Inconformado com a indiferença e a incompetência das autoridades municipais da cidade de Maputo, o jovem Estêvão ainda que não tenha sequer uma viatura, preocupa-se com os que passam pela Avenida da Marginal, algures no bairro da Costa do Sol.
Estêvão Lucas Xilambo não sabe ao certo quantos anos tem, mas aparenta ter entre 30 e 35 anos de idade. É residente no bairro da Costa do Sol-Mapulene, vulgo bairro dos Pescadores e, embora sofra de perturbações mentais, consegue fazer coisas úteis a bem da sociedade, em particular dos automobilistas que circulam pela Avenida da Marginal, uma estrada que está na iminência de desaparecer devido à erosão.
São buracos que, nos dias de chuva, se transformam em autênticas poças de água, dificultando assim a transitabilidade rodoviária. Foi esta precariedade que fez com que Estêvão arranjasse numa pá de mão e começasse a tapá-los.
Ele começou a fazê-lo no seu bairro, o dos Pescadores, só depois é que “atacou” a zona da Costa do Sol, cuja principal via está em péssimas condições.
“Eu sou inimigo e perseguidor dos buracos, vou onde eles estiverem. Não gosto de ver viaturas sempre no eterno exercício de os contornar ao longo da Avenida da Marginal”, revela para depois acrescentar que esta rodovia não passa de um cartão-de-visita, é por ali que muitos turistas, entre nacionais e estrangeiros, passam, uns a caminho da praia da Costa do Sol e outros para as casas de pasto ali existentes.
“Faço isso porque respeito acima de tudo os estrangeiros, eles levam a imagem do nosso país consigo. Pode ser que lá comentem sobre o péssimo estado em que as estradas da nossa capital se encontram”, aponta.
Uma rotina incontornável
Os dias para Estêvão Lucas Xilambo iniciam relativamente mais cedo, logo pela manhã, entre as 6 e as 7 horas. Quando se levanta, prepara-se e dirige-se à sua habitual esquina na Marginal, com o fito único de tapar os buracos que há muito lhe tiram sono.
Diariamente, tem de gastar dez meticais para poder apanhar um chapa (transporte semicolectivo de passageiros) do bairro dos Pescadores para Costa do Sol e vice-versa. Depois de descer do chapa, tem de percorrer pouco mais de cinco quilómetros para chegar à casa.
“Nos dias que não tenho dinheiro de transporte venho aqui à Costa do Sol a pé porque o de volta está garantido. Ainda que por alguma eventualidade eu não tenha dinheiro de regresso, tenho muitos conhecidos que têm carros, os quais podem levar-me à casa”, afirma.
Faça chuva, faça sol, Estêvão não abdica da sua pá de mão para carregar a areia com a qual tapa os buracos. É quase impossível passar pela Marginal na zona da Costa do Sol sem lhe ver no seu estilo característico: descamisado, de calções de jeans e a sua pá em punho.
O carrasco dos invejosos
Há já cinco anos que Estêvão dedica a sua força ao tapamento de buracos e durante os primeiros quatro anos nunca ousou usar uma carrinha de mão para transportar areia. Sempre recorreu à pá.
Só mudou quando as pessoas, particularmente automobilistas, o aconselharam a usar aquele meio para facilitar o trabalho. No mês passado, adquiriu uma carrinha usada ao preço de 700 meticais mas, infelizmente, não pôde usá-la por muito tempo porque os amigos do alheio assim não o quiseram. “Roubaram-na em menos de duas semanas”.
“Quando cheguei à casa, deixei a carrinha debaixo de uma árvore à beira da estrada. De seguida fui ter com alguém com quem tinha marcado um encontro. Cinco minutos foram suficientes para levarem o meu instrumento de trabalho”, conta.
Xilambo não descarta a possibilidade de a carrinha de mão ter sido roubada por conhecidos, pessoas que não gostam de lhe ver a lutar para garantir o pão. “Eu nunca pedi e não peço dinheiro a ninguém pelo meu trabalho, eles (os automobilistas) dão-me quando quiserem. Há quem me ofereça coisas para comer, como sumo, pão, bolos, entre outros produtos”.
O rei da estrada
Se a Polícia de Trânsito interpela os condutores na estrada, o mesmo não se pode dizer em relação a Estêvão Xilambo, que está sempre no meio da rodovia, o que obriga os automobilistas a arranjar uma forma de circular sem, no entanto, lhe interromper.
Em cada cinco viaturas que passam pela Avenida da Marginal, três buzinam como forma de saudação e agradecimento pelo facto de ser um homem que se preocupa em manter as vias transitáveis, algo que devia ser feito pelo município.
“Eu prefiro material de trabalho ao dinheiro”
Diferentemente daqueles jovens e crianças que se dedicam àquela actividade apenas para ganharem dinheiro, Estêvão só se preocupa com o trabalho. “Eu não estendo a mão para pedir esmola. As pessoas e os automobilistas, em reconhecimento ao meu trabalho, chamam-me e dão-me o que podem”.
Para este jovem, as pessoas não deviam oferecer-lhe dinheiro como recompensa, mas sim “dar-me material, como carrinhas e pás de mão, botas, luvas e roupa de trabalho. Estou mais preocupado com os meios de trabalho do que com qualquer outra coisa. Depois de terem roubado a carrinha, o meu trabalho tornou-se mais difícil”.
“Potencial sucessor de David Simango”
Estêvão Lucas Xilambo pretende candidatar-se às próximas eleições autárquicas e considera-se um potencial sucessor do actual edil de Maputo, David Simango. É bom que se diga que, se os eleitores fossem apenas moradores do bairro da Costa do Sol e, acima de tudo, automobilistas que passam pela Marginal, ele poderia representar uma “ameaça” aos seus adversários.
“Eu sou diferente dos políticos, não usaria dísticos, camisetas, panfletos ou megafones para granjear a simpatia do eleitorado. Bastava para tal pegar numa pá e ir ao encontro dos buracos e tapá-los. Não preciso de esperar pelos fundos do Orçamento do Estado ou pelos impostos que o povo paga com muito sacrifício”.
“Não fui à escola, mas sei contar dinheiro”
Estêvão não teve a sorte de ir à escola, não porque os seus pais não tivessem dinheiro para tal, mas porque não goza de uma boa saúde mental. “Por mais que as pessoas me dêem nomes, eu estou e sinto-me bem. Não faço mal a ninguém, antes pelo contrário, faço coisas úteis para a sociedade, tapando os buracos na estrada sem que para tal cobre algum valor”.
Fruto do seu trabalho, Estêvão conta que por dia consegue ganhar entre 200 e 500 meticais. Nos fins-de-semana as receitas tendem a subir, aproximando- se dos mil meticais. “Os turistas (estrangeiros) que passam por aqui é que têm dado mais dinheiro e produtos alimentares, não é que os meus compatriotas não o façam. Há muitos chapeiros que atiram sempre algumas moedas”.
Entretanto, questionámo-lo sobre o que tem feito com o dinheiro arrecadado mas ele recusou-se a responder. Insistimos, mas debalde. Apenas dizia que o seu sonho era abrir uma empresa de “tapadores” de buracos.
O que dizem os automobilistas?
O trabalho desenvolvido por Estêvão Xilambo tem como principais beneficiários os automobilistas cujas viaturas passam pela avenida Marginal aparentemente esquecida pelo governo (e município), ainda que esteja numa zona tida como de luxo e de referência.
José Bande, residente no bairro da Costa do Sol, percorre diariamente a Marginal e vê o “tapador” de buracos sempre com a sua pá em punho no meio da estrada, não para embaraçar o tráfego, mas sim para contribuir para a sua melhor fluidez.
“É louvável o trabalho feito por este jovem. Ele está sempre a trabalhar, independentemente das condições, quase que não se dá ao tempo para descansar ou alimentar-se. Ele começou há sensivelmente cinco anos, não é de hoje”, considera.
Num país em que as pessoas choram porque não há emprego, muitos esquecem-se de que podem fazer algo para a sua sobrevivência, apostando, por exemplo, no auto-emprego. O exemplo de Estêvão devia, segundo Bande, servir de referência para os jovens e não só.