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O grito de socorro das mulheres apelando pela segurança na Polana Caniço “A”

O grito de socorro das mulheres apelando pela segurança na Polana Caniço “A”

A onda de criminalidade, as ameaças, o medo e a falta de segurança continuam a preocupar as mulheres do Polana Caniço “A”. As causas? Os muitos incidentes de assaltos e violação, a falta de iluminação nas ruas, o escasso patrulhamento da Polícia, e a proliferação das barracas e bêbados em quase todas as esquinas do bairro.

“Os violadores e assaltantes são jovens do bairro que abusam do álcool e consomem drogas, depois atacam as mulheres, principalmente as raparigas que estudam de noite”, disse Oina Chiurre, moradora do bairro e membro da Associação das Vítimas de Violência Doméstica (AVVD).

Contudo, a onda de criminalidade regista uma ligeira descida, segundo activistas contra a violência no bairro. Dizem que no ano 2009 se verificava uma média de um assassinato por semana, e actualmente pode-se registar um em cada dois meses. Mas as mulheres vivem com medo, especialmente quando cai a noite nos becos do bairro de 45.000 habitantes.

Casos macabros

Chiurre disse que há criminosos que entram nas residências, violam e assassinam para não serem denunciados. Um caso que ela conhece foi de uma rapariga que estava a dormir na sua casa. Os criminosos entraram, violaram-na e mataram-na com pau de pilar. Segundo Chiurre, noutro caso, um homem foi sexualmente violado na sua residência.

Para se protegerem dessa onda de violência, os moradores apostaram na patrulha, no policiamento comunitário e no uso de apitos para alertar os vizinhos caso sofram algum atentado. Mas a patrulha composta de vizinhos e polícias não teve continuidade.

“Íamos ao posto policial mas não tínhamos como fazer a patrulha, porque a Polícia não estava disponível”, disse Chiurre. “Acabámos por desistir”. Os chefes dos quarteirões estão a reunir homens de novo para a patrulha mas esperam pela confirmação da Polícia para começar, segundo Madalena Cidália, presidente da AVVD.

O perigo de estudar à noite

Há cinco anos estuda de noite, e em cada dia que chega a casa viva é um graças a Deus. “Tenho medo de voltar sozinha, andamos sempre em grupo, este bairro é perigoso”, disse a estudante Aida*, de 19 anos. “O que me deixa com mais medo é que a Polícia do bairro só vigia nos arredores do posto policial, e no interior, onde não há iluminação, a Polícia nem pisa”, acrescenta. O medo também assola Carla*, de 20 anos, que estuda de noite: “Mesmo que eu saia cedo da escola, não posso ir para casa, porque tenho de esperar colegas para andar em grupo, essa é a única forma de nos precavermos”.

As jovens frequentemente são alvo de ameaças de violação. “Já fui ameaçada de ser violada enquanto eu estava dentro do quintal da minha casa, porque não aceitei conversar com um indivíduo”, conta Aida. “No meu caso, foi porque não lhe dei cinco meticais”, disse Carla, estudante do curso nocturno. “Eu não durmo antes de a minha filha voltar da escola”, lamenta Ernestina*, mãe de Carla. A jovem liga para a mãe logo que sai da escola para avisar que está a caminho.

Polícia apática

A indiferença da Polícia preocupa as mulheres do bairro. “Vimos uma menina a ser agredida quando saíamos da escola e corremos até a Polícia para pedir socorro. Os dois polícias disseram que não nos podiam atender porque estavam à espera de algumas pessoas que iam fazer denúncias,” lembra Aida. “Ficámos indignadas porque nós olhamos para a Polícia como nossa protecção”. Há mulheres violadas e mortas em frente das suas residências, como a jovem rapariga atacada em Junho de 2012 ao voltar de uma festa com o namorado.

Em frente da casa, o namorado despediu-se. Então ela foi puxada para um beco a 30 metros da casa. Violaram-na, mataram-na, e meteram pedrinhas no sexo e na boca da rapariga. Os criminosos estão soltos. “Tentámos de tudo, a Polícia não investigou. Não temos nenhum resultado até agora”, disse o irmão da vítima.

A dor de uma mãe

Com 18 anos, uma jovem estudante da 9ª classe na Escola Noroeste 1 foi passear com um amigo e nunca mais voltou. Foi violada sexualmente e assassinada. O corpo foi encontrado perto da praia na noite de 27 de Setembro de 2012. “A minha filha despediu-se, disse que não demorava, só ia dar uma volta. Quando eram 16 horas comecei a ficar preocupada. Mas não tinha como perguntar, pois ela tinha deixado o celular em casa”, conta a mãe da vítima.

O corpo da rapariga estava amarrado juntamente com o amigo, vivo, que estava sem roupa. Dias depois, o suposto violador foi visto com as roupas roubadas e foi investigado. Segundo a polícia, está preso. Mas a mãe da vítima e Cidália, que acompanhou o caso, recebem chamadas anónimas intimidatórias, provavelmente por terem denunciado o caso na imprensa.

Para Cidália, as chamadas começaram após ter falado da morte da jovem estudante da Escola Noroeste 1 num programa televisivo. “Depois do programa recebi mais de trinta chamadas. Quando ligam, querem marcar um encontro para resolver o caso mas não se identificam”, explica. No início ligavam frequentemente, incluindo de madrugada, mas agora é menos frequente.

“Não sei até quando isto vai acabar. Se já mataram a minha filha, da forma mais cruel, não sei o que querem mais de mim”, lamenta a mãe da vítima. Entretanto, as mulheres do Polana Caniço vivem com medo, limitadas na sua capacidade de movimentação nas ruas absolutamente obscuras onde o assalto, a violação e a morte espreitam em cada beco.

*Nome fictício

As ruas da morte

A via de acesso ao bairro é bastante movimentada e com muitos carros e transportes semicolectivos a circular. Há ruas pavimentadas que cruzam o bairro, aonde também chegam os transportes semicolectivos, mas a maioria é de terra batida. Aqui a circulação faz-se sobretudo a pé, embora em certas zonas haja espaço suficiente para a passagem de viaturas, quase sempre privadas, de moradores.

Duas vizinhas acompanham-nos numa caminhada pela zona perto da esquadra. Depois de abandonarmos as vias principais, asfaltadas, já não há iluminação pública. A luz, fraca, vem das casas, das varandas ou escoa-se pelas janelas. Depois da 9 ou 10 horas da noite, quando os moradores se recolhem para dormir, as lâmpadas são apagadas. Depois dessa hora, a circulação no bairro é muito perigosa. “A partir das 21 horas, se acabou o Credelec, paciência, que fazer, uma mulher não sai de casa sozinha”, disse Cidália. Os únicos locais que continuam abertos são os de venda de bebidas alcoólicas (“barracas”).

Uma mamana vende bolachas e refrescos numa lojinha, por trás de grades. Ela é a mãe da jovem violada e assassinada em 2012. Mostram-me o quintal da casa, a 25 metros da lojinha, onde acharam o corpo. “Como foi que os moradores da casa não ouviram nada?”, espanto-me. Na próxima rua, Oina Chiurre conta que dois dias atrás, um jovem tentou arrastar uma rapariga para dentro de uma obra inacabada para violá-la, mas ela conseguiu escapar. No dia seguinte identificou o agressor.

A população queria linchá-lo com pneu e gasolina, mas acabaram por levá-lo para a esquadra. Caminhámos mais 50 metros até ao “Bar do Veneno”, assim chamado porque os moradores acreditam que ali envenenam pessoas que mais tarde vão morrer nas suas casas. Mais 20 metros, numa barraca pequena, um polícia fardado a beber. Fica incomodado quando nos vê e sai atrás de nós.

Passear à noite no Polana Caniço é como entrar num mundo totalmente diferente do que se vive durante o dia, quando as pessoas circulam, as crianças brincam e os vizinhos se sentam cá fora a apanhar fresco e a conversar. A noite, com a sua escuridão, é feita de incertezas e de medos.

“Não entro nestas ruas quando estiver escuro, nem pensar!”, disse o taxista que me leva até Polana Caniço. “Não tanto pelo carro, que está protegido por tracking via satélite, mas pelo mal que te fazem. Sais ferido ou morto. Este bairro não dá”.

“Há insuficiência de polícias”

Entrevista à presidente da Associação das Vítimas de Violência Doméstica, Madalena Cidália

P- Porque é que decidiram criar esta associação no bairro Polana Caniço A?

R- Neste bairro aconteciam muitos crimes, quase todos os dias ouvíamos queixas de violência doméstica, sexual, e outros casos. Isso preocupou-nos e decidimos fazer campanhas e sensibilizar os moradores a não praticar a violência.

P- Quais são as causas desses crimes?

R- São várias: o consumo excessivo do álcool e drogas, a falta de iluminação no interior do bairro, e a fraca participação da Polícia no patrulhamento. Com 45 mil habitantes, há necessidade de se ter uma esquadra e não apenas um posto policial. Há insuficiência de condições de trabalho, são poucos polícias, não têm telefones nem viaturas. Já submetemos uma carta ao Ministério do Interior a pedir uma esquadra mas a resposta é que há insuficiência de polícias.

P- Onde se registam mais casos?

R- Por incrível que pareça, muitos casos registam-se próximos do posto policial, não sei porquê.

P- A Polícia consegue deter os criminosos?

R- Há muitas mortes e até hoje os criminosos andam soltos, nunca foram presos. Alguns que foram presos, pouco tempo depois foram soltos devido à insuficiência de provas.

No posto de Saúde

Entrámos ao posto de saúde por volta das 19 horas. O banco de socorros está estranhamente vazio.

“Ainda estão a beber, é cedo para as brigas começarem,” explica uma servente.

A jovem enfermeira, provavelmente uma estagiária, bonita e bem arranjada, cabelo e maquilhagem impecáveis, está absorta numa telenovela. O volume está tão alto que não consegue ouvir uma jovem mãe com um bebé doente nas costas a bater a porta das consultas.

Pergunto à enfermeira se ali administram a profilaxia post exposição (PPE) em casos de violação sexual.

“Não, mando ao Hospital de Mavalane,” responde.

“Aqui fazem, sim,” disse Cidália.

“Eu não sei nada disso,” replica a enfermeira.

Na parede ao lado da TV está colado um cartaz, de um metro de comprimento, com informações sobre o PPE. Ao lado, numa folha de papel, escrito à mão, o PPE contra ITS para crianças.

“Obviamente alguém administra estes medicamentos aqui”, digo.

A enfermeira olha pra mim sem interesse e continua a seguir a novela.

Enquanto espera, converso com a jovem mãe. “A partir das 22 ou 23 horas, não podes sair às ruas, tiram-te a pasta, tiram o telemóvel, esfaqueiam-te, violam-te, não dá para chegar até o hospital à noite sozinha”, disse. A sorte dela é morar na rua principal, Costa do Sol, que tem bastante iluminação.

Internet ajuda a controlar a violência nas ruas

Sabia que se pode combater a violência e insegurança nas ruas através das novas tecnologias de informação e comunicação como a Internet? Pode sim, através de websites que ajudam as mulheres a denunciar e acabar com a violência nos bairros, escolas e noutros locais. É o caso da HARASSMAP.org, uma ferramenta criada no Cairo, capital do Egipto, para denunciar e combater o assédio sexual nas ruas.

As mulheres denunciam anonimamente as suas experiências de assédio sexual na rua. Um mapa reúne as denúncias e visualiza onde o assédio acontece. O Harassmap também proporciona assistência jurídica e psicológica às vítimas nos casos mais graves.

Para reduzir a insegurança nas ruas, o Harassmap trabalha com voluntários da comunidade, treinados neste assunto, que saem uma vez por mês às ruas para educar e convencer os vizinhos a intervir contra o assédio sexual. Falam sobretudo com as pessoas que trabalham nas ruas, como vendedores, chapeiros, polícias e porteiros nos cafés.

Quando termina a formação, estes comprometem-se a intervir quando ocorrer um caso de assédio na sua zona. Levam um colante “zona livre do assédio” para colocar nas suas lojas ou bancas, criando assim um espaço de segurança para as mulheres.

Saiba mais em: http://harassmap.org/en/

A Hollerback (“gritar de volta”) é uma rede internacional contra a violência sexual que actua em 25 países para denunciar e pedir socorro através de SMS, e-mail e redes sociais. Nos sites locais do Hollerback, as mulheres podem registar os incidentes anonimamente, partilhando as suas vivências de assédio. Também se faz uso do mapa montado a partir dos testemunhos das mulheres por SMS ou por telefone para ilustrar os lugares e a frequência dos assédios.

Saiba mais em: www.dw.de/ berra-de-volta-mulheres-combatem-ass%C3%A9dio-sexual-com-ajuda-da- -internet/a-16702340

São várias as formas de assédio que podem ocorrer na rua:

• Tocar

• Vaiar

• Cobiçar

• Fazer comentários sexuais

• Perseguição

• Telefonemas,

• Exposição indecente

• Convite sexual

• Expressões faciais que sugerem intenções sexuais

• Atenção indesejada

• Exposição de fotos com carácter sexual

• Estupro ou abuso sexual

• Tortura psicológica

• Ataques em grupo

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