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Malhangalene: um lugar sem paz

Malhangalene: um lugar sem paz

Enquanto a polícia exorta a população a denunciar os que perturbam a ordem e tranquilidade públicas, no bairro da Malhangalene, onde o crime é a lei, a regra é ver, ouvir e calar. A violação desta máxima coloca qualquer um em “rota de colisão” com os malfeitores.

Malhangalene, um bairro histórico da cidade de Maputo, debate-se, nos dias que correm, com uma acentuada onda de criminalidade, cujos responsáveis são “rostos conhecidos” pela maioria dos moradores, mas que, infelizmente, não os podem denunciar.

Em tempos idos houve quem tivesse coragem de denunciar os fazedores do mal. Porém, as fragilidades do nosso sistema de justiça criaram condições para que os “denunciados” voltassem em tão curto espaço de tempo à “sociedade” não só para continuar com as suas investidas, mas também para “ajustar” as contas com quem os tenha, porventura, denunciado.

Diga-se que o crime tornou-se a lei de convivência, e a justiça, uma espécie de “capa de chuva”, recorrendo-se a esta apenas para responder a algumas infracções cometidas pelos mais fracos.

De dia e de noite, o medo de ser assaltado ou molestado atormenta os residentes da Malhangalene. Prova disso é o facto de eles se recusarem a tecer quaisquer comentários (à Imprensa) em relação aos índices de criminalidade. Se o fazem é sempre na condição de anonimato.

Um jovem, de 27 anos, que preferiu não se identificar por temer eventuais represálias, disse apenas que se a justiça fosse funcionasse em Moçambique, forneceria a lista de todos aqueles que semeiam o pânico e, às vezes, luto no seio daquele bairro. “Nasci e cresci neste bairro e conheço as caras dos criminosos, mas não posso revelar. Não há quem me protegeria se o fizesse”

“A polícia é conivente”

A Polícia da República de Moçambique (PRM) diz que tem destacado agentes para fazerem a patrulha naquele bairro, mas a maior parte dos residentes considera que estes têm agido em conivência com os criminosos.

“Muitos criminosos foram ganhando asas porque sabiam que não ficariam muito tempo nas celas da 6ª Esquadra. Nenhum deles fica detido por mais de uma semana. E o mais agravante é que eles saíam de lá com os nomes dos denunciantes”, disse um dos moradores.

Alguns malfeitores, segundo relatos dos moradores, orgulham- -se das boas relações que mantêm com a polícia. “Há vezes em que citam nomes de alguns agentes”.

Fontes ouvidas pela nossa equipa de reportagem não descartam a possibilidade de os agentes afectos à 6ª Esquadra agirem em coordenação com os malfeitores, visto que alguns têm sido vistos na calada da noite a trocarem impressões com os “amigos do alheio”, e fazem-no sem a farda da corporação.

“Fui assaltado pela polícia”

Um jovem de 24 anos de idade conta que foi vítima de um assalto perpetrado pela Polícia. O episódio deu-se no dia 31 de Dezembro, por volta das 23 horas, quando este regressava de mais uma jornada laboral. “Desci na paragem do Shoprite, na avenida Acordos de Lusaka, a pouco menos de 500 metros da 6ª Esquadra.

Trabalhei até aquela hora porque precisava do valor das horas extra. Quando cheguei à Auto Monumental, vi-me cercado de pessoas, todas elas com armas do tipo AK47, normalmente usadas pela PRM. Tiraram-me o telemóvel, a carteira e disseram-me que devia desaparecer daquele local”.

Por temer que lhe acontecesse o pior, o jovem não mais fez senão obedecer ao “comando” dos malfeitores. Mais adiante, diz ter encontrado um grupo de três jovens que caminhavam na mesma direcção.

“Contei-lhes o sucedido e estes disseram que tinham passado pelo mesmo e que tinham sido interpelados por agentes da PRM. Não duvido que tenham sido os mesmos agentes, já sem o fardamento, que me assaltaram”.

O consumo de drogas na senda do crime

A presença do @Verdade naquele bairro parecia o prenúncio do fim do “recolher obrigatório” a que os seus moradores estão sujeitos, embora o medo prevalecesse.

O desespero de não ter aonde e a quem recorrer e o receio de ver a integridade física dos filhos ameaçada são as maiores preocupações dos que acompanharam o nascimento e crescimento da Malhangalene. Joana Macie*, de 54 anos de idade, diz que não esperava que o bairro da Malhangalene se fosse transformar num terreno fértil para os criminosos.

“Malhangalene sempre foi um bairro turbulento mas jamais pensei que fosse chegar a este extremo. Acho que se deve ao facto de ter sido um ponto de encontro dos consumidores de drogas”.

Geograficamente, Malhangalene é limitado pelos bairros tidos pela Rede Nacional de Combate e Prevenção contra a Droga como sendo os maiores consumidores de droga, nomeadamente Mafalala, Maxaquene, Coop e uma parte de Minkadjuine. Manuel Condula, presidente da Rede Nacional de Combate e Prevenção contra a Droga diz que alguns jovens daqueles bairros se dedicam a assaltos e roubos devido à carestia de vida, associada ao desemprego.

“Esta forma de viver está a ser socialmente aceite nestes bairros, primeiro porque os que assim vivem têm algum estímulo para o fazer. Segundo, porque a maior parte dos jovens destas zonas perdeu perspectivas para o seu futuro”, disse Condula.

Recorrendo a um estudo feito por aquela organização, Condula diz que a tendência dessas pessoas é de consumirem drogas abertamente (ao relento), assim como protagonizarem assaltos e roubos à vista de todos. “Eles querem ser temidos, para melhor dominarem” acrescentou. Condula chama a atenção para o facto de o bairro Malhangalene ter sido constituído por pessoas da classe média-baixa.

“Há muitos jovens na Malhangalene cujos pais eram da classe média, mas que, na sua maioria, passaram à reforma, deixando os seus filhos com poucos recursos para sobreviver. São estes jovens que, buscando a sua independência financeira, sem emprego, vão protagonizando actos que atentam contra a segurança e tranquilidade públicas”, defende.

Quando a má fama atrai

Condula aventa a hipótese de os roubos e assaltos não serem protagonizados só pelos jovens do bairro Malhangalene, mas também pelos das outras zonas, com destaque para os de Mafalala e Maxaquene.

Este ponto de vista é também defendido por Lena Macamo, uma das moradoras que aceitou “dar a cara” para falar deste fenómeno que tira a tranquilidade ao bairro da Malhangalene. “A maior parte dos criminosos provêm da Mafalala e eles contam com a protecção da polícia, principalmente na zona do Shoprite”.

Mercado Estrela: o destino dos bens roubados

Lena Macamo diz que A maior parte dos bens roubados aos moradores de Malhangalene é vendida no Mercado Estrela, daí que o aponta como sendo um dos fomentadores da onda de criminalidade.

“Há uma relação entre os elevados índices de criminalidade no nosso bairro e o Mercado Estrela. Temos visto e/ou recuperado alguns bens naquele mercado”.

Entretanto, a PRM declinou-se a falar destes casos e não quis confi rmar ou refutar as acusações feitas pelos moradores daquele bairro, limitando-se apenas a repetir, qual um robot programado, a famigerada frase: “Não estamos autorizados a falar à Imprensa. É melhor dirigirem-se ao Comando da Cidade, talvez lá eles digam algo sobre esse assunto”.

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