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O que vem da alma de um médico?

O que vem da alma de um médico?

“Diz-se, no mais vernáculo português, que cada doido tem a sua mania (…). No caso presente falamos de médicos, não de doidos, e de paixões, não de manias. Assim, e traduzindo: alguns clínicos têm algumas paixões. Nisso não são diferentes do mais comum dos mortais (…) mas ter a coragem de expor afeições não é para os fracos de espírito. Eles são do ego forte, isto é, acreditam que o que viram, e como viram, interessa e enriquece quem o vê”, escreve o arquitecto moçambicano José Forjaz.

Nos meados do ano passado, por ocasião da primeira greve dos médicos, muitos dos nossos irmãos moçambicanos, e não só, viram as suas vidas por um fio na fila dos hospitais à espera do devido atendimento clínico. Nas diversas unidades hospitalares, os médicos, os enfermeiros, os serventes, entre outros profissionais da Saúde clamavam por um aumento salarial correspondente a 100% do seu salário base.

A greve, agendada pela Associação Médica de Moçambique (AMM), diga-se de passagem, abalou o país e deixou milhares de moçambicanos entregues à sua sorte, sobretudo os enfermos com VIH/SIDA e tuberculose, dependentes de anti-retrovirais e de Coxcip, respectivamente. No entanto, embora a causa defendida pelos médicos e demais profissionais de saúde fosse justa, parece-me que os serviços mínimos que deveriam ser, obrigatoriamente, assegurados pelos profissionais em greve, o que não foi observado, causando, desta feita, dor e luto a muitos concidadãos nossos e retirando, perante a sociedade, credibilidade ao acto.

Embora não seja esse o foco da nossa reportagem, que de uma ou de outra forma retrata a quotidianidade dos médicos moçambicanos, e não só, importa referir que depois de 27 dias de manifestações, sem obter qualquer concessão por parte do Governo, a classe dos médicos decidiu anunciar publicamente o fim dos protestos, com vista a continuar a garantir o tratamento dos seus conterrâneos.

É interessante, na verdade excepcional, a capacidade de alguns profissionais – médicos, jornalistas, polícias, bombeiros … – de quererem e poderem ajudar ao mesmo tempo que as crises financeiras abalam os sectores. Mas, incrivelmente, há quem perante esta suposta desvalorização do empregado (referimo-nos aos patronatos) ache justa a sua atitude. De qualquer modo, a falta de salário digno, e de melhores condições de trabalho não pode ser um pretexto para que as pessoas percam a humildade, o profissionalismo e, acima de tudo, a personalidade.

Afinal, “durante os quarenta dias sem comer nem beber, Jesus foi tentado pelo diabo, que disse: Se tu és o filho de Deus, transforma essa pedra em pão. E Jesus respondeu-lhe, dizendo: Está escrito que nem só de pão viverá o homem, mas de toda a palavra de Deus”, (Lucas 4). Em os “Médicos Fotógrafos”, uma exposição de fotografia inaugurada recentemente em Maputo cujo, término está marcado para o dia 12 do mês em curso, no Centro Cultural Português, descobre-se o amor pelas artes, pela beleza, pela tranquilidade e pela vida, mesmo sem remuneração.

Trata-se, na verdade, de diferentes obras de retratos que espelham desde a natureza, o quotidiano dos moçambicanos na luta contra a pobreza, a valorização dos nossos hábitos, até as regras de higiene e limpeza. De acordo com José Forjaz, arquetecto moçambicano, os médicos têm a capacidade de conhecer a semiótica da vida. Por essa razão, “o mistério desta profissão, que sempre me fascinou pela dificuldade de a perceber emotivamente, é esta, mas que fortuita apetência pela criatividade artística. As mais das vezes são escritores e reinventam a vida e a sociedade”.

Não se está a dizer, de nenhuma forma, aqui, que as obras de António Marques, de Clara Ramalhão, de João Fumane e de João Schwalbach – cuja exposição pode ser visitada das 08 horas às 18, nos dias úteis da semana – não aglutinam, em si, o lado terapêutico e pedagógico.

Os criadores quiserem explorar as capacidades que têm de conciliar a sua profissão com as outras causas sociais que, diariamente, constatam e que valem a pena serem fotografadas, como, por exemplo, as crianças de rua e os vendedores ambulantes, a fim de enaltecer a sua vontade de contribuir para o desenvolvimento do país, em todas as áreas.

São tantos os homens e mulheres que mesmo trabalhando na medicina ainda se envolveme em atividades artístico-culturais. Eles podem, por algum motivo, ter sido vítimas da beleza artística. No entanto – a dançar, a pintar, a fotografar, a esculpir e a escrever – , no quotidiano, estes profissionais enfrentam os desafios da vida continuamente.

Minibiografia dos médicos fotógrafos

António Leitão Marques nasceu em Moçambique, onde completou os estudos primários. “Diz-se, no mais vernáculo português, que cada doido tem a sua mania (…). No caso presente falamos de médicos, não de doidos, e de paixões, não de manias. Assim, e traduzindo: alguns clínicos têm algumas paixões. Nisso não são diferentes do mais comum dos mortais (…) mas ter a coragem de expor afeições não é para os fracos de espírito. Eles são do ego forte, isto é, acreditam que o que viram, e como viram, interessa e enriquece quem o vê”, escreve o arquitecto moçambicano José Forjaz.

Licenciou-se em Medicina pela Universidade de Coimbra e especializou-se em Cardiologia, tendo sido director do Serviço de Cardiologia do Centro Hospitalar de Coimbra entre 2006 e 2013. Foi fundador e presidente da ONG Cadeia de Esperança (2000-2013), associação médica com projectos de cooperação em África, nos países falantes da língua portuguesa, nomeadamente Moçambique e São Tomé e Príncipe.

É membro fundador do Instituto do Coração de Maputo (ICOR), onde é médico cardiologista desde Setembro de 2013. Clara Ramalhão, de nacionalidade portuguesa, nasceu em Moçambique. É médica neurorradiologista e desenvolve a sua actividade como fotógrafa desde 1997. Esta paixão é conciliada com a sua vida profissional e científica, também ela ancorada na imagem – a Imagiologia Médica.

Desde 2009 é coordenadora de projectos de cooperação luso-moçambicanos na sua área de formação. João Manuel de Carvalho Fumane, de nacionalidade moçambicana, nasceu em 1964. É médico especialista em Medicina Interna com larga experiência clínica tanto em Medicina Interna como em Oncologia, tendo bastante experiência de gestão, tanto a nível de instituições do Governo como de projectos. Foi médico chefe e director do Hospital Provincial de Tete e, de 1993 a 1996, foi director provincial da Saúde na mesma parcela do país.

João Fernando Lima Schwalbach, de nacionalidade moçambicana, nasceu em 1942, na província de Tete. Licenciou-se em Medicina na Universidade Eduardo Mondlane. Tem larga experiência em docência, ensinando disciplinas como Saúde da Comunidade, Epidemiologia, Gestão de Saúde, Política de Saúde, Bioética e Metodologia de Investigação em diversas instituições de ensino superior nacionais e portuguesas.

Foi director e médico chefe do distrito de Chibuto e da província de Maputo. Dirigiu igualmente a Direcção de Saúde da Cidade de Maputo, o Instituto Nacional de Saúde, o Centro Regional de Desenvolvimento Sanitário de Maputo da Organização Mundial de Saúde, a Escola Secundária do Instituto Superior de Ciência e Tecnologia de Moçambique e a Faculdade de Medicina da Universidade Eduardo Mondlane.

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