Sporting de Portugal; 2.º 1.º de Agosto de Angola; 3.º SOBEC de Moçambique; 4.º Benfica de Lisboa, 5.º Vitória de Setúbal; 6.º Estrela da Amadora; 7.º Selecção de Loures e 8.º Atlético da Pontinha.
A formação moçambicana conseguiu 6 pontos em 8 possíveis, marcando 8 golos. Empatou com o Sporting a dois golos e venceu o Benfica por 2-1.
Na altura, os “carolas” enquadravam a miudagem, sob normas mais educativas do que punitivas. Ganhar era importante, mas jogar bem, não aleijar os adversários, era a prioridade. Os árbitros não exibiam cartões. Chamavam à atenção, puxavam as orelhinhas e procuravam saber quem é o pai do prevaricador, para que instruísse o filho a mudar de comportamento. A actuação de Salvado, velho árbitro de nomeada que dirigia muitos jogos, sempre com entusiasmo, sempre “mahala”, é um exemplo a reter.