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O fim de um homem abandonado pelos médicos

O fim de um homem abandonado pelos médicos

Carlos Afonso Herculano, de 39 anos de idade, morreu, a 19 de Fevereiro, no Hospital Central de Maputo (HCM), onde estava internado pela segunda vez em consequência de um acidente de viação, a 23 de Julho de 2013, no distrito de Mocuba, na província da Zambézia, quando um camião de grande tonelagem no qual viajava capotou devido a problemas mecânicos. Desde essa altura, ele passou os últimos dias (sete meses) de vida num autêntico martírio. A vítima, por mais que ficasse curada, nunca mais estaria em condições de cuidar da esposa e dos filhos, cujo futuro é incerto.

Para além de ter engrossado a lista das pessoas que no mundo ficam incapacitadas e perdem a vida em resultado dos sinistros rodoviários, Carlos Herculano era praticamente dado como morto pelos médicos do HCM, apesar de o seu coração ainda palpitava. O cidadão contraiu sequelas graves e a sua família estava desesperada devido à falta de meios para lutar pela sua saúde. Ele estava tetraplégico, segundo o diagnóstico dos terapeutas. A Mocotex, empresa na qual a vítima trabalhava, não assumia as despesas do tratamento médico nem ajudava a mulher e a sua prole.

A vítima do acidente estava extremamente magra, quase inanimada, no Departamento de Cirurgia III, na cama nº 20, da maior unidade sanitária do país e o seu estado de saúde piorava a cada dia que passasse por falta de assistência clínica adequada. Segundo os seus parentes, chegou a permanecer três dias sem beneficiar de higiene nas feridas por desleixo dos médicos. Estes alegavam que não existiam medicamentos para o efeito. Ao doente era administrado apenas sal ferroso, mas no relatório clínico constava que, dentre outros fármacos, recebia soro e vitaminas complexo “B”.

Infelizmente, o cidadão a que nos referimos é um exemplo inequívoco de que no país há centenas de vítimas de acidentes de trânsito que contraem deficiências graves que as tornam inabilitadas para continuarem a desempenhar as funções que garantiam a sua sobrevivência e de seus parentes, outros morrem de foram trágica, famílias ficam na miséria e vários sonhos são desfeitos, o que chama a atenção para se ter muita cautela ao volante. Como regra geral, devia-se verificar, constantemente, o estado do veículo no qual se pretende viajar ou transportar alguma mercadoria.

Na manhã do dia 23 de Julho do ano passado, de acordo com a esposa, Nilza Manhoso Lino, de 35 anos de idade, o doente telefonou para a Mocotex e informou que o camião que ele conduzia tinha problemas mecânicos. Depois da inspecção, os técnicos da mesma firma concluíram, erradamente, que a situação não era grave e que, portanto, Carlos Herculano podia chegar ao seu destino. Todavia, por volta das 11h:00 daquele dia, o veículo capotou e deixou o homem com problemas motores nos braços e nas pernas. Miraculosamente, a vítima sobreviveu mas estava a enfrentar um suplício.

O custo social para um homem como Carlos Herculano, que contraiu uma deficiência grave e morreu em resultado de um acidente de viação, está patente nos olhos de Nilza Lino, que, sem ideia de como vai cuidar dos filhos na ausência do marido nos próximos tempos, neste momento, se queixa da falta de apoio, principalmente por parte da entidade empregadora. Para além da dor causada pelo desaparecimento físico do consorte, o filho mais novo da jovem também não goza de boa saúde.

Após o sinistro, o seu cônjuge esteva internado num hospital em Quelimane, tendo a mulher solicitodo uma transferência para Maputo – em Outubro de 2013 – convencida de que ele teria melhor tratamento médico no maior hospital do país, mas não foi o que aconteceu. No leito do HCM, Carlos Herculano permaneceu, semanas a fio, na mesma posição e sem falar, ou seja, deitado de costas, o que fez com que contraísse quatro feridas enormes nas nádegas e na cintura. Apesar de não registar melhorias consideráveis, foi dada alta ao doente.

Porém, passados alguns dias, teve uma recaída. Dessa vez, Nilza Lino – que já não estava satisfeita com o atendimento do HCM – recorreu aos serviços do Hospital Militar de Maputo (HMM), onde o marido permaneceu sete dias de baixa. Volvido aquele período, Carlos Herculano já falava e demonstrava sinais de melhoria, mas a família não tinha condições financeiras para mantê-lo em tratamento naquela unidade hospitalar, onde Nilza Lino desembolsou 400 meticais para a consulta, 450 meticais respeitantes a análises e 350 meticais de visita médica.

Os sete dias em que o enfermo esteve internado custaram 10 mil meticais, mas a senhora não possuía tal valor. Ela informou à direcção do HMM de que estava desprovida de meios, tendo beneficiado de um desconto de três mil meticais. Deste modo, ela levou o marido para casa com a sensação de fracasso. Contudo, a família ainda acreditava que naquela unidade sanitária Carlos Herculano poderia registar melhoras mas não dispunha de condições financeiras para suportar a terapia.

Em Dezembro passado, Carlos Herculano teve mais uma crise que deixou a esposa aflita. Ela recorreu novamente ao Hospital Central de Maputo, onde o marido se encontrava até à sua morte e em mau estado de saúde, Para além de que ficou dias com pensos sujos, em virtude de os médicos negarem lavar as suas feridas. Um deles, violando a ética deontológica que rege os profissionais da Saúde, assustou a desdita senhora, proferindo palavras pouco encorajadoras. “Disseram-me que o meu marido não devia estar no hospital porque está apenas à espera do dia e da hora para morrer. Nunca esperei ouvir isso de um médico e receio que possam matá-lo”, desabafou a senhora, envolta em lágrimas.

Na passada sexta-feira, 14 de Fevereiro, o @Verdade visitou o paciente. Frederico João, de 20 anos de idade, que veio da província de Tete, a pedido da família, para ajudar a cuidar do enfermo uma vez que a esposa não podia entrar na enfermaria por estar reservada a doentes do sexo masculino, estava inconsolável. “O que me choca é a indiferença dos profissionais da Saúde. O médico disse-nos, várias vezes, que devíamos levar o doente para casa porque já não há cura para ele, apenas está à espera da data e hora para morrer”, contou o jovem. Todavia, aquando do fecho desta edição soubemos, com tamanha consternação, de que o cidadão não pertencia mais ao mundo dos vivos.

Mocotex ainda paga o salário

Entretanto, a firma visada, por intermédio do diretor financeiro, Júlio Langa, rebateu a alegação de que não prestava assistência ao doente. “Continuamos a pagar o salário normal, sem nenhuma falha, mas para darmos outro tipo de apoio dependemos dos seguros. Estes pediram um relatório clínico do trabalhador, mas a senhora Nilza Manhoso, esposa do enfermo, ainda não nos enviou.”

Júlio Langa negou igualmente que o veículo conduzido por Carlos Herculano tinha problemas mecânicos ou que ele tenha informado sobre tal anomalia. O contacto que houve entre a empresa e o trabalhador aconteceu depois do acidente de viação, que se verificou numa subida onde a velocidade máxima é de 40 quilómetros por hora.

Outra vítima

A 11 de Julho de 2013, Rosário Paqueleque, de 39 anos de idade, residente na cidade de Nampula, perdeu a perna esquerda num acidente rodoviário. Num dia de tráfego intenso, ele viajava numa motorizada na Avenida do Trabalho, a qual estava em obras e onde funcionava apenas uma faixa de rodagem. A vítima embateu frontalmente com um camião basculante e, em seguida, outra viatura esmagou o seu membro inferior, que teve de ser amputado.

Rosário Paqueleque é funcionário da edilidade de Nampula, a qual não lhe ajudou em nada durante os 82 dias em que esteve em tratamento, apesar de que na altura da desgraça estava em missão de serviço. Ele perdeu os sentidos e foi reanimado no Hospital Central de Nampula. Mesmo assim, o cidadão foi considerado culpado pelo acidente e responsabilizado pelo tribunal.

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