Quando, depois de construído, o Lar do Idoso do bairro do Zimpeto ficou dois anos sem funcionar, há quem tenha acreditado que tal facto se devesse à criação de condições para poder acolher os futuros inquilinos. Mas não é o que eles encontraram quando lá chegaram. Hoje, levam uma vida sedentária num espaço completamente vedado.
Os cuidados que devem ser prestados a uma pessoa da terceira idade assemelham-se aos que devem ser oferecidos a uma criança, ou seja, devemos dar carinho, amor e (sobretudo) atenção. Foi com estes pressupostos que se criaram diversos lares de idoso na cidade de Maputo.
Porém, o tratamento que é dados aos idosos acolhidos naqueles locais parece estar muito longe dos objectivos para os quais os centros foram criados, o que deixa aquela camada insatisfeita e, nalgumas vezes, a preferir viver na rua. “Estamos cientes da nossa fragilidade e que precisamos de um tratamento mais carinhoso, mas não encontramos isso aqui. Somos insultados e humilhados como se eles (os funcionários) não tivessem pais. Não aguentamos mais”.
A insatisfação não se deve às más condições infra-estruturais, mas sim ao procedimento de alguns funcionários do lar. “As casas são bonitas, os sanitários são bem cuidados e a nossa roupa de cama bem lavada, mas falta o essencial: o carinho”, reclamam. O mau tratamento a que são submetidos começou a tomar contornos alarmantes há poucos meses, o que os deixou atónitos porque nunca se tinha pensado na possibilidade de isso acontecer.
“Desde que entrámos aqui até há pouco menos de seis meses, este lugar era de paz e amor, mas parece que, nos últimos dias, o diabo assaltou o nosso lar”, lamentou um dos idosos e afirmou que alguns idosos que têm sido vítimas de tais torturas não têm coragem de contar aos seus familiares.
Sofrer no silêncio
Apesar de estarem mergulhados no sofrimento, a maior parte dos idosos sofre no silêncio alegadamente porque ninguém acreditaria na sua história. “Ainda que eu contasse ao meu filho que veio deixar-me neste lugar, ele não acreditaria em mim.
Pode pensar que eu estou a arquitectar factos só para não ficar aqui”, justifica o idoso. A tristeza destes idosos vai para além dos maus tratos que têm recebido da parte dos funcionários. A sua insatisfação também está aliada à desatenção dos filhos que preferem ver os seus progenitores num asilo.
Este silêncio é prova de que algo não vai bem naquele centro. A título de exemplo, um dos idosos com quem conversámos disse que receava receber retaliações caso a direcção descobrisse que ele forneceu informações a um órgão de comunicação social e pediu que reportássemos os seus “desapontamentos” na condição de anonimato.
A ideia que fica é de que, devido às dificuldades que as pessoas da terceira idade têm e aos cuidados que devem receber, os funcionários não gostam do trabalho que fazem, ou seja, comprometeram-se a cuidar daquele grupo indefeso apenas por conveniência e para terem um salário no fim de cada mês.
Muitos dos idosos que ali estão não relatam estas histórias aos seus familiares porque temem que estes peçam satisfações à direcção do lar e eles fiquem a sofrer retaliações de alguns funcionários daquela casa.
“Imagina se conto isto ao meu filho. Ele vai fazer confusão na direcção do lar ao invés de me tirar daqui. Eu é que ficarei a sofrer pela atitude dele. É por isso que preferimos perpetuar o nosso sofrimento, embora esteja a aumentar a cada dia que passa”.
“Tenho saudades da minha casa”
Perante este triste cenário descrito pelos idosos e para quem já teve casa, nada mais lhes resta senão lembranças dos bons momentos passados ao lado da família e amigos. Diga-se, eles sentem-se aprisionados. “Para mim, isto é uma cadeia. Não entendo porque temos de ser isolados, apenas. Eu tenho saudades da minha casa”, desabafa um deles.
A sua vontade de voltar ao convívio familiar tem uma explicação: o ambiente do lar não oferece a diversidade social por ele almejada, ou seja, vive num ciclo rotineiro que, segundo ele, em nada os beneficia. “Aqui a vida resume-se em dormir, acordar e conversar (sobre o passado). Estamos alheios ao mundo que se desenvolve fora das paredes que limitam o nosso lar”.
Ademais, os idosos, embora cientes das incapacidades que têm, são da opinião de que ao menos podiam “ter liberdade para passear pelas ruas do bairro, contemplar outros ambientes e não continuar confinados neste lugar’.
“O isolamento pode leva-los à demência”
Para o psicólogo e psicoterapeuta da Universidade Eduardo Mondlane, Elias Sande, o isolamento a que os idosos estão sujeitos pode levá-los à demência total. Antes de mais, avança que a depressão tem sido a primeira consequência do isolamento, o que pode gerar comportamentos suicidas.
“Normalmente as pessoas isoladas pensam que estão naquela condição porque são incapazes ou porque são socialmente inúteis. Nesse âmbito, desenvolvem a baixa auto-estima e, consequentemente, consideram-se inferiores em relação às outras”, explica e acrescenta que é nessa condição que o indivíduo começa a não dar valor à sua própria vida, o que pode conduzi-lo ao suicídio.
Sande aconselha as entidades que tutelam este tipo de instituições a adoptarem estratégias no sentido de atarefar os idosos e, até certo ponto, permitir que alguns dos seus sonhos sejam realizados.
“Se é vontade deles passar um tempo fora do lar, é preciso que, regularmente, este desejo seja realizado para que se sintam completos e não olhem para o espaço como um lugar onde só devem cumprir ordens e agendas elaboradas pelos outros”, exorta Sande.
Em relação à psicologia do idoso, que não difere muito da psicologia infantil, a nossa fonte disse que há um aspecto diferente entre ambas, porque o idoso, tem necessidade de aplicar o conhecimento que adquiriu ao longo da vida.
“Como forma de impulsionar a exploração das capacidades dos idosos nos lares da terceira idade, seria conveniente incentivar ou despertar a criatividade destes, de igual forma que se impulsiona a criatividade das crianças nas creches”, recomenda.
Elias Sande diz ainda que, na terceira idade, a pessoa tem vontade de se ocupar porque pensa que sabe mais ou aprendeu o suficiente para ensinar ou aplicar. Aponta o facto de muitos idosos desenvolverem alguma actividade num momento em que a sociedade os considera incapazes, como prova de que eles também podem fazer algo.
“Muitas vezes, vemos muitos idosos envolvidos em algumas actividades como o fabrico de cestos, peneiras, vassouras e mais. Não o fazem pelo dinheiro, mas porque querem sentir- se úteis, ou seja, há necessidade de se/os ocupar”, afirma.
Como apelo, o psicólogo e psicoterapeuta diz que os lares da terceira idade devem desenvolver serviços de orientação profissional, principalmente na área artesanal. “É imperioso que tenhamos centros de orientação profissional nos lares, de modo a explorar as suas habilidades e capacitá-los em função das mesmas”.
Com esta medida, Sande acredita que será mais fácil aniquilar sentimentos como revolta, baixa auto- -estima e invalidez que, segundo ele, reinam em muitas pessoas da terceira idade. “Se eliminarmos estes sentimentos prejudiciais, ser-nos-á possível combater comportamentos com tendência ao suicídio, e até mesmo doenças cardiovasculares”, conclui.
“Nunca ouvimos falar de casos desse género”
Uma fonte ligada à instituição disse que a esta situação é, até ao momento, desconhecida porque o ambiente que se vive no lar é de tranquilidade. “Nunca ouvimos falar de casos desse género, o que nos faz acreditar que pode tratar-se de um caso isolado. Isso pode ser resultado da natureza da convivência humana”.
A fonte disse ainda que a sensibilidade que move uma pessoa da terceira idade pode levá-la a revoltar-se por algo que tenha sido feito com a melhor das intenções. “Um idoso é muito sensível. Uma pequena palavra, por mais que não tenha sido proferida com o objectivo de o ofender, basta para o deixar triste ou zangado”.