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Pandza: o Cheiro

– Silêncio, senhores deputados!

Foi assim que a presidente silenciou a “escolinha do barulho”, batendo no tampo da mesa aquele martelo que lhe confere Woman Empowerment, antes de perguntar com autoridade meiga:

– Senhores deputados, quem poluiu a sala?

Preparava-se a recepção ao Presidente da República. Regressavam, os deputados, de um pequeno intervalo concedido para concertações das bancadas e refreio de ânimos.

Como sempre, resmungavam, em nome do povo e de interesses pessoais. Perderam a pose de políticos e socorreram-se do cheiro agitando no nariz os papéis que lhes davam ares de muito atarefados.

– Quero lembrar-lhes que estamos aqui a representar o povo – prosseguiu a presidente, protegendo o nariz com um lenço –, perturbar este trabalho é uma grave inconsti tucionalidade.

Um deputado da bancada maioritária, com os dedos em senti nela no nariz, pediu a palavra:

– Excelência, está claro que isto é mais uma sabotagem à vinda do Presidente, pela bancada que constantemente inventa desculpas para não trabalhar.

A resposta da bancada acusada não tardou, no meio da balbúrdia que a primeira intervenção causou:

– Estatisticamente, a probabilidade de o poluidor pertencer àquele parti do é maior porque eles são a maioria aqui.

– Este cheiro é violento – voltou à carga a bancada com mais assentos – Qual é o parti do violento aqui? – perguntou o deputado, olhando para a bancada do parti do que veio das matas –. Eu acho que devíamos usar um desodorizante, amenizar o cheiro e prosseguir com o trabalho, que é o que eles não querem.

Enquanto as duas facções se bombardeavam, e porque o silêncio é suspeito, a terceira bancada, com representação minoritária, mostrava trabalho, mais apaziguador que franco ati rador:

– Senhores, não é só aqui que cheira mal. O país inteiro cheira mal. Vamos ter desodorizantes para todos os problemas que o país tresanda?

Com a sensatez da últi ma intervenção fez-se silêncio, mas o barulho recomeçou quando um dos deputados, aparentemente entendido em maus cheiros, filosofou:

– Senhores, o buraco é mais em baixo.

– O que quer isso dizer, senhor deputado? – perguntou a presidente.

– Quero dizer, Excelência, que o flato é mas sólido de que parece. Se fosse um simples “pum!” já não cheirava.

Fez-se silêncio e esqueceram-se de venti lar as narinas com a inteligência da explanação.

– Quer dizer, senhor deputado, que alguém aqui sujou as calças?

– Não, Excelência. A pessoa aproveitou o intervalo para se aliviar e sabotar a vinda do Presidente. E fê-lo justamente ali – apontou para o centro da sala, onde um tapete com o emblema da República estampado se impunha.

Os jornalistas viraram as câmaras e atenções para lá. A presidente martelou a mesa e pediu silêncio. Passou pelos jornalistas e foi averiguar. Os deputados seguiram-na. Estava ali o fulano, enroladinho no tapete, como um creme achocolatado por cima do emblema da República. Ela protegeu as narinas e voltou ao lugar:

– Senhores deputados, que inconsti tucionalidade! – desesperou-se a presidente – isto foi demais. Um atentado à democracia!

– Há grãos de maçaroca mal digeridos, só pode ser do parti do que usa a maçaroca como símbolo – acusou a oposição.

– Senhores, onde já se viu excremento de um batuque ou de uma maçaroca? – defendeu-se o parti do do batuque e maçaroca –. Mas todos já vimos de um galo – olhou para a bancada do galo – e de uma perdiz – olhou para a bancada da perdiz –. E todos sabemos que galo e perdiz – voltou a olhar para as respectivas bancadas – comem maçaroca.

– Nós não comemos maçaroca do povo – defendeu-se a perdiz, em tom bélico.

– Senhores, não se trata de excremento de galo nem de perdiz, é de gente

– corrigiu a bancada do galo, imaturo para as esperti ces parlamentares, por não ter predador político natural.

Entre discussões e acusações correu a manhã. As bancadas dividiam-se quanto à vinda do Presidente:

– Com este cheiro, não há condições para a vinda do Presidente – diziam uns.

– Achamos que o Presidente deve vir sentir o cheiro do país real – defendiam outros.

Democraticamente, a presidente sugeriu que se votasse, depois de concertar com os chefes das bancadas. Quando bocejou e martelou a mesa, foi obrigada a adiar também a votação porque metade da sala estava a dormir.

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