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EDITORIAL: O cidadão 4×4

Perante a impotência das pessoas, na periferia de Maputo, para suster a força das águas e, desse modo, impedir que estas invadissem as suas paupérrimas residências, @Verdade viu a pobreza como produto da indiferença que apaga a identidade humana: a súplica e o desdém, a força da natureza e a fragilidade do homem, o sublime e o profano.

O cenário, em Maputo, mostra a dimensão estática de uma cidade paralisada no tempo e de outra que passa inclemente e apressada de 4×4.

O sorriso de uma criança que esconde o rosto, no bairro de Hulene, espelha a imensa crueldade do homem. É uma criança que sorri da desgraça ao mesmo que tenta minimizá-la com recurso a uma bacia, com a qual julga subtrair da casa com dois cómodos um líquido, que se diz precioso, mas que aumenta inexoravelmente por obra e graça do homem e, diga-se, para desgraça da sua família que vai perder os eletrodomésticos que comprou em 24 prestações.

Tudo isso porque ninguém se lembrou de planifi car. Tudo isso porque é muito mais importante cuidar da baixa do que do subúrbio de Maputo.

Os braços resignados de quem crê que sofrer é destino, o caminhar incessante do mendigo que sabe que nem nos dias de dilúvio é proibido conjugar o verbo descansar e a mãe que montou a sua banca no chão lamacento de um bairro qualquer são registos irrefutáveis do certificado de indigência que estas chuvas passam à larga franja dos munícipes de Maputo. Maputo, aliás, já não é um cidade, mas a caricatura de dela. Ou os escombros dela.

O drama praticamente anónimo dos cidadãos da periferia, legítimos cidadãos desta pátria de heróis não é, no nosso entender, um problema de superpovoamento. Há muito de falta de planifi cação, já o dissemos, e preguiça nas inundações que ocorrem na cidade. Ninguém limpa o capim das valas de drenagem. Ninguém retira os detritos sólidos que criam autênticas barreiras para a circulação das águas pluviais.

Acreditamos que há situações que poderiam ser minimizadas com manutenção. As valas de drenagem da avenida Joaquim Chissano são disso um exemplo. Na nossa ronda pela cidade e periferia verificámos que no cruzamento entre esta e a Milagre Mabote a água não circula porque as condutas que ligam as valas estão entupidas. Algo perfeitamente evitável. Se existisse uma equipa de manutenção para retirar os detritos e limpar o capim não só a água circularia como também os mosquitos deixariam de ter um lar.

Quanto pode custar ao Município manter meia dúzia de pessoas para o efeito? Apenas o salário de um membro da Assembleia Municipal. 30 mil meticais apenas. A razão de 3000 meticais por pessoa. É inaceitável que cidadãos deste país durmam nas mesas porque a construção de uma estrada, mais uma vez, bloqueou o curso natural das águas.

Estas chuvas obrigaram os moçambicanos a redefinirem o conceito de pobreza. Hoje não é apenas uma viatura que separa o rico do pobre, o cidadão do indigente. Não chega ter um carro. Isso é muito pouco. É preciso que ele seja 4×4 para que alguém viva efectivamente como cidadão.

4×4 que na sua caminhada hostil e apressada, de vidros fechados e indiferente ao sofrimento do próximo, retrata a cegueira do ser humano perante tudo o que dói. É lixado ser um cidadão sazonal.

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