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O génio de Madiba

Na passada sexta-feira, colaborei, confesso, com a pirataria: não resisti e comprei na rua, a um dos milhares de vendedores de DVD’s, o filme Invictus, que estreou nessa mesma semana nas salas de cinema da Europa. Curiosamente, os DVD’s são mesmo um dos raríssimos casos de democracia extrema: ao mesmo tempo que o filme estreia em Hollywood aparece nas ruas de Maputo, o que põe ao mesmo nível de aquisição – a qualidade não é para aqui chamada – o milionário americano e o miserável de Maputo que por 100 meticais tem acesso aos últimos sucessos de bilheteira.

Mas adiante. O filme Invictus é magnânimo em tudo. Na realização, Clint Eastwood mostra-se em grande forma apesar dos seus 80 anos; na interpretação Morgan Freeman (Mandela) e Matt Damon (François Pienaar – capitão da selecção de rugby da África do Sul que conquistou a taça do mundo em 1995) desempenham, sobretudo o primeiro, excelentes papéis; no guião que segue à risca o romance de John Carlin; e… claro está, na figura central, Nelson Mandela, o primeiro presidente negro da África do Sul admirado no mundo inteiro. Não fora o falhanço familiar – “Mandela foi um pai adorado por uma nação, mas detestado pelos seus filhos que se sentiram abandonados por razões de Estado”, referiu Freeman numa entrevista – e Madiba, pelo que se vê no filme, poderia ser guindado à categoria de santo.

A sua humildade, a sua facilidade em perdoar, a sua preocupação de absolver, a sua permanente, quase “paranóica”, busca de consensos e reconciliação elevam-no a essa categoria etérea, sobretudo quando nos lembramos dos 27 anos de cativeiro duríssimos que teve de suportar. Mas, para mim, o grande génio de Mandela reside na sua sagacidade, vendo muito para além daquilo que ou outros vêem. Quando muitos vêem o rugby como um dos símbolos do apartheid e o equipamento dos Springboks – verde e dourado – um resquício a eliminar, Mandela vê reconciliação, argumentando que a extinção dos símbolos iria enfraquecer a selecção, podendo mesmo impedi-la de alcançar o seu objectivo que passava pela conquista do troféu.

Sob o sábio lema “se queres aproximar-te do teu inimigo aprende o seu desporto favorito” o presidente sul-africano irá, durante meses a fio, embrenhar-se a fundo no rugby prejudicando mesmo certos assuntos de Estado, chegando a decorar o nome de todos os jogadores. E, quando lhe perguntam se esse interesse é um cálculo político, ele responde: “Não, é um cálculo humano.” No final do filme, como efectivamente aconteceu, a aposta de Madiba é estrondosamente ganha quando o país inteiro pára para assistir à dramática final contra a Nova Zelândia.

E Eastwood não ignora isso, passando vários planos das ruas dos townships onde não se vê vivalma. O rugby tinha conquistado definitivamente o coração dos negros. Antes disso, o Ellis Park, em Joanesburgo, veio abaixo numa ovação ensurdecedora quando Mandela desceu ao relvado para cumprimentar as equipas com a camisola verde e dourada dos Springboks vestida. O primeiro presidente negro do país do apartheid conquistava definitivamente o coração dos brancos.

No dia seguinte à vitória da África do Sul na taça do mundo de rugby, Amabokoboko, a palavra xhosa para Springboks, preenchia a totalidade da primeira página do suplemento desportivo do jornal Sowetan, provando que na nova África do Sul havia lugar para todos. Mandela, esse, ria-se para dentro, pleno de satisfação.

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