Olhando para os rostos dos antigos camaradas de luta de Samora Machel vi neles espelhado tudo menos a imagem do primeiro Presidente de Moçambique independente. Os velhos camaradas aburguesaram-se, estão barrigudos, flácidos, vestem bons fatos e ainda melhores gravatas – que diferença para a austera balalaica dos anos ´7’ e ´8’! –, deslocam-se em carros último modelo que estacionam quase dentro dos edifícios porque são demasiado importantes para andarem a pé, vivem em luxuosas mansões construídas de raiz ou herdadas do APIE que registaram em seu nome por meia dúzia de dólares, possuem ainda outras que arrendam a preços especulativos de quatro e cinco mil dólares a estrangeiros que não se atrevem a pedir-lhes factura porque “não fica bem”, enquanto o Estado é mensalmente lesado em milhares de meticais de imposto. Nada lhes importa desde que a ‘coisa’ pingue.
E que diria Samora disto tudo?
Coisa boa, certamente não seria. Salvo raríssimas excepções, hoje todo o way of life dos seus camaradas de armas lhe repugnaria.
Repugnava-lhe o luxo e a ostentação, sobretudo num país cujo desiderato nacional é combater a pobreza absoluta; repugnava-lhe a especulação – ‘a nossa luta é contra os especuladores’, dizia continuamente –; o laxismo muito em voga nos dias de hoje; o deixa-andar; a corrupção – em alguns casos, para dar o exemplo, foi mesmo longe demais –; o clientelismo; o lambotismo – chegava mesmo a odiar aqueles que só pela sua posição de mais alto dignitário da nação diziam-lhe sempre SIM a tudo para lhe agradar.
Hoje, os camaradas combatem, quotidianamente, tudo aquilo que Samora defendia. Nunca a prática diária esteve tão longe das exaltações dos discursos ofi ciais.
Hoje, o Homem Novo moçambicano idealizado por Samora está velho e cansado. De ser transportado indignamente como gado no chapa. De dormir numa barraca que alaga com as primeiras chuvas. De ir para a cama mais cedo para enganar o estômago. De trabalhar todo o mês e não ganhar sequer 100 dólares. De morrer no hospital porque falta tudo. De ter uma vida indigna e de à sua volta ver uma desigualdade também ela indigna.
Por tudo isto, hoje, os camaradas queriam tudo menos que Samora tivesse o destino de Lázaro quando Cristo disse: ‘Levanta-te e caminha’.